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montesclaros.com - Ano 22 - sábado, 27 de abril de 2024


Web Outros    Jornal Hoje em Dia
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Por Web Outros - 9/11/2010 14:57:33
As delícias de Mel

Tião Martins - Jornal Hoje em Dia

Sem Márcia Yellow, a cidade de Montes Claros jamais seria a mesma. E Márcia Yellow, sem Montes Claros, seria outra pessoa. As duas se conhecem e se entendem melhor que irmãs gêmeas. Um dia desses, ao reproduzir a opinião favorável da Márcia sobre o Super Paulo Coelho, uma cidadã chamada Amelina entrou de mansinho na conversa e deu merecido beliscão em algum ponto sensível da anatomia desse autor. Hoje, para espanto da moçada, vem a revelação: Amelina também é de Montes Claros, escreve livros eróticos e biografias e já atingiu a idade em que os humanos podem se permitir quase tudo, embora muitos continuem escravos do passado, da rotina e da pegajosa chatice.
- Sim, é minha vizinha aqui do Norte de Minas, querida, amada, linda. Eu a chamo de Amelinda. Outros a chamam de Mel - conta Márcia Yellow, feliz por aparecer em uma crônica ao lado da sua amiga, que acaba de festejar mais um ano de liberdade para pensar e criar. Márcia não sabe dizer se a sua Amelinda comemorou, em outubro, 72, 78 ou 80 anos de idade, mas deixa claro que isso é o menos importante. Prefere citar os livros que ela já escreveu, com títulos que anunciam a mente aberta e livre da autora: "O Livro Proibido" e "Príapo de Ébano", por exemplo. Amelina, Amelinda ou Mel escreveu também uma biografia do compositor e seresteiro João Chaves, autor de "Amo-te Muito", uma música que já fez 100 anos e continua como favorita de dez entre dez mineiros românticos e saudosistas, categoria que inclui os jornalistas Paulinho Narciso e Roberto Elísio. O título da biografia já diz tudo: "João Chaves: Eterna Lembrança". Essa menina de Montes Claros escreveu também "O Andarilho do São Francisco", que foi adaptado para o teatro; "Quitute e Amor" e "O Câncer da Vingança", entre outras obras que Márcia classifica como "deliciosas". E está prontinha para sair do forno a biografia de Hermes de Paula, o grande historiador de Montes Claros. Com os seus 72, 78 ou 80 anos, Mel não quer saber de descanso e se arrisca também no artesanato. Suas bruxas de pano já foram até destaque no programa Som Brasil.
- Ela é viúva, mãe de 15 filhos e no ano passado foi enredo de uma das nossas escolas de samba - conta Márcia - e desfilou bem à frente, cumprindo todo o percurso na maior animação. Quando nos encontra pelas ruas, para e bate um papo e às vezes senta. Para discutir ideias, nunca pessoas. Tempo para os amigos ela sempre tem, assim como o café coado na hora, em sua casa, para nos receber a qualquer momento. As duas outro dia se encontraram com os amigos Paulo Narciso e Raphael Reys no Centro Cultural, cantaram parabéns e foram as últimas a sair. Márcia deixou Amelina aos cuidados dos amigos, que prometeram ter juízo e acompanhá-la à sua casa sem cair nas tentações dessa fértil autora de contos eróticos.
- Amelina Chaves é assim, na flor da idade, na maneira leve e solta de viver e na intensa paixão pela vida. Tem um semblante de paz e é tudo de bom. Amada, muito amada, ela é um dos nossos patrimônios. Meninos, vejam que bela companhia vocês conquistaram. De hoje em diante, sempre que forem a Montes Claros, já sabem: levem nosso abraço a Amelina. E leiam os livros dela, de preferência ouvindo a música "Água Viva", trilha sonora que a Márcia Yellow recomenda.


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Por Web Outros - 26/9/2010 13:35:30
A faixa da Rua do Ouro

Roberto Elísio - Jornal Hoje em Dia

De repente, como fosse pacata ruazinha de uma pequena cidade do interior, a movimentada Rua do Ouro amanheceu com decoração nova, impregnada do mais puro lirismo de tempos passados: uma enorme faixa, atravessada de uma extremidade a outra da efervescente via de acesso ao denso Bairro da Serra, comunicava a apenas três letras - MDW - toda a extensão de um sofrimento de amor: "Tentei te esquecer. Não consegui". À primeira análise, a manifestação com gosto das coisas de antigamente chega a surpreender, mas logo depois se cai na realidade: surpresa nenhuma, apenas uma maneira mais simples de tornar público um sentimento abafado: "Tentei te esquecer. Não consegui".
Não se sabe se o desditoso (para usar também uma expressão antiga) personagem do amor interrompido chegou a recorrer a tecnologias de comunicação mais modernas, todas elas colocadas ao alcance do ser humano após a invenção do computador, da internet e das novidades digitais que se seguirem. Se o fez foi em segredo e, pelo que se conclui, sem qualquer sucesso. Daí o recurso à velha faixa de pano estendida na Rua do Ouro, para cujo êxito estamos todos torcendo.
Meu amigo Genaro, um incorrigível romântico abençoado pelas noites enluaradas de Curvelo, sustenta que o sentimento é irmão gêmeo da natureza de que nos adverte Lavoisier. Nele nada se perde e tudo se transforma, mesmo ficando anos e mais anos arquivado a um canto da memória. É como se fosse o fogão de lenha nas cozinhas antigas. Você levanta de manhã, acha que está tudo apagado. Basta, no entanto, abrir a janela, por mais discretamente que seja. Se o vento soprar a favor, acende tudo de novo. As brasas voltam a queimar, como se simbolizasse o renascer de sentimentos só aparentemente adormecidos.
As duas pequenas frases de faixa da Rua do Ouro - "Tentei te esquecer. Não consegui" - se aparecessem num local ais inspirador, como no beco de uma favela carioca ou num botequim da Lagoinha, talvez terminassem em samba. Na Santa Luzia, minha e de José Bento Teixeira de Salles, na Diamantina de Fausto Matta Machado e na Montes Claros de Paulo Narciso, inspirariam, no mínimo, uma seresta. A canção escolhida, a se levar em conta o lamento da faixa, poderia perfeitamente ser um antigo sucesso de Sílvio Caldas: "Sorri da minha dor, mas eu te quero ainda".
Na turbulenta Rua do Ouro, a faixa contém um apelo em forma de poesia, a que MDW não pode manter-se indiferente. Afinal, se a tentativa de esquecimento foi inútil, é porque existe muita coisa para ser lembrada. É só deixar o vento que anima o fogão de lenha fazer a parte dele.


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Por Web Outros - 23/9/2010 10:57:30
Ainda resta esperança

Manoel Hygino - Hoje em Dia

Chuvas em excesso na Ásia, China, Índia e Paquistão com cidades invadidas pelas águas, destruindo toscas habitações e plantações. Milhares de mortos e centenas de milhares expulsos de seus lares. O mundo presta ajuda a nações tão grandes, duas das quais poderosas, formando com o Brasil o grupo da BRIC. Na efervescência eleitoral, o maior país da América Latina sofre com temperaturas elevadas, com o rigor da baixa umidade do ar - viramos um pedaço da África, com o reduzidíssimo índice pluviométrico: choveu apenas 55m nos últimos noventa dias, o mais baixo da média histórica, no norte do Estado. O fenômeno repercutiu gravemente no sistema produtivo. Na área rural da maior cidade da região, 18 mil pessoas enfrentam a falta de águas, enquanto focos de incêndio em todo o território brasileiro. Esgotam-se mananciais. A água das cisternas estava lá embaixo. O número de atingidos pelo esgotamento das reservas hídricas obrigou a mobilização do Sistema Nacional de Defesa Civil. Nas captais e grandes cidades, reclamava-se: o tempo tem mudado demais. Difícil dirigir veículos nas cidades maiores, sob o calor intenso com trânsito caótico. O tempo não é mais confiável como antigamente. Em cidades do sertão mineiro, fazia frio nas madrugadas deste ano. Ninguém se lembrava de que o "inverno", que costuma terminar ali nas duas primeiras semanas de agosto, tivesse se estendido a setembro. Durante o dia, os termômetros andavam pelos 30 graus, ou mais. Para os boêmios, que rareiam nas ruas interioranas, época ideal para a lua, que seguiu majestosa, e doce, ao encontro do céu da Primavera, sempre esperada. Uma espécie da bela estação já se nota na arborização das ruas, coloridas com flores típicas. Confia-se em que seja bom sinal. Claro que se aguardava que as chuvas chegassem antes, evitando problemas com a saúde, não restritos às crianças. Viroses não escolhem idades. Teme-se a carestia. Redemoinhos serviam à algazarra das crianças de antes. Hoje, elas estão vendo televisão na sala ou operando a Internet, confiando-se que se troquem nas melhores mensagens. Cuidado, que a droga atrai meninos e adolescentes ao descaminho! A chuva, depois da longa estiagem, sempre traz esperança. Dela muito se vive, principalmente no sertão árido, em que as árvores perdem seus ramos e seus esqueletos parecem implorar água do céu. Depois, podem vir as monções, que muito destroem, inclusive vidas humanas, dispersas em casebres pelo território desprevenido e desassistido. O homem se conforma: só resta esperar. E buscar água na cisterna; os córregos secaram ou estão em dimensões mínimas. Depois, tomarão vulto e causarão risco aos que os desafiam. É o preço de viver na região, onde a inclemência também nasce da natureza. Para Paulo Narciso, chuva de broto mesmo parece que fica para o dia de S. Miguel Arcanjo, 28 de setembro.


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Por Web Outros - 9/9/2010 12:04:13
No tempo dos coitadinhos

Tião Martins - Hoje em Dia

Toda cidade, por menor que seja, tem garotas disponíveis para acompanhar um cavalheiro, mesmo que ele nem seja assim tão cavalheiro. E elas já acompanharam tantos, profissionalmente, que hoje se apresentam como "acompanhantes", mesmo que esse ofício não esteja previsto na declaração anual de renda. Nesse departamento, Montes Claros, que sempre foi moderninha e avançada, chegou a importar acompanhantes do mais alto nível, como contam os nativos de maior idade. O calor intenso e o dinheiro disponível se juntavam para fazer da cidade um centro importante de acompanhamento. Os endinheirados, vindos de toda a região Norte de Minas, desembarcavam periodicamente nas melhores casas do ramo e não poupavam cruzeiros velhos ou novos, em troca de uma boa companhia. Naquela época, dizem os saudosistas, só andava sozinho quem sofresse de alergia por moças. E, para os eternos desprevenidos em matéria de grana, restava sempre a possibilidade de que uma das moças cometesse um gesto de generosidade e misericórdia. As meninas daquele tempo não eram avarentas. Ou nem todas eram. Trabalhavam por dinheiro, sim, pois ninguém é de ferro. Mas também sentiam pena dos garotos, encostados no balcão até o último sopro do sax ou o derradeiro acorde da viola. Esses desvalidos, com a boca seca e cara de coitadinhos, eram mestres em tocar o coração das moças.
Após a longa noite inteira de trabalho e enquanto os músicos recolhiam os instrumentos, as moças ficavam por ali, sem sono. E havia sempre duas ou três mais atiradas e generosas. Estas atravessavam o salão e pescavam os coitadinhos, porque ninguém é de ferro e, naquela época, as acompanhantes também gostavam de companhia. Hoje, devido à intensidade da competição (e à globalização da economia, que é o bicho-papão dos tempos modernos), a profissão de acompanhante ficou mais sofisticada. As moças já não se chamam Emerenciana, Josefina ou Julita. E você jamais encontrará uma que considere natural e doce o apelido de "Maria Tomba-Homem". Além disso, operam via celular, investem parte do capital em academias, anunciam nos jornais, colocam avisos na web, enviam e-mails e aguardam, em casa, que apareçam os corações solitários. Ainda esta semana, três acompanhantes estacionadas em Montes Claros dispararam e-mails para clientes, turistas e colunistas do Brasil inteiro (é a tal globalização), oferecendo seus serviços pela módica e padronizada quantia de 70 reais, com a qual o cidadão adquire 60 minutos de companhia. Andressa, Geovana e Gabriella informam os números dos seus celulares e não entram em detalhes a respeito do trabalho, mas oferecem um slogan que é sólida garantia aos turistas e curiosos que visitarem a cidade: "Em Montes Claros, só fica sozinho quem quer". Ou quem não tiver grana no bolso. O tempo dos coitadinhos acabou. A moda agora é outra. E não há mais espaço nos balcões para que eles se encostem, à espera da felicidade. Com 70 reais no bolso ou um cartão de crédito ativo, você é um sujeito simpático e atraente. E não será surpresa se um amigo contar que Andressa, Geovana e Gabriella exigem do cliente pagamento adiantado, para que os ponteiros do relógio comecem a funcionar.
Se é assim em Nova Iorque, Paris e Istambul, por que não em Montes Claros?


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Por Web Outros - 5/9/2010 09:31:35
A ameaça do lixo

Roberto Elísio (Jornal Hoje em Dia)

Até que surgisse essa estranha história envolvendo a queima de lixo hospitalar, Santa Luzia e Montes Claros só apareciam no mesmo noticiário quando se alinhavam as suas afinidades, como o gosto pela poesia, o culto às velhas serenatas e a vocação irresistível para o exercício do jornalismo, traço forte na personalidade dos filhos das duas cidades. Apesar da razoável distância entre ambas - Santa Luzia na Região Metropolitana de Belo Horizonte e Montes Claros na área norte do Estado - sempre foram consideradas irmãs gêmeas na manifestação dos valores permanentes do espírito.
Os luzienses têm o hábito de cantar, dominados pelo mais puro sentimento, o "Amo-te muito", carro-chefe das composições imortais do montes-clarense João Chaves, aquela beleza de valsa a falar "amo-te muito, como as flores amam/ O frio orvalho que o infinito chora. / Amo-te tanto/ como o sabiá da praia/ ama a sanguínea e deslumbrante aurora".
O também poeta e empresário Luiz de Paula, que embora nascido em Várzea da Palma tornou-se um cidadão de Montes Claros pelo direito de conquista, lançou recentemente o seu livro de memórias, no qual alinha uma série de desejos que alimenta antes que a crueldade do tempo o cale para sempre. Um deles é fazer uma serenata à luz da lua de Santa Luzia, que os jornalista Manoel Hygino e Paulo Narciso já conheceram em tempos mais pacatos.
Os saudosos irmãos Mário e Darcy Ribeiro costumavam visitar Santa Luzia com frequência, porque na tradicional cidade metropolitana se sentiam em casa, justamente pela afinidade da qual já aqui se falou.
Guardo ainda hoje, com o maior carinho, um long-play gravado há mais de 30 anos pelo conjunto de seresta João Chaves, que Mário Ribeiro teve a gentileza de enviar-me à época. Do velho vinil consta a valas "Saudade", uma das mais belas que já ouvi em toda a vida, sobretudo pelo lirismo na formulação dos versos: "Saudade, mal-estar que se bendiz/ E o coração maltrato/ com doçura".
Agora, no entanto, esse história de queima de lixo hospitalar ameaça colocar em posições antagônicas Montes Claros e Santa Luzia, que tanto têm a oferecer, uma à outra, sem esse mal cheiroso. Estranho o fato de que, sendo luziense (e com muito orgulho), só tenha citado neste espaço figuras históricas de Montes Claros. A razão é simples: infelizmente, estou impedido, graficamente, de relacionar os imortais de Santa Luzia.
Não caberiam em apenas numa página de jornal.


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Por Web Outros - 1/9/2010 07:31:50
Agosto de sempre

Manoel Hygino

Agosto no Norte de Minas não é este de 2010, quando a coluna de mercúrio desabou. É tempo de muito vento, de muito calor no clima e no espírito das pessoas. Antigamente, o redemoinho incomodava enormemente e levantava a poeira a grande altura. As más línguas diziam que era fácil aos aviadores, em pequenos aparelhos, identificar a região por onde voavam, a partir da capital. A primeira nuvem de pó era de Curvelo, na época sem pavimentação; lá de cima se podia saber onde ficava a maior cidade mais ao norte, Montes Claros, denunciava-a a seguinte de pesada nuvem de poeira, lá embaixo. Não havia necessidade de instrumentação a bordo. Tudo mudou, faz um frio inacreditável. O sol tem medo de aparecer. A coluna de mercúrio desce até a menos de 10 graus centígrados. Tempo fechado como a sorte dos sertanejos, há muitos e muitos dias sem chuva. E, agora, com essa luminosidade e temperatura precárias do astro-rei. Mas as festas de agosto, tradição da gente simples do sertão, que atravessa festivamente esta época do ano, impõe calor nos corações. Resgatam-se tradições pretéritas que as capitais não conhecem, nem interesse têm. Darcy Ribeiro, o etnólogo, o sociólogo, e escritor, sonhava - estivesse onde estivesse neste mundo de Deus - com o oitavo mês do ano e a alegria cantante nas ruas, mesmo com a poeira, imaginando-se feliz ali como imperador das festas. O mesmo sente Paulo Narciso, jornalista, que sai pelas mesmas ruas, desfilando e revivendo passado jamais obscurecido. Ele deve ter redigido essas linhas: "Atracou a Nau Catarineta. Marujos deixam o convés e já se vão juntar aos Caboclinhos, aos Catopês. Cantarão e dançarão pelos próximos seguidos dias. Pelos arrabaldes, primeiro (ouça-os, ao longe) - depois pelas ruas centrais, que percorrem penitentes há cerca de 200 anos, trazidos por um surdo de tambor de apelo intraduzível, que estruge nos corações, e nas mentes. Mistério, mágicas, sortilégio. É chegado o tempo longínquo das Festas de Agosto. A anunciá-las, a esperá-las, entraram de prontidão todos os Ipês, por todos os caminhos. Alta Gala do Sertão".
Para 18, dia do primeiro reinado dos Catopês - o de Nossa Senhora do Rosário, as previsões eram de temperaturas reduzidas. A mínima esperada era de 9 graus, com ventos de 13 km por hora, soprando da direção Leste-Nordeste.
É preciso conhecer as tradições locais para entender os sentimentos dessa gente, que cultiva a religiosidade desse tempo, que é de festa, de alegria, mas também de meditação. No segundo dia, o mastro de São Benedito, sai de noite da Praça Roxo Verde até a igreja do Rosário, na Praça Portugal, no centro. No dia seguinte pela manhã, é o reinado do santo africano.
Até o domingo, que - em 2010, caiu em 22 de agosto - catopês, marujos e caboclinhos desfilando pelas vias públicas da cidade, de manhã e à noite, saindo de vários bairros para concentração na igreja do Rosário. É a mais antiga festa popular da cidade, antigo Arraial de Nossa Senhora da Conceição e São José de Formigas, onde o bandeirante Antônio Gonçalves Figueira obteve uma sesmaria e se assentou...
As festas de agosto, nos dias 16, 17 e 18, são respectivamente em homenagem e reverência a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Divino Espírito Santo. É quando se promovem práticas puramente religiosas, tais como missas, bênçãos e levantamento de mastros, mas também outras atividades populares, além de cavalhadas e o bumba meu boi, que ficou na saudade. Neste mês abriram-se inscrições para o 2º Salão Nacional do Psiu Poético, que já também é iniciativa cultural conhecida no país. Participam poetas, cineastas, artistas de todo o Brasil, mesmo do exterior, que enviam seus poemas, livros, filmes, CDs ou propostas para performances com tema livre.
O festival propriamente dito é de 4 a 12 de outubro e propõe, este ano, um diálogo com a sétima arte, sobre o tema "Cinepoestia", enfatizando o liame da cidade e da região com o cinema.
Que as santidades de agosto premiem os que dedicam ao folclore e as artes! Eles merecem.


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Por Web Outros - 25/8/2010 07:33:05
Do jornal ao livro

Manoel Hygino

A jornalista Márcia Vieira, embaixatriz do Norte de Minas para o restante do Estado, me envia exemplar de "Sapo na Muda", livro do jornalista Luís Carlos Novaes, que tem como subtítulo "Meus amigos, meus mortos, meus caminhos tortos". Já ouvira a expressão "passarinho na muda", que se refere a um período de transição do animalzinho voador e o período de candidatos a cargos públicos, esperando definições. "Sapo na Muda" me causou estranheza, que o também jornalista Felipe Gabrich explica.
É o nome da coluna mantida semanalmente no "Jornal da Notícias", de que é editor, em Montes Claros, o agora escritor.
Diz mais: "E o que é `Sapo na Muda` senão as modificações que a vida vai nos proporcionando em todos os setores?
Ao longo da vida, vivemos os modismos, enfrentamos, derrubamos e implantamos governos; vencemos as barreiras dos mitos existenciais; apaixonamo-nos; beijamos; namoramos e casamos. Temos filhos e vamos tocando o presente e pensando no futuro, que já é agora". O livro contém tudo isso, sendo personagem principal Luis Carlos Novaes, o autor, também conhecido como Perereca, ou para simplificar Peré, alguém que sabe escrever, o que já é relevante num país em que não poucos ocupam espaços nos jornais e as páginas de livros, sendo rigorosamente apedeutas. O autor de "Sapo na Muda", o livro, descreve despretensiosamente a cidade como era num período muito duro para os brasileiros de um modo geral, porque período da ditadura militar, que serviu para que não poucos hoje gozem de indenizações vultosas concedidas pelo governo. Quem tomar à mão o livro irá inicialmente julgar que se trata de contos, revelações, confissões e invenções sobre um povo que mora num lugar já distante da capital, sofrido pelas secas, mas também pela incúria ou omissão das administrações públicas. Em verdade, é tudo isso e muito mais, relatado num volume agradável, que não passaria pela censura de outros tempos, dos governantes, ou de nossos próprios pais. Porque geralmente a censura começava em casa. Mesmo para quem não conhece os personagens, os casos são interessantes e levam a pensar como agiríamos diante dos fatos e das circunstâncias expostas. Um grupo de revolucionários sem armas e munições, a não ser as da rebeldia, dos não chegados à maturidade, "aprontava", aventurava nas noites e nos dias, em todos os campos: na música, na imprensa, nas atividades esportivas - ou não, viviam e sonhavam, porque aquela era exatamente a época para os sonhos.
Mas era uma turma muito ligada nos acontecimentos, não apenas os locais. As notícias chegavam, músicas era exportadas do sertão, enquanto outras entravam de mansinho ou ruidosamente nos lares e nos bares, nos salões e nos clubes.
"Eh! Mundo nuvem, céu sem porteira.
1972 foi um ano interessante. Enquanto nos Estados Unidos os Democratas exigiam rigor em Watergate, aquela investigação sobre a tentativa de colocar microfones clandestinos na sede da legenda, no edifício Watergate, coisa tão comum hoje no Brasil, os Jogos Olímpicos de Munique tinham a atenção do mundo. Com 18 mortos, numa ação dos terroristas do Setembro Negro, que lutava pela libertação da Palestina. E nós, aqui, aprendendo a lutar contra terroristas com fuzis de 1914. Eh! Mundo éter, almas criadoras". Aqueles jovens pensavam que a sua terra era livre e o seu quarto infinito. Tinham ideais de amor e liberdade, embora em plena ditadura. "Éramos bem mais criativos do que vejo nos meninos e meninas de agora, e nas discussões dizíamos verdades. Mas aprendi, ali, que as verdades não são para serem ditas. Basta olhar os olhos. Vivíamos verdades, ideias e ideais, olhávamos para o futuro como se ele fosse acontecer dentro de dez anos. Na verdade, o futuro aconteceu rápido. Instantes depois...Tão estranho crescer, adolescer... Escrevemos tranquilo sob a copa das árvores, "nós estávamos semeando, companheiros, no coração, manhãs e frutos e sonhos. Nós preparávamos, companheiros, sem ilusão, um novo tempo".


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Por Web Outros - 14/7/2010 08:07:51
Um esplêndido museu

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Dois ilustres cidadãos, que se dedicam, vitoriosamente, às letras, ao magistério, à pesquisa histórica, à área jurídica e às artes aparecem em foto de Girleno Alencar, chefe da sucursal de Montes Claros, em edição de 6 de junho do HOJE EM DIA. Dário Teixeira Cotrim, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, e Petrônio Braz, presidente da Academia de Ciências, Letras e Artes do São Francisco, Aclesia, apresentavam bens doados ao Instituto. Bens valiosos, bom que se diga.
É que o acervo valioso do engenheiro, pesquisador, prefeito Simeão Ribeiro Pires fora doado pela viúva ao IHGMC. Ora, é muito sério e merece registro, porque Terezinha Gomes Pires adorava aquelas peças, entre as quais um canhão de guerra usado na Sabinada.
Para se medir a importância do bem material e histórico, seria conveniente identificar quem construiu esse acervo. Simeão foi o único intelectual do Norte de Minas a levantar os arcanos da região, e não o fez quietinho, sentado em uma sala de estudos.
Era desse feitio. Diante de perquirições e dúvidas, hasteou velas e partiu para Portugal, em cuja célebre Torre do Tombo localizou vias para uma cova história de Minas Gerais.
Além do canhão e outro bens, há mais de 4 mil publicações, obras raríssimas, entre as quais o "Atlas e Relatório da Exploração do Rio São Francisco", de 1852 a 1854, elaborado pelo engenheiro Henrique Guilherme Fernando Halfeld, por determinação de Pedro II, e cujos feitos e genealogida foram minuciosamente levantados e contados por Pedro Nava.
Simeão Ribeiro Pires legou a seu tempo e aos vindouros uma obra notável, como "Raízes de Minas" e "Serra Geral", que mudou a história de Minas, como julgaram Alberto Deodato e João Camillo de Oliveira Torres, e outro conceituados autores, e "O Padre e a Bala de Ouro", que relata, sempre objetivando a exatidão, a busca da melhor de um fato inserido na crônica regional.
Em livro que ainda será lançado, Haroldo Lívio afirma que "a paixão pela pesquisa histórica havia se apoderado do antigo engenheiro civil, que, depois de estrondosa estreia em livro, redirecionou sua atividade intelectual. Em face, ainda, de seus afastamento da vida pública, após ser o prefeito e vereador, passou a falar menos e a escrever mais. Daí em diante, a reputação do tribuno foi cedendo passo ao renome de historiador da primeira água".
Esse patrimônio terá de ser obrigatoriamente preservado. Não fazê-lo é crime. A propósito, é indispensável que se proteja esse legado, porque, se perdido, jamais será recuperado. Percebe-se que há um certo interesse no Brasil por esses bens.
Há o acervo do historiador Brasiliano Braz, que resgata a história do rio e da cidade de São Francisco, na sua margem direita. Pela grande corrente tem circulado, durante séculos, riqueza de Minas e ponderável parcela da economia nacional.
Tantas vezes desdenhado e menosprezado, o rio definhou, mas ainda é um potencial de riqueza e de integração nacional, que não merece ser lembrado unicamente como fonte de votos e nas catástrofes.
Sonho.
Imagino se, somado o acervo esplêndido de Simeão Ribeiro Pires, ao de Brasiliano Braz, o primeiro historiador sãofranciscano, e, ainda, o de João Botelho, e de tantos outros cidadãos laboriosos de uma região de notáveis valores humanos, poder-se-ia criar se um complexo museológico de todo o norte-mineiro, para o que não falta material riquíssimo.
Pena que se tenha demolido o velho Mercado Municipal, cujas brasas de saudade estão acessas, nem que prosperasse a ideia de quem tem visão do futuro, como Wanderlino Arruda, que vislumbrou sua reconstrução. Não é obra de soberbia, nem de custos fabulosos.
Não custa sonhar, como disse neste princípio de conversa. É de sonho que nascem os grandes empreendimentos.


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Por Web Outros - 25/6/2010 08:48:33
O poder da graça

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Quando recentemente uma gripe - suína, aviária ou comum - quis derrubar-me a atirar ao leito, fortes orientações médicas e seguras instruções medicamentos me foram receitadas. Todas as pessoas têm remédios, caseiros ou não, para combater essa e outras doenças. A auxiliar de serviços Graça me receitou "guaco", que deve realmente ser eficaz, com a ajuda de Deus e da terapêutica prescrita pela pneumologista Maria Amélia. A despeito do tempo inclemente, do frio intenso, dos ventos que lembram os morros uivantes da ficção inglesa ou o castelo do príncipe Hamlet, da Dinamarca, não fui vencido. Por enquanto, obviamente.
Desde criança ouvia fazer nos chás e outras mesinhas dos curandeiros raizeiros do Brasil. Os índios, que Cabral encontrou por aqui em 1500, não dispunham de consultórios, mas eram sabedores das virtudes de muitas ervas, raízes e folhas, boas para combater os males do corpo e da alma. Pequi chegou mais cedo que o viagra sem precisar de laboratórios para demoradas e caríssimas pesquisas.
Por isso, louve-se o empenho, engenho e arte da professora Maria das Graças Brandão, do Departamento de Produtos Farmacêuticos da Faculdade de Farmácia da UFMG, ao transformar em livro sua experiência de meia dúzia de anos no âmbito da flora brasileira, como aqui publicou o repórter Felipe Torres, recentemente.
Assim apareceu "Plantas Úteis de Minas Gerais - na Obra dos Naturalistas", valioso trabalho, realizado, com a equipe do Banco de Dados Medicinais e Tóxicas da UFMG. Catalogaram-se 101 amostras de plantas nativas, cujas informações constaram do acervo de 14 naturalistas. Foi muita gente competente que veio da Europa para identificar riquezas, que passaram às vezes a servir a povos de outros países, até antes de nós.
Santo de casa não faz milagre.
Como não sou versado em coisa alguma, muito menos em plantas medicinais, cuidei de apurar o que era o "guaco" da Graça. Aprendi que Guaco, em botânica, é a designação aplicada no Brasil a várias espécies do gênero Mikania Wild, da família das compostas, subfamília das tubulifloras, tribo das eupatoríeas, subtribo das ageratinas, especialmente a Midania amara Wild, trepadeiras a que se atribuem propriedades medicinais. Quais, não sei.
O brasileiro, principalmente os idosos e os mais simples, principalmente do interior, sabem imensidades sobre plantas amenizadoras de dores e salvadoras de vidas. Nelas se crê, firmemente, porque a convicção do poder curativo e salvífico ajuda muito.
Hoje, brasileiro compra o que vem dos laboratórios internacionais que pesquisam incessantemente, têm cientistas em seus quadros, técnicos trabalhando em muitos países, inclusive buscando entre nós os conhecimentos e mediação de nossa rica flora para aproveitar em produtos que aparecerão nos mercados consumidores de todo mundo.
E os laboratórios faturam algo.
Hermes de Paula, médico, pesquisador, dedicou um capítulo de seu portentoso livro às plantas, dizendo modestamente não pretender catalogar toda a flora da região em que nasceu, passou a maior parte da vida e faleceu, honradamente. Mas na sua relação não encontrei "guaco".
A embáuba, moída, é cicatrizante, e a folha diurética. O miroró é utilizado em banhos para eczemas, moléstias da pele e para emagrecimento, receita não usada pelos jovens de hoje que querem ter corpo de modelos internacionais ou de bailarinas de dança clássica.
A jalapa é purgativa e quina-de-barroca estomáquica e afrodisíaco, como se diz também do pequi, rico em vitaminas A e E, além de alimento de primeira grandeza. A seiva do jatobá, chamado "vinho do jatobá", é considerado estomáquico e contra azias.
O chapéu-de-couro, empregado na fabricação do refrigerante Matecouro, é diurético, assim como o picão. A alfavaca é contra gripe e bronquite e balsámico, como o "guaco" talvez. Salsa-parrilha e salsa-caroba são antissifilíticos e copaíba produz um óleo contra blenorragia e outros fins.
Enfim, uma riqueza. O artimízio, por exemplo, com as folhas queimadas com cachaça, se usa para cólicas uterinas e, ainda, como fricção para nevralgia. São meios de que lança mão quem não pode pagar o preço alto de medicamentos.


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Por Web Outros - 16/6/2010 09:54:27
Duas obras, um destino

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Duas histórias, o mesmo destino. No final do século XIX, o Rio de Janeiro se ressentia da inexistência de um entreposto de gêneros alimentícios para atender à demanda da população sempre crescente. Houvera antes a Praça do Mercado, obra de Gradjean de Montigny, ou o Mercado do Peixe, de 1841, como registra Paulo Pacini, mas era passado.
Após demoradas negociações entre a Municipalidade e o Governo federal no que tange à permuta de terrenos, em 1903 se iniciaram os trabalhos de construção de um novo mercado, junto à Praça Dom Manuel, na Misericórdia. Três anos após, em 1907, com a presença do presidente Afonso Pena, inaugurou-se a obra, em dezembro.
Supunha-se empreendimento para sempre: área de 20 mil metros quadrados, estrutura de ferro importada da Europa, no centro havia um pavilhão octogonal com 35 metros de altura, além de um relógio.
Existiram 16 ruas internas, oito radiais e oito transversais, com calçamento em paralelepípedos, e centenas de lojas dotadas de serviços e água, luz, esgoto e gás. Destinado à venda de alimentos, o Mercado Municipal se tornou, em boa parte do século XX, o maior complexo comercial da região. Mas o Rio de Janeiro seguia crescendo. No final dos anos 50, a Prefeitura do então Distrito Federal pensava em demolir o imóvel em virtude de um projeto de urbanização, para possibilitar a construção da Avenida Perimetral, embora o traçado não exigisse a remoção integral do mercado. De qualquer modo, ele foi inteiramente destruído, sem cerimônia, eliminando-se um patrimônio público... e histórico.
Em Montes Claros, cidade norte-mineira, em 1897, o presidente da Câmara, Honorato Alves, recebeu um documento dos comerciantes da Praça Dr. Carlos, pedindo a construção de um entreposto moderno, para satisfazer as necessidades da população e dos pequenos produtores rurais.
A cidade, dividida pelos partidos "de Baixo" e "de Cima", enfrentou os prós e contras. Para evitar longas discussões, a construção do imóvel foi rápida. Mas, certa noite, acordou-se com um forte estrondo, como conta Ruth Tupinambá Graça. O prédio, com cumeeira inaugurada, simplesmente veio abaixo. Sem vítimas.
Prós e contras, todavia, queriam um novo mercado. O Cel. Antônio dos Anjos, liderou um movimento de subscrição Cassimiro Mendonça entrou com 200 mil réis, causando escândalo pela quantidade de dinheiro. O Cel. Antônio dos Anjos, o paladino, pai do escritor Cyro dos Anjos, conseguiu dois mil, 360 mil contos.
Assim, em 2 de setembro de 1899, a construção foi solenemente inaugurada, mais uma vez. Era um enorme casarão branco, tipo chalé, com quase 30 metros de frente e 32 de fundo, com sete cômodos de cada lado, para instalação das vendas dos comerciantes. Ao centro, enorme área vazia onde os tropeiros e bruaqueiros espalhavam suas mercadorias.
Ruth Tupinambá lembra que, por muitos anos, ali foi o ponto vital da cidade, local de bate-papos, assuntos políticos, religiosos e sociais, negócios, decisões familiares, tudo a discutido ou objeto das naturais maledicências.
A grande festa era, porém, no sábado, quando se concentravam os produtores rurais e os consumidores. Comprava-se e se vendia, ruidosamente. Tudo o que o sertão produzia ali se negociava, chegadas as tropas com as mercadorias no final de sexta-feira.
Os bons mercados propiciam um cenário rico para os olhos. O melhor dos produtos da natureza é ali expostos. Há pessoas que, visitando uma cidade, perguntam primeiramente onde ficam o mercado e o templo.
No de minha terra, uma imensidão de coisas a dar água na boca, afora o contato direto com a gente simples do interior, que não pensa senão viver em relativo conforto, mesmo quando as invencionices dos dias modernos queira enfeitiçá-los. Para isso, atuam as televisões ininterruptamente.
As donzelas roceiras não perdiam oportunidade da vinda ao centro maior de consumo e embonecavam para mostrar boniteza, mesmo vestidas com as roupas modestas feitas domesticamente. No fundo do mercado, a viola tocava triste à medida que a noite avançava.
Como o da capital brasileira, o mercado da capital norte-mineira foi demolido em nome do progresso. Um patrimônio da coletividade, de longa história, veio ao chão. O relógio, que marcava as horas do dia, tomou outro destino, e jaz silencioso.


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Por Web Outros - 10/6/2010 10:25:22
A valia da propaganda

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

No dia 3 de maio, publiquei comentário sobre "O desafio da água". Pessoas se manifestaram a respeito, o que mais uma vez me adverte sobre a responsabilidade de quem escreve. Porque, em verdade, ao divulgar algum escrito, nos estamos submetendo a julgamento público.
Eis que, no mesmo dia, uma atenciosa leitora me enviava e-mail, dizendo: "Você tem toda razão em tudo que disse, somente enganou o nome do medicamento tiro-e-queda", para questões de mênstruos, em excesso ou em escassez. Lembrei que se tratava da "Saúde da Mulher", muito popular em determinada época.
Dalma Esquivini me faz o necessário reparo. Não era a "Saúde da Mulher", anunciado pelas rádios, mas o "Regulador Xavier", que vinha no jingle acompanhado de musiquinha: número 1, dois, excesso e escassez".
Bons tempos aquele, e não se repetem. Então, a publicidade era sobremodo restrita. Fazia-se através dos jornais e pelas rádios, porque não existia televisão. O que se chama "outdoor" era pouco ou nada utilizado. No interior, a propaganda era através das folhinhas, que os homens do campo disputavam, a fim de as afixarem nas paredes de suas modestas casas, construídas com adobe ou de pau-a-pique.
Disputadíssimos eram também os almanaques, patrocinados pelos grandes laboratórios. Continham orientações gerais de conduta sobre higiene, registros sobre mudanças de tempo, porque a gente da roça lá pelos anos 40 do século passado não tinham acesso a rádio, que alcançava apenas os cidadãos das cidades. Com os enormes aparelhos instalados na sala, abria-se uma nova era no campo da comunicação, de que souberam aproveitar-se também os governos e os políticos.
Nas capitais, foi o tempo fantástico dos bondes, de que falaram os grandes autores, em prosa e verso. Mas também a publicidade se valeu do grato ensejo desde os tempos dos bondes puxados a burros.
O jornalista Jader de Oliveira, mineiro, representante da Globo em Londres, lembra aquela época, no seu recentemente lançado livro "No tempo mais que perfeito", um relicário de preciosidades de dias que foram seus, meus, e de milhões de brasileiros, mortos ou sobreviventes.
Ele fala de Belo Horizonte. "Nos anos 50, as linhas eram percorridas por 40 bondes: cinco fechados, que vieram à época da guerra; os outros, de tamanhos diferentes - o maior se apoiava em dois truques. Os bondes fechados, confortáveis no inverno, abafados no verão, tinham assentos de palhinha.
Nos bondes abertos, os assentos, para cinco passageiros, eram de ripas de madeira de lei, bem polida pelo seu uso. Senhoras ou senhoritas que subissem encontrariam sempre um cavalheiro para lhes dar o lugar. Muita gente viajava de pé, sem se incomodar com o desconforto. Nas laterais côncavas, emendadas ao teto de cada bonde, ficavam os anúncios em pequenos cartazes:
Rum Creosotado; Antisardina (o segredo da beleza feminina); Pílulas de Vida do Dr. Ross (para a prisão de ventre, que é coisa atroz); Pomada Minâncora (para espinhas); Leite de Rosas; Aurisedina (para acabar com a dor de ouvido); Conhaque de Alcatrão de São João da Barra; Gelol (leniente para dores musculares, cuja propaganda se amparava na pergunta: "Olhou a boa e não viu o poste?").
Depreende-se que era um meio muito utilizado pelos laboratórios mais que por outros produtos e mercadorias. Havia mais: Polvilho Antisséptico Granado; Guaraina (mata a dor e não ataca o coração); Melhoral (é melhor e não faz mal); Cera do Dr. Lustosa (para dor de dente); e aí se lembra o celebrado Regulador Xavier, "o remédio de confiança da mulher - número um, excesso; número dois, escassez; Hepacholan (a saúde do fígado). Uma propaganda que cobria todo o espaço comercial dos bondes, também exposta nas áreas externas, como lembra Jader.
O rádio promoveu uma revolução, à medida que se foi estendendo aos rincões mais distantes dos país e, mais ainda, depois da II Grande Guerra, quando apareceram as pilhas elétricas, e ainda, os transístores. O "radinho" conquistava os mais remotos lugares, como sugeriu D. Dalma (nome lindo!).
Que remédios resistiram ao passar do tempo? Grindélia de Oliveira Júnior, Xarope São João, Elixir de Inhame Goulart, Colírio Moura Brasil, Leite de Magnésia de Philips, Magnésia de Orlando Rangel, Emulsão de Scott e Biotônico Fontoura. Seus nomes apareciam, de alguns deles, também em porteiras à margem das estradas de terra. Dá saudade!


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Por Web Outros - 8/6/2010 07:24:59
De mulas e letras

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Acaba de ser lançado o novo número da "Revista da Academia Mineira de Letras", correspondente a outubro, novembro e dezembro de 2009, o ano centenário da instituição. Rico material a se ler e apreciar, como aliás é do feitio e prática da excelente publicação. Parei no "Perfil Acadêmico", em que é focalizado Danilo Gomes.
Danilo ocupa a cadeira nº 1 da Academia, em que sucedeu a Cyro dos Anjos, meu conterrâneo que alcançou a glória da Brasileira de Letras, por méritos indiscutíveis. Assim, de algum modo, Montes Claros entra no contexto, porque Cyro era da cidade norte-mineira, onde também nasci.
Mas há outros pontos de aproximação. Estudamos ambos no ginásio Dom Bosco, em Cachoeira do Campo, embora em épocas diferentes e, consequentemente, com outros professores. Amamos a gente simples do interior e outros sentimentos como os revelados no "Perfil":
"Ficou-me um gosto pela roça, pelo meio rural, pela música sertaneja dos velhos tempos. Tenho uma alma rural, fazendeira, rancheira, telúrica. Gosto até hoje de carros de boi, de comida da roça, de cheiro de curral, do cheiro do cigarrinho de palha, que - eu, menino, - fumava escondido; de ouvir galo cantando. Tenho uma alma barroca e, ao mesmo tempo, virgiliana, rústica, bucólica. Sou conservador, desconfiado, religioso, com forte queda pelo canto gregoriano e pelos mosteiros beneditinos".
Estudamos latim, de que esqueci quase tudo aprendido. Também pudera! São tantos anos. Mas ambos temos gosto pelo silêncio, pela solidão, som de água de bica e riacho. Mozart, Bach, Vivaldi, te-deuns e requiens...
Estivemos em Belo Horizonte, eu fiquei. Passamos pelo Rio de Janeiro, eu dando duro em dois jornais, cujo pagamento tinha um ponto em comum: atrasava todos os meses. Um simplesmente não quitou seu débito, nem o fará: fechou as portas.
Da biblioteca de um tio, advogado Aldo Hildo Motta, extraiu um livro que o impressionou sobremaneira: "Recordações da Casa dos Mortos", que também - desde minha adolescência - me atraiu, abrindo-me a porta do fascínio por Dostoievski, sobre quem muito escrevi na imprensa belo-horizontina.
Depois, vieram "O sósia", "Os Irmãos Karamazov", "Humilhados e Ofendidos", "O Idiota", e o inesquecível "Crime e Castigo", transposto ao cinema, mas também ao rádio, quando não havia televisão. O romance terá impressionado, também muitíssimo, Francisco, que apresentou uma versão digna pela Rádio Guarani, para deixar saudade. F. Andrade tinha uma bela voz, nascera em Ouro Perto, foi secretário da Câmara Municipal de Belo Horizonte, era irmão do maestro Delê e do Bené, um dos donos do primeiro grande serviço de ampliação sonora da capital - a Italo & Andrade.
São tempos idos e vividos, mas não esquecidos, pelo que se vê. Se o autor marianense se recorda da tropa de burros de seu avô paterno, Carlos de Assis Gomes, que utilizava para comércio, não me falha a memória a chegada das tropas de mulas carregando os produtos da roça para venda no mercado de Montes Claros, nas concorridas feiras dos sábados. Era uma vida saudável e amável.
Ambos tivemos algum material publicado pelo "Suplemento Literário", do Minas Gerais, uma criação consagradora de Murilo Rubião, o ficcionista competente, amigo e bom de papo, que se preocupava com a situação dos homens de letras em apuros financeiros. Com seu sucessor Wilson Castelo Branco tomei cervejas na hora do almoço, em tempo que ela era ainda permitida após a jornada da manhã. Wilson tinha muito com a minha maneira de ser, foi um dos autores do relatório da gestão Israel Pinheiro no Palácio da Liberdade, missão que finalmente ele transferiu para mim. Fazer o que?
Com o período concretista do "Suplemento", Danilo e eu não tivemos muitas oportunidades de colaborar. Estou com Danilo que julgava complicado ler "aquelas experiências de laboratório poético", digamos assim. De qualquer modo meu pensamento era convidar o público à leitura do novo número da "Revista da AML." O espaço acabou, mas o convite persiste.


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Por Web Outros - 15/5/2010 07:20:10
O desafio do século

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Em recente artigo para o montesclaros.com, o jornalista Waldir Senna Batista, o mais antigo e categorizado analista político do norte de Minas, na opinião de Paulo Narciso (que faço minha), traz do passado um relato que interessa.
Conta o articulista que, pelos anos 1970, achava-se acesa uma campanha para ligar por assalto a BR-251 à Rio-Bahia. Argumento, que era válido: se economizariam 200 quilômetros no percurso, o significando expressiva redução no consumo de combustíveis.
Ao chegar a Montes Claros para assumir o comando do 10º Batalhão da PM, o coronel Fleury, aderiu ao movimento, mas advertiu: "Corremos o risco de nos arrepender do que estamos fazendo agora". Experimentado no ofício, conhecedor dos problemas da violência, muito distante do que se transformou o país, no últimos anos submetido ao império das drogas, adivinhava o oficial o que sobreviria.
De fato, o desenvolvimento regional se intensificou, mas - de modo simultâneo - a rota terrível das drogas se ampliou tremendamente.
Montes Claros, a maior e mais importante cidade da região, viu-se invadida por gangues que querem consolidar de vez sua atuação. Repetem-se execuções sumárias, que alcançam a população trabalhadora, os cidadãos pacatos, as crianças indefesas, os adolescentes mal informados.
Os moradores que podem protegem-se da malta, como sói acontecer nas cidades de grande porte e nas capitais.
Constroem cercas, grades, sistemas de alarme, tudo eletrificado, mas incapazes de obstruir a fúria das quadrilhas, que nada têm a perder.
Providências mais recentes se adotaram, principalmente a partir da integração das polícias Civil e Militar, do programa do Proerda, construção de presídios regionais, implantação de projetos sociais, novo sistema de policiamento, inclusive com disponibilização de equipamentos mais eficientes, helicóptero etc.
Mesmo assim, continuou a matança, atingindo sobretudo os jovens incautos e já submetidos ao vício dificilmente reversível.
A guerra pelos pontos de venda de droga se instalou na região e na sua cidade mais importante como nas megalópoles. Fizeram as autoridades muito no decorrer dos últimos anos, mas energia de agora parece já tardia, ou pelo menos atrasada.
Mais uma vez também, os benefícios do progresso servem ao maléfico.
Os eficientes instrumentos de comunicação são utilizados de dentro dos presídios para arquitetura de planos de disseminação de produtos e ampliar, ainda mais, o comércio ilícito.
Alguns chefões, poderosos, se encontram trancafiados, de onde saem apenas para depoimento à polícia ou ao Judiciário. Mas a presença física se substitui pelos operadores, pelos produtores, pelos distribuidores, que construíram uma perigosíssima rede, que tem ramificações por todo o país e com as nações vizinhas.
É difícil adivinhar se este conflito entre o bem e o mal, a sociedade constituída de um lado e os criminosos, de outro, terá fim e quando.
O essencial é que não se dobre às gangues e que, pelos meios possíveis, se contenha evolução incessante e avassaladora do império.
Na 11ª Região da Polícia Militar de Minas Gerais, corporação de prestígio nacional e de glorioso feitos na história, há um outro comandante: o coronel Franklin de Paula Silveira, 47 anos, com 27 de carreira. Sucessor de Fleury, cabe-lhe a difícil missão de dar sequência à luta.
Ele sabe que não se trata de embate apenas nas ruas, nos antros, contra os inimigos da lei e da sociedade.
Em verdade, é preciso os cidadãos, as famílias, se engajem, porque é no seu âmbito, no lar, que a ação preventiva tem de partir.
A criança, o adolescente, o jovem precisa ser orientado sobre causas e efeitos do grande desafio que vive a comunidade, afinal é de todo o mundo, neste princípio de milênio.
Uma guerra que exigirá décadas e roubará inúmeras vidas, sobretudo das gerações moças de agora.


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Por Web Outros - 9/5/2010 11:49:34
Duas meninas

Sebastião Martins - Hoje em Dia

Uma vive ao Norte e a outra ao Sul de Minas Gerais. São quase irmãs, embora nem se conheçam. Essas duas meninas, Elenise Evaristo e Márcia Yellow, talvez nunca venham a se encontrar, mas são unidas por uma paixão que se revela em cada linha que escrevem: amam com fé e orgulho a terra onde nasceram e também assinariam, sem hesitar, a "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias.
Não imaginem que elas se alimentem de provincianismo, visão estreita ou xenofobia. Nada disso. Seriam facilmente cidadãs do mundo, pois tudo que é humano lhes diz respeito. Mas voltariam sempre para Montes Claros e Três Corações, trazendo o planeta na palma das mãos, para compartilhar com os seus conterrâneos, da mesma forma que dividem o amor pela terra natal com aqueles que não a conhecem.
Márcia adotou Yellow como "nom de plume" por brincadeirinha com a sua preferência explícita pelo amarelo. E Elenise estuda a origem e o significado psicológico dos contos de fadas, em sua maioria provenientes da Europa, porque sabe que eles são universais. E, portanto, mineiros.
Uma delas, a Márcia, criou poemas corajosos, nos quais revela o mais profundo desprezo pelo convencional. Tão corajosos e desafiantes que ainda estão inéditos, à espera de um editor inteligente. E Elenise publicou há tempos um livro intitulado "Riquezas do Interior". A obra trata do interior de Minas, que é a sua pátria íntima (em perfeita convivência com a pátria Brasil).
Afinal, aqui pra nós, quem tem Ouro Preto, Diamantina e São João Del Rei, para falar só de algumas das nossas gemas de maior valor, que outra pátria íntima poderia escolher?
Essa mineiridade militante, mas sem preconceitos bairristas, sempre foi uma das melhores características da nossa gente. Enquanto os paulistas, por exemplo, acreditam que o Brasil começa e acaba em São Paulo, e os gaúchos vivem a ilusão de que ninguém mais sabe montar um cavalo, os mineiros podem conviver - sem qualquer incômodo - com a riqueza, a glória e as lendas alheias.
Essa pátria mineira, que tem raízes no fundo do quintal e, ao mesmo tempo, produz uma cultura universal e recebe todos os povos como se fossem compatriotas, é algo que ninguém explica.
Márcia Yellow e Elenise Evaristo habitam esse território quase intraduzível da mineiridade, cuja própria existência foi negada por mineiros ilustres, como o professor Francisco Iglesias, e afirmada apaixonadamente por outros (entre eles, um mestre fluminense de inegável lucidez: Alceu de Amoroso Lima).
Discípulas de poetas e pensadores, Helenise e Márcia não carecem de argumentos eruditos ou românticos para justificar a paixão por Minas, Montes Claros e Três Corações. Amor a gente não explica e nem defende, elas parecem dizer aos seus leitores. Amor se vive e até se morre dele. Quem viveu, sabe. E quem não viveu ignora o que a vida tem de melhor.
Esse é o grande enigma mineiro, que muitos julgam ser apenas fábula, coisa do passado ou invenção esperta, mas que as duas meninas tratam como coisa viva, real, contemporânea. Herdeiras do encanto de Minas, elas mergulham no hoje e cuidam do amanhã.
É bom saber que há meninas assim, em nosso tempo. Tomara que milhares delas floresçam em todos os cantos de Minas, como os girassóis de Van Gogh, tão imortais quanto os profetas de Aleijadinho.
Assim, não esqueceremos o nosso passado. E o futuro da nossa patriazinha estará em boas mãos.


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Por Web Outros - 28/4/2010 07:32:27
Rio Pardo, Grão Mogol

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Sempre me interessei por conhecer Grão Mogol, cujo nome já desperta um certo fascínio por atrações do Oriente. O próprio nome da cidade norte-mineira tem sido, no decorrer do tempo, objeto de averiguações e dúvidas.
Minha madrinha, Dagmar de Alcântara, que assimilou o sobrenome Pimenta ao casar-se com o médico Antônio Pimenta, deputado estadual pelo ínclito PSD e, depois, diretor do DAG, o poderoso Departamento de Administração Geral do Estado, transformado em Secretaria no Governo Magalhães Pinto, suspeitava, liames com a alta nobreza europeia: Dagmar, e, ainda mais, com o Alcântara seguinte.
O pesquisador e historiador Joaquim Ribeiro Costa, autor de utilíssima "Toponímia de Minas Gerais", suou a camisa para explicar origens e evolução do nome da cidade. Depois, Haroldo Lívio, advogado e escritor de mérito, em seu "Nelson Viana, o Personagem", estendeu-se sobre o tema, ultrapassando o limite que o título de seu livro admitiria.
Se a esposa Maria do Carmo sabe construir deliciosa ambrosia (uma das melhores, senão a melhor, que jamais experimentai), Haroldo Lívio consegue tecer comentários preciosos em seus textos. Já falei disso, mas não custa repetir um trecho:
"Incrustada, no regaço da Cordilheira do Espinhaço, Grão Mogol (como ficou com a nova ortografia? Com ou sem hífen?) é pedra, é cristal, é ouro, é diamante".
A cidade é mineral e não sem razão descobriram, somente agora, que é mais do que os valiosos bens que os ancestrais cavavam no solo.
E que, por ali, se instalará o novo polo mínero-metalúrgico deste Estado, do Brasil, enfim. "A igreja paroquial, de pedra construída, os muros de pedra, as ladeiras cansadas, é tudo feito de pedra sobre pedra.
As serras penhascosas são cristais pontiagudos, rolam ouro e diamante nas águas escuras dos ribeirões. Chega-se em Grão-Mogol por caminhos empedrados, de águas cantantes e ar puro de montanha". Só a descrição serviria para cativar o brasileiro, ávido de aproveitar as riquezas fantásticas com que a natureza nos dotou, longe de sismos, de furacões e outros avisos que Deus põe diante dos olhos, dos ouvidos e da consciência dos pecadores e ignorantes.
"Protegida por agressivas muralhas rochosas da Serra Geral e fundada sobre bacia mineral, a cidade alterosa é uma fortaleza de pedra. Suas ruas estreitas e tortuosas foram pavimentadas de seixos rolados coloridos, imitando um bordado.
Os muros que dividem as propriedades foram levantados pelo trabalho paciente dos escravos, colocando pedra sobre pedra, cuidadosamente.
E em cada pedra deve ter ficado uma gota de sangue assinalando o martírio dos cativos que mourejaram na construção dos tapumes".
Esses pormenores me preocupam, porque não se haverá de permitir que a exploração do novo polo mineral venha a destruir a história pétrea de uma região, abençoada por Deus e que espero conhecer antes que algum mal lhe façam.
Será construído um ramal ferroviário, a partir da região de Rio Pardo de Minas e Grão Mogol, para ligar o litoral baiano pela ferrovia que sairia do Tocantins, passando no Sul da Bahia até Ilhéus.
O assunto ainda está em estudos. Mas se terá de pensar que, se a exploração do minério só rende uma vez, já que não há duas safras, também se crerá que a beleza histórica seja atingida pelo projeto, de tão alto valor econômico para uma região, que sempre ficou relegada desse que os velhos garimpeiros partiram para não mais voltar. Aproveitar o potencial magnífico, sim; prejudicar o que há em Rio Pardo de Minas e Grão Mogol, jamis.
Com Haroldo Lívio, reitero: "Primeira cidadela da civilização mineira, na zona geopolítica hoje polarizada em Montes Claros no apogeu da mineração diamantífera, Grão Mogol conseguiu registrar doze mil almas, população bastante expressiva para a aquela época de fastígio, que abrangeu o Império e os primeiros anos da República. Agora, o fastígio retorna. Cuidado!


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Por Web Outros - 26/3/2010 08:05:27
A grande conquista

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Quando o autor me veio trazer "O poder feminino - Esperança de Paz", lançado pela Editora Millenium, pensei comigo mesmo. O comentário ficará para o Dia Internacional da Mulher, em março, por sinal mês também de nascimento do escritor, no pico da Serra da Mata Virgem, em Pernambuco.
Transferindo-se para o Rio de Janeiro aos 20 anos, lá se formou Antônio Ferreira Cabral em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito. Advogado, colaborador de jornais, escritor, instalou-se no Norte de Minas, sendo sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.
Como o mais recente livro do acadêmico permite focalizar muitos aspectos da atividade feminina em nosso tempo, achei que deixaria a análise de seu trabalho para outra oportunidade, cingindo-se às comemorações da data mencionada.
Nela, reuniu-se a Academia Feminina de Letras de Montes Claros para, dentre outros registros, inaugurar a placa em homenagem a Ruth Tupinambá Graça, em plena tranquilidade de seus mais de 90 anos vividos, de que desfruta com lucidez absoluta até em reminiscências que remontam à infância e adolescência.
Podia ser melhor?
Serve-me o ensejo para evocar o discurso de Ivana Ferrante Rebello, excelente sob todos os ângulos, na solenidade de fundação da entidade, "uma forma concreta de habitar o vazio. Essa casa para reunir mulheres escritoras, cujas vozes já não são mais silenciadas, essa casa que nasceu do sonho de Ivonne Silveira". "Quanto a nós, essas 40 escritoras, apresentamo-nos hoje como mulheres. Mulheres a quem coube o dom da luta diária e a dádiva da feminilidade". Queriam suas cadeiras numa Academia e as conquistaram.
O pequeno discurso de Ivana é enorme. Lembra tempos que se perdem na noite dos tempos - que me perdoem o lugar comum - para chegar aos dias presentes, uma trajetória de lutas e sacrifícios para muitas que se julgavam no dever de abrir caminhos e vencer barreiras.
"Menina não entra. Este era um dos postulados ardorosamente defendidos pela sociedade patriarcal. O mundo da literatura era fechado e proibido. À mulher, esse ser de dons múltiplos e de fala fácil, coube o peso do silêncio e da pena ausente. A história da literatura tornou-se uma história masculina".
As penas femininas não dispunham de tinta para deixar grafados problemas, alegrias, sentimentos e pensamentos. "Menina não entra. As páginas do tempo, reviradas pela curiosidade, revelam que a atividade literária das mulheres foi banida ou mutilada. Escrever pertencia à esfera do interdito. Fanny Burney queimou todos os originais e pô-se a fazer trabalho de ponto como penitência por escrever!".
A acadêmica evoca Charlote Bronte, que deixara de lado, várias vezes, o manuscrito de Jane Eyre, hoje tão esquecido, mas consagrado até pelo cinema. Jane Austen tratava de esconder as folhas com seus escritos, sempre que percebia que alguém se aproximava, envergonhada de imiscuir-se num ofício finamente masculino.
E houve tantas, e tantas, ao longo da história.
Katherine Anne Porter levou 20 anos para elaborar uma novela, interrompida constantemente.
Maria Moliner dividia sua atenção entre o dicionário que redigia e os remendos de meias em ovo de madeira.
Ivana Ferrante Rebello recorda mais.
Katherine Mansfield, protestava do marido, que a incomodava com gritos, enquanto ela redigia seus textos e ele reclamando pelo chá atrasado; Gregorio Martinez Sierra apenas emprestava seu nome para que a esposa, Maria Lejarraga, escrevesse sua obra; Zelda Fitzgerald teve proibida pelo marido a publicação do livro que escrevia, de que ele queria apossar-se, em seguida.
Era preciso que o tempo sofresse profundas transformações para que as mulheres fossem conquistando seu espaço, sobretudo nas atividades literárias, mas também no campo do Direito, das Ciências, das Artes de um modo geral, na administração pública. Foi uma lenta e ininterrupta guerra de conquista, contra a qual se posicionaram os homens durante séculos. Elas venceram e competem.


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Por Web Outros - 24/3/2010 07:59:50
Um pedaço de Minas

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

A despeito do movimento do comércio do crescimento das vendas, incrementadas pelo Governo, porque é conveniente consumir, não se pensará que estamos no melhor dos mundos, não se julgará o índice de satisfação dos brasileiros, unicamente pelo movimento nas lojas e pelo inusitada aquisição de automóveis.
Consumir é tão bom! É como falar mal do Governo, como ironizava o governador Milton Campos, e relatado pelo escritor José Bento Teixeira de Salles, em livro memorável. No primeiro caso, pagar mesmo é que se faz difícil.
Ainda somos um povo pobre, até porque não sabe estabelecer prioridades na hora da compra. Depois, reclama. Mas a pobreza ainda existe, como a miséria explícita nas ruas asfaltadas das grandes cidades ou nas sem calçamento do interior.
Diagnóstico dos pesquisadores Cléber Carvalho de Castro e Joel Yutaka Sugare, da Universidade Federal de Lavras, aponta a existência no Norte de Minas e nos vales do Jequitinhonha e Mucuri de uma cultura da pobreza, "de se mostrar como pobre e carente, para receber mais ajuda do Governo, o que espantaria investidores e esconderia potencialidades e riquezas locais".
Vê-se pobreza e miséria nessas regiões, o que não significa que sejam pobres e miseráveis. Os horizontes, são imensos e servirão a muitas gerações. Ideia semelhante faz Patrus Ananias de Souza, ex-prefeito de Belo Horizonte, deputado Federal, ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
"Conheço bem o Norte de Minas, onde nasci e fui criado. Região empobrecida, bastante sofrida. Mas, definitivamente, não é uma região pobre, pois é dotada de um extraordinário potencial de desenvolvimento, considerando uma concepção mais alargada, que inclua, além da dimensão econômica, a social, a ambiental e a cultural. A região vem sendo objeto de um legítimo e necessário esforço de preservação ambiental, mas que tem recebido críticas de pessoas e setores porque não estariam conseguindo desenvolver suas atividades produtivas".
Falta ainda muito para chegar ao ápice de aproveitamento de sua riqueza. Situa-se nos antigos currais, que tanta importância exerceram durante a colonização e a conquista da terra. A agropecuária é sua principal característica. Daí Patrus, nascido em Bocaiúva, afirmar com conhecimento de causa:
"É forte o potencial de gado de corte, com frigoríficos importantes implantados. Mais recentemente, está-se desenvolvendo também a pecuária leiteira. Ao mesmo tempo, o Norte de Minas tem explorado outras potencialidades agrícolas, como fruticultura, avicultura, suinocultura e piscicultura, podendo se desdobrar em outras oportunidades. Algumas regiões do Norte de Minas têm ótimas condições para desenvolver o café e a soja. Junto com as tradicionais plantações da região, como milho, mandioca e feijão, enriquecem as possibilidades de exploração da indústria alimentícia".
Podem o Norte, o Mucuri e o Jequitinhonha oferecer ainda muito mais, em qualidade, diversidade e quantidade e contribuir para satisfazer as demandas dos grandes centros do país e, mesmo, para exportação.
Havia o tabu das condições difíceis do solo e clima. Não é tanto. Se dá leite, pode também produzir café, o feijão e a soja, até há pouco quase desconhecida. Hoje, faz parte de muitos pratos como oleaginosa.
Não se acreditava em uva por ali. Desde pouco tempo, já se adquirem preciosas frutas, cultivadas nas margens dos rio das Velhas e São Francisco, onde as duas correntes se encontram, produto utilizado também para exportação.
Vê-se que agronegócio é pujante e antigo. A participação da agricultura familiar é significativa, "e uma presença igualmente forte dos fazendeiros médios, que formam o que podemos chamar de uma classe média do campo", como a classificou o ministro.
Com ele, dividimos a opinião de que a vocação de desenvolvimento daquelas regiões pode contribuir para erradicar a fome no Brasil e, por isso, "tem de preservar suas riquezas para continuar cumprindo seu potencial".


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Por Web Outros - 22/2/2010 10:18:48
Cem anos do poeta

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Cândido Canela, se vivo fosse, completaria cem anos em 22 de agosto de 2010. Evidentemente, sua cidade natal, que é também a minha, deve programar algo para homenageá-lo, porque ele o merece.
Repito, como ele iniciou um de seus contos: Abre-se aqui uma janelinha poeirenta do passado, para trazer de nosso burgo da lembrança uma figura das mais extraordinárias deste nosso tempo, que ainda não acabou.
Meu avô o chamava de Nozinho e havia liames de família. E Nozinho sabia dos fatos todos, mesmo os supostamente sigilosos, da vida da cidade e de seus habitantes. Levou vida modesta, como de seu feitio e formação, porque não chegado às alegrias fugazes e ao luxo. Era um comedido, fez os cursos primário e secundário na terra natal.
Participou das atividades locais, ou regionais, com denodo na hora em que ele se tornava necessário, ingressou na vida pública e foi vereador, porque jamais quis ultrapassar esse limite. Corajoso, foi considerado comunista, quando a classificação se destinava aos que não temiam os poderosos.
Foi chefe de escoteiros, porque era então um modo de praticar civismo e solidariedade, qualidades que não lhe faltaram ao longo da existência. Serventuário da Justiça, tinha contato com ricos e pobres, com os segmentos mais humildes da população, a que orientava e servia. Se o cidadão não dispusesse de um dinheirinho para pagar o reconhecimento da firma, não cobrava.
Lhano no trato, cavalheiro, era de incrível verve e de fabulosa memória. Sabia de tudo e de todos, sem recorrer a livros e anotações. Quando se instalou uma emissora de rádio na cidade, convenceu-se de que o novo instrumento de comunicação ajudaria os cidadãos na integração. Com malícia e ironia, contava casos na figura de Chico Pitomba, aliado a Mané Juca, ambos já falecidos. Também são cem anos... e não é o sertão muito rico em macróbios.
Colaborava para os jornais locais, principalmente com a "Gazeta do Norte", em que também comecei a trajetória que caminha ao final. Escreveu vários livros, o primeiro dos quais "Alma cabocla", utilizando os temas da terra sertaneja e seu linguajar, que tão bem soube usar. Outros vieram, sempre aureolados pelo sucesso, porque o público se identificava com sua poesia, apreciava sua espontaneidade.
Depois, coube-me, em época remota, editar "Lírica e Humor do Sertão", que tampouco se encontrará, pois consumido pelos leitores adquirentes e, a esta altura, carcomido por tantas décadas. Poucos, talvez nenhum, soube transmitir os sentimentos, de contentamento e dor, de angústia, de ansiedade e as aspirações de sua gente (minha) como esse filho de Antônio e Luíza Canela, um nome de prestígio e querência.
Uma prole, que podia ser comum à época. Os pois tiveram 18 filhos, reduzidos os de Cândido a cinco, do casamento com Laurinda, cujo lar era visita obrigatória durante minhas visitas à cidade. Assentado na rede de uma varanda interna, cercado por árvores, flores que impregnavam de carinho o ambiente doméstico, o proprietário era dono de sua felicidade e sabia bem empregá-la.
O historiador Hermes de Paula, cujo centenário recentemente também se festejou com toda justiça, registra que o tronco da família Canela foi o pater Antônio. O apelido recebeu por herança de seu pai, que o ganhou por ter pernas muito finas. Com o correr dos anos, o apelido se transformou em nome de família.
O patriarca nascera na fazenda da Raiz, no velho distrito de Contendas, hoje Brasília - de Minas, filho de humildes lavradores naturais da velha propriedade rural. Um berço de trabalho honesto. Aos três meses, morreu-lhe a mãe. Ainda criança, tornou-se menino da "casa grande" do coronel Sanção, cursou três meses de escola da roça, sendo essas suas únicas luzes nas letras. A prática da vida e o bom exemplo o fizeram chefe de um clã respeitado, em que incluiu Cândido, agora centenário.


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Por Web Outros - 19/2/2010 11:59:16
Perdendo as raízes

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

O sepultamento foi em 9 de fevereiro, no Parque dos Pinheiros. Na maior cidade do país, José Ramiro Sobrinho silenciou de vez a voz para juntar-se à do irmão, Xavantinho, que formavam uma autêntica dupla de música caipira do Brasil.
Pena Branca tinha 70 anos e sofreu um infarto em casa e, levado ao hospital, não resistiu. O duo iniciou carreira em 1961, para sofrer a primeira baixa quando o mano, em 1999 morreu. O remanescente seguiu a caminhada, conquistando o prêmio "Grammy Latino", por "Semente caipira", em 2001, pela gravação da música idealizada por Xavantinho.
Pena Branca fez-se conhecido pelas letras simples que cantava, interpretadas unicamente pelo violão, amigo de coração desde a tenra idade. Era um homem simples, que não se fez acompanhar, como hoje de grandes orquestras, que despertam o entusiasmo e levam ao delírio multidões. Tinha efetivamente semente caipira e soube zelar por ela, após germinar e florir a criatividade.
O cantor fazia o gênero modesto e simples dos fundos de mercados de outros tempos. Não silenciou sua música nem a morte do irmão, após viverem a época áurea da verdadeira música caipira, que passou a "sertaneja", mas perdeu sua originalidade. A velha linha de criação passou a ser chamada de "música de raiz", pouco ou nada tendo a ver com o que hoje é sucesso.
As antigas duplas, que foram expoentes no rádio, não são mais do que reminiscência ou saudade. Alvarenga e Ranchinho, Jararaca e Ratinho, Xerém e Bentinho, Tonico e Tinoco e, como lembrou recentemente o professor de Direito Antônio Álvares da Silva, Chico Mulato e Florêncio, Serrinha com Caboclinho e Zé do Rancho, e outros que tiveram sucesso regional.
Não sem razão, Álvares comentou: "Depois, a partir dos anos 70, a música sertaneja clássica começou a perder fôlego. Os tempos mudaram e a arte, que acompanha o homem em seu perfil histórico também se transformou.
O trator passou por cima de tudo derrubando árvores, florestas e também tradições que ainda restavam. Shows ruidosos, palcos iluminados, sofisticação técnica e barulhenta tomaram conta da música popular e não deixaram mais espaço para a sertaneja verdadeira. Tudo caiu no esquecimento e no passado".
Os tempos são outros. Não satisfaz mais as novas gerações o tom coloquial, às vezes quase sussurradas as letras de velhas cantorias. Desgarraram-se da terra as raízes. Hoje canta-se para as multidões, custando muito dinheiro e propaganda, os alto-falantes em elevado volume, a explosão de gente ruidosa, excessos que terminam às vezes nas delegacias de polícia.
A velha música sertaneja, ou caipira, ou de raiz cedeu espaço de vez às novas modas e costumes. Como os chorões, com suas flautas, bandolins, violões, clarinetas e cavaquinhos, tocando valsas inesquecíveis, seresteiros inveterados cantando modinhas sentimentais, que provocavam suspiros fundos e dolorosos nas donzelas românticas, que madrugavam para o amor.
Enquanto nas horas indormidas da noite, os seresteiros entoavam as letras, molhando-as com a voz do pranto, nos mistérios da noite cheia de encantamento e de luar, os trabalhadores do campo que iam vender seus produtos no mercado, esperavam o dia clarear e a chegada da clientela, com amáveis versos de amor, inspiração perene de todas as pessoas e lugares.
Com o decorrer dos anos, tudo se transformou em passado. O silêncio caiu pesado, deixando nos corações uma saudade doída, desabando como chumbo em nossa memória, enquanto as músicas sucessoras aguçam irrefreavelmente a mocidade, que vê nos novos cantores, ritmos e orquestras sinais de progresso.
Antônio Álvares observa que os ritmos, a viola, a temática rural simplesmente acabaram. São apenas cantores agora a dois de música popular. De sertanejos e antigos, nada têm.
"Que a viola volte rápido e seja tocada por nossa mocidade, nas escolas, teatros e eventos populares. E que traga, nos seus acordes ternos, a marcada de um sertão que precisamos fazer ressurgir. A viola há de fazer na música o que Guimarães Rosa fez na prosa, tornar eternas, pela arte, as coisas boas que nunca podem morrer".


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Por Web Outros - 13/02/2010 11:59
A vida perde sentido

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Homem armado faz reféns em ônibus no Rio, em represália pela traição da esposa. Ladrão ataca com faca e humilha vítima. Mãe acusada de matar filhos com serra elétrica apanha na cadeia. Menino com horas de nascido é atirado do 4º andar de prédio. Professora grávida, em véspera de casamento, é morta na frente da filha de 4 anos.
Estes são apenas alguns poucos do riquíssimo elenco de crimes e atrocidades que se tornaram comuns no Brasil, tão pródigo como se propaga, tão reduzido em amor ao próximo. Nas cidades do interior e na capital, multiplicam-se crueldades impensáveis para o homem civilizado do século XXI.
Em velhos tempos, os filhos ilustres de minha terra se reuniam à tarde na porta da farmácia de Mário Veloso, cidadão conspícuo, observador, bem-humorado, para comentários sobre a vida de um modo geral: os costumes, a evolução científica, os caminhos e descaminhos das pessoas e da política, a beleza morena das moças, a elegância das senhoras, o crescimento urbano... tudo enfim.
Filomeno Ribeiro, em terno de linho para melhor suportar a canícula, assentava-se à porta de sua casa, e acompanhava o movimento da rua, gente de todas as idades, pobres e remediados, trabalhadores, que iam ou voltavam do trabalho, e ali quedava na tranquilidade dos justos. Ele, um dos homens mais ricos de todo o Norte de Minas, vivendo a sua paz enquanto se contavam as horas do dia e se despregava a folha com o dia respectivo na folhinha.
Pode-se fazer, assim, presentemente, quer se habite a cidade grande ou os pacíficos lugares de nosso imenso interior?
Leio a edição de 31 de janeiro deste nosso jornal e constato que cada vez mais violentos ficam os nossos mundos brasileiros e Minas se encontra nele incluída. A repórter Renata Galdino em extensa matéria de página dupla resume o que sabemos, mas que precisa ser exposto em letra de forma. A violência está solta, a despeito das imprescindíveis medidas adotadas pelo poder público.
Fere-se e mata-se mais do que em passados tempos. Fere-se por motivo fútil e ou motivo algum, por uma desavença de somenos importância, por um esbarrão na rua ou em estabelecimento comercial, após uma troca de palavras ásperas, por uma simples brincadeira que a alguém não agrada. Simplesmente se mata.
Renata conta: um idoso esfaqueou o amigo por causa de uma aposta num jogo de sinuca; um policial assassinou com um tiro o irmão durante uma discussão familiar. O rapaz brigou com a namorada e, rompida a relação, ficou insana dor pelo namoro desfeito. A morte é solução para quem não sabe viver de bem com a vida e que irá passar longa temporada atrás das grades.
As drogas contribuem eficazmente para esse estado de coisas, inclusive o álcool, embora outras estejam abarrotando o mercado. A liberalidade dos costumes para quem não é educado desde o berço contribui para esse ambiente de desrespeito ao próximo e de insensibilidade. A vida passou a valer menos ...ou nada.
As autoridades têm um grave problema a resolver, um desafio social que muito exigirá de sucessivas gerações. O desconforto nasce principalmente em famílias menos estruturadas, na promiscuidade da casa dos pais, no senso de responsabilidade que, repetidamente, não tiveram e não sabem transmitir aos filhos.
Disse Renata Galdino:
"Uma pesquisa divulgada pelo Centro de Estudos de Criminalidade e de Segurança Pública (Crisp) da UFMG, em 2008, apontou que pelo menos sete em cada dez assassinatos e tentativas de homicídio em Belo Horizonte são qualificados por motivo fútil ou torpe".
O estudo analisou uma amostra de 265 denúncias apresentadas pelos promotores do I e II Tribunais do Júri da capital entre 2003 e 2005. "Os crimes acontecem principalmente depois de brigas, discussões, por vingança e conflitos amorosos."
Mas o álcool e as drogas ilícitas, sobretudo o crack, são ingredientes presentes nesse casal incontido de violência, que sobrecarrega a Justiça e enche as cadeias e os presídios. Um gravíssimo problema, que não se resolverá apenas com os agentes da lei, indispensáveis, nas ruas.
Não será fácil mudar essa tendência, esse temível quadro, que se universalizou entre nós. As soluções estão nos lares, e nas escolas, mas também estes passam por um período de intensa crise. Muitos sofrerão ainda.



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Por Web Outros - 4/2/2010 07:39:14
Uma região ansiosa

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Enquanto se contavam os mortos das tempestades e deslizamentos de terras em encostas de estados do Sudeste, enquanto se buscavam os corpos dos que perderam a vida no Sul - como no desabamento de ponte em Agudo, RS, - o Norte de Minas, com chuvas esporádicas e esparsas, se inquietava com a possibilidade da seca.
O fenômeno, há séculos, estigmatiza uma região e uma população que labora para vencer a adversidade climática e a omissão dos governos. Sou testemunha e partícipe na dor dos que, vindos do Nordeste, penavam em longas viagens em busca de melhor condição de vida. Sou testemunha das preocupações dos que plantam sem segurança da farta colheita e de algum lucro que recompense dignamente no norte mineiro.
Em meio ao drama dos que padecem em grandes centros, como São Paulo, pelo excesso de água que se apossa das vias públicas e destrói casas e edifícios de apartamentos, o nosso sertanejo teme o pior com uma estiagem que se alonga.
Já em novembro, o veterano e excelente jornalista Waldir Senna lembrava a mais rigorosa seca de que se tem notícia no Norte de Minas, a de 1976. Os jornais registraram mortandade de 20 mil reses e a intensa mobilização de entidades representativas do setor rural junto a autoridades estaduais e federais para assistência às populações flageladas.
Mas aquela era a época da Sudene, que centralizou as providências para minimizar os efeitos da estiagem. Ministros e secretários se deslocaram ao epicentro do fenômeno para estudar e anunciar medidas inéditas, como formação de frentes de trabalho e abertura de créditos bancários.
Mas no penúltimo mês de 2009, Waldir Senna Batista já advertia que a seca do ano que fluía se indicava possivelmente pior do que a anterior. Admitia-se a perda de 100 mil reses. As pastagens estavam dizimadas e a água de tanques e barragens se esgotavam. O rebanho, mais numeroso, se mantinha com complementos alimentares com estoques decrescendo perigosamente, enquanto a cana e forrageiras já tinham acabado. Água basicamente só de poços tubulares, com vazão em queda.
Em 2009, as chuvas vieram antecipadas no Norte de Minas, em setembro. Em outubro, foram intensas, mas rarearam a partir daí, aguçando a inquietação. Em dezembro, choveu pouco e, em 2010, o céu brindou pouco a terra e a esperança dos que a habitam.
Na região é comum: há as longas estiagens e, quando vem a chuvas, desabam pesadamente, registram-se tempestades, que produzem efeitos malignos sobre a população, destruindo as toscas casas em que se abrigam os campesinos (já se pode usar a palavra sem sintoma de ideologia), arrasam as plantações já feitas, avolumam ameaçadoramente as águas dos rios, muitos deles reduzidos antes a filetes de água.
Janeiro não contemplou favoravelmente as expectativas. E fevereiro, como será? A dúvida, cruel, deixa em ansiedade uma população que trabalha e produz, enquanto os moradores dos povoados buscam nas cisternas o líquido indispensável à saúde e à vida.
Nesse período, são os caminhões-tanque que socorrem ponderáveis parcelas de uma população sofredora, que não tem a quem apelar para amenizar o drama da falta de dinheiro para suprir as necessidades humanas mínimas, inclusive quanto à saúde. E remédio, às vezes são de alto preço.
A esperança se concentra nas orações, nas procissões, na promessa por dias menos perversos, nas penitências antecipadamente cumpridas para que as nuvens não decepcionem mais uma vez. É o calendário tenebroso que envolve muitos milhares de famílias, periodicamente, como se um castigo a punir pessoas que nada fizeram de errado e mau.
No Nordeste brasileiro, como observou Euclides, é o "magrém", a estação das secas. "Verde e magrém" são termos com que os matutos denominam naquela sofrida região as quadras chuvosas e as secas. O problema, conteúdo, não é de meras palavras. É a dura realidade que elas representam e que aterroriza o homem do Norte de Minas e a economia da região. Eis a questão.


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Por Web Outros - 2/2/2010 08:25:56
Um real fornecedor

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Consta da história ou à saga regional ter vivido e morrido em Montes Claros uma princesa imperial, filha de Pedro I, sepultada em algum lugar da nave central da Matriz, que neste século completa três séculos. Hermes de Paula, o grande historiador norte-mineiro, cuja obra alentada terá segunda edição, conforme li, se refere àquela menina, no seguido por muitos historiadores.
O médico Hermes, que pesquisava não só doenças e remédios, descobriu o seguinte: Em torno de 1828, vivia na corte uma mucama, olhos azuis, muito mimada pelo soberano. A imperatriz, que não era astuta e conhecia o arrebatado marido, desconfiou. Quis deportar a mucama e respectiva cria, mas o envolvente imperador se antecipou, mandando ambas para o Tejuco, aos cuidados do sargento-mor.
Grassando uma epidemia de varíola, determinou-se que as duas fossem encaminhadas a Formigas, hoje Montes Claros, onde a menina, já acometida do mal, faleceu dias após. O padre Feliciano se encarregou do funeral, enterrando-lhe o corpo junto ao altar-mor da primitiva capela, hoje matriz.
Hermes ficou "cabreiro", a história lhe pareceu nebulosa, mas a registrou, e fez muito bem. Mas perguntou: Quem teria sido o sargento-mor de Formigas, incumbido de hospedar a princesinha? Admitiu que teria sido o seu bisavô Antônio Xavier de Mendonça, então sargento-mor. Descartou-se a tese, quando Olyntho da Silveira aventou a hipótese do nome de Gerônimo Xavier de Souza.
Suponho que seria válida uma pesquisa sobre o fato, não haveria nada a perder e se esclareceria uma dúvida secular, se bem que aprofundar-se na prole do primeiro imperador do Brasil é tarefa de grande dimensão, por motivos consabidos. No caso da princesinha sertaneja, professores e alunos da Universidade poderiam prestar contribuição de relevo.
Tenho alto respeito pela família imperial brasileira. Mas são fatos. Esse grande cronista, culto, intransigente, independente, rigoroso na análise, irônico, que foi Fausto Wolff, comentou mais de uma vez a personalidade de Pedro, sua vida amorosa. Aliás, não foram poucos os historiadores que se ativeram ao tema, até porque agrada aos bisbilhoteiros da crônica pátria.
Ele declarava não querer contar a história, mas contava que Sua Majestade, em 1828, já era pai de 28 filhos, dez de matrimônios e 18 fora dele. Nem a doceira negra do Palácio de São Cristóvão, nem uma freira da Ilha Terciaria escaparam da gravidez real. O caso mais rumoroso teria sido o de Clemence Saiset, bela francesa, modista de uma das mais refinadas casas de moda da Rua do Ouvidor.
Delso Renault registrou que a literatura, como a moda francesa, se difundia no Rio de Janeiro, trazida pelos costureiros, modistas e almanaques. Os profissionais da costura procuravam uma locação, em uma "rue française d`un bout à l`autre". Homens e mulheres estavam atentos à moda que chegava de Paris, cujas toaletes seguiam figurinos franceses.
Quando descia do Palácio de São Cristovão ao Paço Real, onde está hoje a Praça XV, o elegante proclamador da independência fazia questão absoluta de observar as modas e, mui especialmente, as modistas.
Num determinado estabelecimento exibiam-se os papéis pintados de Bernard Wallenstein, expostos no nº 98, na Nova Rua do Ouvidor, hoje a Travessa. O astuto filho de João VI só vislumbrava uma mercadoria: A mulher do proprietário, 25 anos, já com dois filhos.
Entro no finale mais melindroso. O galante soberano não queria ferir suscetibilidades, melindrar. Procurou saída honrosa para si e a bela francesa. É o que consta. Assim, muito profissionalmente, convidou Monsieur Pierre, esposo e chefe dos negócios, para envolver em papel decorativo as paredes das enormes dependências do Palácio de São Cristóvão.
Enquanto o marido pintava, o imperador e Clemence "pintavam" na residência do casal. Até que, inopinadamente, não sei se pela tarde, o artesão francês chegou em casa e encontrou S. Majestade em pelo. Clemence explicou: ele caíra do cavalo exatamente em frente à residência, sentiu dores e ela lhe estava a aplicar unguentos.
O francês não se revelou ou se deu por vencido. Mandou afixar à porta do estabelecimento da Rua do Ouvidor uma placa: "Fornecedor Real".


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Por Web Outros - 29/1/2010 07:58:48
As crianças imoladas

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

A droga degrada o caráter, desvia o jovem, vicia-o, domina-o, leva-o à sordidez e ao crime. A despeito do conhecimento que se tem dessa perniciosa realidade, aumenta o número dos adolescentes que se tornam usuários e, em seguida, traficantes, envolvendo-se em outros graves delitos.
O Centro Integrado do Adolescente Autor de Ato Infracional, o CIA-BH, registra cerca de 670 desses jovens apreendidos pela Polícia Militar nas ruas da capital. A intermediação da mercadoria lhes é altamente rentável, com arrecadação de até R$ 600 ao dia. O dinheiro fácil fascina os que entram numa fase especialmente delicada da vida.
Oscar Cirilo, coordenador clínico do Centro Mineiro de Toxicomania, explica: "Os jovens acreditam que a droga é capaz de diferenciá-los dos demais. A droga dá a eles um status para obter bens materiais".
Em junho de 2007, em manhã ensolarada de Corpus Christi, em área povoada, conhecida e frequentada de Montes Claros, a maior cidade do Norte de Minas, no Parque de Exposições, um desses jovens, viciado em drogas e que circulava normalmente pelas ruas, matou o menino Sidney Júnior.
Não era sua primeira morte. Antes, eliminara uma mulher que não lhe dera o dinheiro exigido. Para o mesmo objetivo, certamente, imposto pela sordidez do vício indomável. A cidade parou em busca do corpo do infante e, depois, para prestar a homenagem pelo sacrifício de uma vida.
Uma tia, como se mãe fosse, acompanhou todas as medidas de praxe para achar a criança imolada, sempre em lágrimas, chorou sem parar todos os dias, desfaleceu no cemitério, com olhos lacrimejantes foi à missa de sétimo dia.
Presente ao ato religioso no grande templo, o jornalista Paulo Narciso, também pai de filho muito querido, assistiu à solenidade. Para ele, as mulheres podem salvar-nos. Talvez, apenas elas.
Escreveu: "E, entre elas, as mães, únicas com autoridade e força para içar do despenhadeiro moral um Brasil que dá mostras de que desmaia inerte, abobado, perdido, irreconhecível, extraviado, amputado do seu passado e distante do futuro antevisto pelos sonhadores de todos os tempos.
Ninguém pode tanto quanto as mães, e parece que elas não estão mais dispostas a ceder um milímetro em defesa da vida; elas - que são o centro deste prodígio humano/divino - a própria vida. Ao preço que for. Custe o que custar, elas nos salvarão.
Elas, as mulheres, a tudo comandavam. Com serenidade e doçura ainda, e imensas doses de energia, atitudes que comovem tanto quanto o drama do menino que ali nos levou e reuniu. O garoto imolado."
O jornalista, compungido, sofria com a multidão, predominantemente feminina. Via tudo, ouvia o silêncio, acompanhava a cena, percebia lágrimas mesmo em semblantes amadurecidos pela dor e por duras experiências de vida.
Sem um estalido, um movimento, um mínimo gesto no encerro profundo delas, as mães, nada que pudessem ocultar ou sugerir um levante iminente, já a caminho, contra uma situação de desconforto, de insegurança, de temor.
Paulo Narciso se comovia com mulheres e homens violentados pelas mesmas circunstâncias, em outros dias e lugares. "Na mobilidade gestual de quem fala livremente com Deus, sempre a sós, as mães exibiam, era possível ver, um fragor secreto, a força desconhecida que pode e vai nos salvar em breve, quando, talvez, daqui mais um pouco, permitirem que soltem da garganta o grito lancinante que move o mundo, e o faz recomeçar."
"Não para a vingança. Mas para a reconstrução urgente do que se decompõe. Não permitirão que seus filhos sejam mais mortos nas ruas. Que seus maridos não voltem. Que a porta da sua casa deixe de ser o território risonho da infância, para modelar-se como último recuo do medo".
As mães desconhecem o sentimento de covardia. A tia, heroína, confessou: "Somos todos reféns do medo. Estamos encurralados, presos em nossas casas. Não podemos mais desfrutar do direito de ir e vir. É o momento de lutarmos para que atrocidades como estão não ocorram novamente.


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Por Web Outros - 19/1/2010 07:39:25
Um jurista mineiro no Sul

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

No Palácio do Governo, na praça mais republicana de Florianópolis, examinou o jornalista e pesquisador as vias antepassadas, e do antepassado, cuja descendência rumou diretamente para o Rio Grande do Sul: sua filha se casou com o general Flores da Cunha, uma lenda no Sul, mercê de sua atuação com líder político, tendo exercido a chefia do governo.
O antigo Palácio, o mais belo edifício da cidade, é hoje o solene e merecido Museu Cruz e Souza, homenagem ao homem negro que foi, e é, um dos maiores poetas simbolistas do Brasil. Mas não deixa de guardar as relíquias e as lembranças dos seus homens públicos.
Bem atrás no Palácio, belíssima e humilde Igreja de São Francisco de Assis, supostamente frequentada pelo antigo conterrâneo mineiro, e onde o jornalista amigo "pediu por todos nós" em oração.
Voltando a Gonçalves Chaves, foi, segundo o jornalista, o filho de Montes Claros que mais altas posições alcançou. Além de governador de dois estados na monarquia, foi presidente da Câmara Federal, senador da República, diretor da Faculdade de Direito de Minas Gerais, hoje da UFMG, senador estadual. Newton Prates o resumiu, em 1957: "Grande figura de seu tempo pela inteligência e pela cultura, foi um líder político respeitado e de largo prestígio, um mestre do Direito".
Quando sofreram os conservadores em Montes Claros um abalo político extraordinário, Chaves foi nomeado, em maio de 1879, presidente da Província de Minas. Então, a Câmara do município enviou a sua Majestade ofício em que ressaltava o acerto e se congratulava com os mineiros "pela felicidade que devem contar em breve porvir".
Naquele período, teciam-se os fios do futuro. Enquanto mineiros atuavam no Rio Grande do Sul, os gaúchos vinham. Os Dorneles, ligado a Tancredo, entre eles. Getúlio era Dorneles.
Flores da Cunha, nascido em Uruguaiana, bacharel em Direito e general do Exército, abria caminhos. Representou o Ceará e o Rio Grande como senador, já em 1930, foi deputado federal e senador. Atravessou o século, pois - nascido em 1880 - só viria a falecer em 1956. Casado com a filha do magistrado ilustre, chegou à metade de nosso século.
Foram estreitos os laços de Minas Gerais com o Sul. Desconheço a existência de alguma tese ou dissertação de mestrado a respeito. É uma pesquisa que exigirá muito tempo, porque as fontes são amplas e dispersas. Como sempre.
Os mineiros participaram da Revolução Farroupilha. Leia-se a atuação em muito livro de Sóter Couto, ora editado, por segunda vez, graças ao filho, Lomelino Ramos Couto.
Quando se fundou Belo Horizonte, logo para cá correu o coronel Emídio Germano, comerciante, que, no Rio Grande do Sul se encontrava e para cá se trasladou, um dos fundadores e provedores da Santa Casa.
Quem visitar Pelotas, em sua bela praça central, encontrará o bronze de ilustre diamantinense. Foi figura de proa nos movimentos de independência, tendo ocupado os mais altos do governo provisório, com Domingos José de Almeida e Silva.
São fatos a que os mineiros não dão maior atenção, embora não se negue o descobrimento de Minas que ora se faz, em parte por esforço acadêmico. Mas, esforços isolados, de alto custo, são também desenvolvidos. Por exemplo. Em 21 de janeiro do ano passado, recebi do brilhante jornalista Paulo Narciso, espírito de escol, uma comunicação informando que estivera em Santa Catarina.
Era a segunda vez em um ano, para escarafunchar alguma coisa sobre o nosso Antônio Gonçalves Chaves, tio do advogado, poeta e seresteiro João Chaves, de Monzeca, o celebrado e querido jornalista Hermenegildo Chaves.
Para Paulo Narciso, Antônio Gonçalves Chaves é o maior nome da história de Montes Claros, governador de Santa Catarina, por dois anos, e também de Minas Gerais. Notável humanista, Ruy Barbosa o chamava de "meu mestre", tendo propiciado notável contribuição ao Código Civil Brasileiro, do grande Clóvis Bevilácqua.
Paulo não foi sozinho a Florianópolis. Sendo seu filho descendente colateral do jurista Antônio Gonçalves Chaves, sobrinho tetraneto, pois, do governador do Império, levou-o consigo para perseguir as pegadas ancestrais.


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Por Web Outros - 13/1/2010 08:16:50
De um ano para outro

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Não trouxe da infância reminiscências de festas de passagem de ano em minha cidade natal. Também, de lá parti muito cedo... Mas não me esqueço de que a memória primeira que tenho desses festejos lá aconteceu, quando se exibiu no velho, desconfortável mas amorável Cine Montes Claros, um filme sobre o fim do século XIX e o início do século XX, descrevendo a vida de Émile Zola, o grande autor francês, às voltas com a célebre questão Dreyfus.
A "casa de espetáculos" era um barraco humilde, no centro da cidade, em que empresários sensíveis aos anseios da coletividade, resolveram instalar velhas câmaras cinematográficas, cujos filmes eram buscados em Bocaiuva, final da linha da Central do Brasil. Transportados em heroicos carros Ford bigode, ou antecessores, venciam quilômetros de caminhos carroçáveis, para satisfazer a distinta e ansiosa plateia. Ruth Tupinambá Graça relata aquele tempo com mestria.
No meu tempo, a ferrovia já chegava a Montes Claros, o que era um notável avanço. No Norte de Minas, tudo foi conseguido por força de sacrifícios imensos... mesmo os bens mais comezinhos. Mas valeu a pena.
Já era o caso do romancista e panfletário, autor de uma peça indelével - "Eu acuso", publicada no jornal "L`Aurore", e dirigida ao presidente da República, contendo uma terrível vingança de todos os que haviam participado da perseguição ao destraçado oficial, de origem semita, vítima de denúncia como traidor.
No transcurso de 1899 para 1900, Zola se encontrava refugiado na Inglaterra e assistiu às festividades de passagem de ano e século, que o cinema, com as deficiências da época, tão bem transportou às telas.
O que o cinema representou, as imagens que ofereceu, foi um retrato de um tempo que se queria outro. Era a "belle époque", que Alaor Barbosa, tão bem descreveu em "Um cenáculo na Paulicéia", período de paz entre as nações e os Estados da Europa Ocidental. Diz: "Em 1900, derradeiro ano do século XIX, fazia, pois, trinta anos que a Europa Ocidental vivia, dentro do seu território, em paz".
Não fujo ao fascínio de um texto lapidar de Otto Maria Carpeaux, sobre o tema, em "História da Literatura Ocidental". Lapidar, sim, para resumir cem anos de humanidade:
"Depois de 1900, as crises econômicas tornam-se mais raras, têm repercussões menos extensas. A prosperidade fica quase estabilizada, modificando-se quase só no sentido de melhorar continuamente o standard de vida das classes médias; o proletariado, organizado em partidos e sindicatos, também luta com sucesso considerável, criando-se uma "aristocracia" de operários qualificados".
"Apesar disso, não diminuem os lucros da capital, reunido em formidáveis truste e cartéis. Atribui-se esse milagre ao progresso da técnica, que proporcionaria riquezas cada vez maiores aos donos das forças da natureza".
"Invenções que até havia pouco se afiguravam à humanidade como sonhos da imaginação de Jules Verne - telefone, gramofone, automóvel e avião - em breve não despertarão muita curiosidade.
Aos progressos da técnica correspondem os da democracia: sufrágio universal, regime parlamentarista, liberdade sindical, conquistam-se até nas burocracias de tradição inveterada. Desaparece definitivamente o analfabetismo: escolas noturnas e "University Extension" divulgam, nas camadas baixas da população, conhecimentos outrora propriedade privada das elites.
Nos recantos rurais, leem-se jornais que trazem notícias do mundo inteiro. O livre câmbio cultural sucede ao câmbio comercial. Celebram-se congressos internacionais de toda espécie, organizam-se internacionalmente as profissões e os partidos políticos. A humanidade parece marchar para o paraíso terrestre".
Parecia. O mundo é uma bola. Demos voltas. Estamos em 2010. Haverá, para os que viverem, uma nova "belle époque"? ou é o que temos?


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Por Web Outros - 1/1/2010 05:11:36
O futuro nas mãos do homem
Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Há um grupo de mulheres que exercem competentemente o ofício da escritura em vastas regiões de Minas Gerais, com nobilíssimo propósito e consentânea eficiência na prática e nos bons resultados. Devotam-se à pesquisa para escavar o que sobrou em sua comunidade de registros de seu passado (quanto já se perdeu) e, coletados dados em arquivos, quando existam, cartórios, templos, repartições do poder público, para conseguir transformar isso em livro. Antigamente não se dava valor maior e essas iniciativas, a não ser as particulares. Mestre Urbino Vianna, contudo, conseguiu produzir uma obra importante na região norte-mineira, legando algo que não se esquece e de que não se abre mão. Agora, as educadoras ainda professoras, advogadas, pedagogas, sociólogas, jornalistas, escritoras de nascença decidiram tomar a frente do ideal, e estão vasculhando conscientemente os desvãos das relíquias locais para trazê-las à ampla publicação. É conhecer a sua aldeia, como definia Tolstói, e nada mais sábio; o passado, auscultá-lo, escarafunchá-lo, dizer dos que a descobriram, ergueram habitações e construíram famílias, que no solo plantaram sementes, protegeram-nas, preparando o futuro.
No interior recôndito, assim se procedeu e, deste modo, temos milhares e milhares de povoações, grupamentos humanos trabalhando honestamente para ajudar o crescimento nacional. Alimentam e produzem para os que ali vivem e contribuem, de algum modo, para o PIB, anônimos os muitos milhões que transformaram - no esforço geral - o Brasil no que é hoje e possibilitando o que seja no futuro.
Jacaraci é uma cidade na Bahia e sobre ela Zoraide Guerra David, premiada na poesia e na prosa, acaba de editar "Documentário Mozart David - Uma vida a serviço de Jacaraci". A ela já se deve valiosa contribuição à história de outros municípios e à localidade encravada no sertão baiano. Será volume que a população guardará como relíquia, como o do professor Urbino Vianna. Os leitores das metrópole, distantes da terra quente e que se desenrolaram os fatos referidos e viveram as personagens humildes que a habitaram, erguendo patrimônio perene, não terão imediato interesse. Mas, quando quiserem aprofundar-se no local ou regional, não terão senão a recorrer a essa biografia da cidade e de um homem.
Foi aproximadamente o que registrou o professor Dario Teixeira Cotrbin, da Universidade do Norte de Minas, do IHGMG e do IHGMC. No prefácio: "Antes de tudo, é preciso recordar que o `Documentário Mozart David: Uma vida a serviço de Jacaraci`, é a luz máxima dos acontecimentos (os descritos). É assim porque no entrecho do projeto, este livro deverá cumprir o seu objetivo maior, que é o de resgatar: passado histórico, além das tradições e dos costumes da terra e do homem. Como se vê, as características históricas do município, com as descrições de seus rios, serras, fazendas e distritos, devem enriquecer a obra. Desde então, pode-se dizer que o Morro do Chapéu, localizado na Serra das Almas, ainda permanece garboso indicando que a pequena Jacaraci fica ali bem pertinho". Pois bem. Esse Mozart, nascido em 1903, entre 13 irmãos, construiu aquilo que é fundamental: a sua grei, a que deu rumo certo na vida, uma numerosa prole que segue os caminhos traçados pelo labor, pela dignidade, pela honradez. Liderou a política municipal durante 51 anos, inclusive quando dos rudes entreveros entre a UDN e PSD, agiu com mão firme, sem excessos, como convém às comunidades interioranas de modo especial.
Fez também poesia e exercitou na crônica. Foi um cidadão feliz que felicitou sua terra. Outro dia, a filha Wanda lembrou feitos paternos: o Teatro Municipal, o Clube Lítero-Recreativo, grupos escolares, Parque de Diversões, Banegrui Opyblico, Centro Administrativo, edifício da Prefeitura, o Forum Augusto Gesteira, o Posto de Saúde, recuperou a Matriz.
Mudei hoje a linha desses comentários. Mas me senti satisfeito.


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Por Web Outros - 19/12/2009 10:51
O Afeganistão por aí

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Foi em agosto que encontrei a notícia no montesclaros.com. O Afeganistão aprovou polêmico projeto que permite aos homens xiitas negar comida às suas mulheres, caso se recusem a manter relações com eles. A nova lei vale apenas para a minoria xiita e estabelece outras normas, como a custódia exclusiva dos filhos para pais e avôs e a necessidade de permissão dos maridos para que as mulheres possam trabalhar.
Recentemente, o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, bem aproximado politicamente do Ocidente, obrigava as mulheres xiitas a manter relações sexuais com seus maridos no mínimo a cada quatro dias. Restaria saber se os homens estariam dispostos ao cumprimento desse calendário, possivelmente extenuante.
Vê-se que o Afeganistão vai mal, com ou sem taliban. Lá, 80% das mulheres são analfabetas e, no regime anterior, o dos talibans, estavam proibidas de estudar. No governo atual, são cerceadas de direitos fundamentais e obrigadas a regras absurdas de comportamento.
Entre elas, submeter-se ao estupro pelos maridos, legalmente. As adolescentes são coagidas a casar antes de 16 anos e constituem moedas de troca em disputas de família e em cobranças de dívidas. Resultado: o índice de gravidez entre 10 e 14 anos é elevadíssimo.
Na recente eleição de Karzai, elas compareceram temerosas para votar. Do ato em si e de represálias. O número de votantes do sexo feminino foi baixo. É bom realçar o trabalho da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, ostensivamente contra estas práticas inaceitáveis neste milênio. Disse: "Eu acredito que a transformação do papel da mulher na sociedade é o último grande impedimento ao progresso universal".
Não só no Afeganistão. Toda aquela região está comprometida com essas posições radicais. Na África, não menos, a não ser em determinados países. Na terra de Gandhi, 40% das mulheres são analfabetas. A CNN mostrou: cinco mil assassinatos de honra por ano, a maioria no mundo muçulmano; 130 milhões de mulheres sofreram corte genital; 21% em Gana confessaram que sua iniciação sexual foi por estupro.
Questões semelhantes não se restringem, contudo, à Ásia e a África. O mundo está atrasado séculos em termos de tratamento das mulheres. Vendiam-se negras - e negros também - durante a escravidão no Brasil e colônias espanholas. Ainda no século XXI, o comércio de mulheres tem abrangência internacional. Mas o que acontece no Afeganistão, que pretende demonstrar evolução social e humana, causa desaprovação, condenação e dor. Até quando?
No Brasil, ainda se negociam mocinhas e o sexo é instrumento de remuneração. Embora não sejam utilizados métodos como os da Afeganistão, a submissão feminina é candente, humilhante criminosa. Não há como negar.
O papa Honório III sentenciara: "As mulheres não devem falar. Seus lábios carregam o estigma de Eva, que foi a perdição dos homens.
Para Eduardo Galeano, o mesmo pânico faz com que os fundamentalistas muçulmanos lhes mutilem o sexo e tapem seus rostos. Na civilizada e exemplar Grécia, antes de Cristo, as mulheres não tinham senão direito de obediência às tarefas próprias do sexo.
Elas sequer participavam do teatro. Podiam simplesmente assistir às obras, nos piores lugares, nas arquibancadas mais altas, mas não representavam. Não havia atrizes. Na obra de Aristófanes, Lisistrata e as outras protagonistas foram interpretadas por homens usando máscara, como observa o autor uruguaio.
Não foi diferente o cenário teatral na gloriosa Inglaterra. Nas peças de teatro, havia rapazes fazendo o papel das personagens femininas dos grandes dramaturgos, como Shakespeare. O mundo não mudou muito e abrangentemente.
A propósito, em plena guerra do Peloponeso, as mulheres de Atenas, Esparta, Corinto e Beócia se declararam em greve contra o conflito. Elas não mantinham relações com seus homens e o jejum carnal terminou por vencer os guerreiros. Assustados diante da rebelião feminina, disseram adeus aos campos de batalha.
E agora, Karzai?


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Por Web Outros - 9/12/2009 07:34:27
Correção de rumo

Jornal "Hoje em Dia" - Manoel Hygino

Houve tempo em que Montes Claros nutria enorme ciúme de Bocaiúva, ambas cidades de expressivos vultos no cenário político e literário. Era, mutatis mutandis, o que ocorreu historicamente com Uberaba e Uberlândia, os progressistas municípios do Triângulo. Enquanto se construía o ramal unindo o Norte de Minas à malha ferroviária nacional, acentuaram-se os inclinações para as guerrilhas verbais sobre a predominância das duas cidades cada uma querendo ser mais importante que a outra. O escritor curvelano Nélson Viana registra que Montes Claros progredia assombrosamente com o evento da chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil. Mas, por questões topográficas e geográficas, os trilhos tinham de chegar primeiramente em Bocaiúva, o que não agradava aos montes-clarenses. Enfim, amaciaram-se os corações e retomou-se o clima de cordialidade e compreensão. Lembro o fato, porque acaba de ser publicado "poesia-Correção de Rumo", de Antônio Augusto Souto, e o autor é bocaiuvense, embora residindo na vizinha cidade, onde seu trabalho foi editado pela Universidade do Norte de Minas. Antônio Augusto foi professor de língua portuguesa e literatura, durante quarenta anos, oito meses e poucos dias. Casou-se na cidade escolhida para viver, formou-se em advocacia, mas sentiu que lhe faltava dizer muito, e que lhe escapara ensejo nas aulas. O filho-homem não veio, mas houve a correção de rumo. Dedicou-se à advocacia e às letras, na poesia, na crônica e no conto. Quem fez o prefácio fui eu, de modo que talvez não necessitasse de outro registro, mas me dedico ao mister, ao lado de Wanderlino Arruda e Reivaldo Canela, que lamentavelmente não mais entre nós se encontra.
Wanderlino pergunta: por que deixaria o espírito do homem de realidade útil, para procurar uma estética? Quem pretende responder ao quesito deve recorrer às ideias e sentimentos de Antônio Augusto. Quanto a Reivaldo, opina: "O estilo poético, ou a escola, como queiram, não importam. A poesia é a essência mais pura de tudo. De tudo, enfim". E a constatação se confirma no conteúdo do livro de um autor, que assim estreia auspiciosamente. É cidadão de velha e cepa: Constituiu a família e a ama, com fé e orgulho, o que se vai tornando raro no mundo vertiginoso em que nos achamos. Sua primeira composição, é um pagamento de promessa, que transcrevo em prosa: "Quando eu puser ponto final neste livrinho, quero dedica-lo a Eunice, somente. Vou escrever dedicatória, reescrevê-la, tantas vezes! Modificar, tirar e pôr, usar cinzel... até achar a forma que, acho, ela merece. Quero expressão absolutamente linda, quero palavras que tenham cheiro de chuva, a nota musical do riso dela, sua enorme alegria de viver, um pouco do seu perfume, sua coerência..." Tempos passados se fizeram velhos: "Sou um homem bem rodado... Já singrei mares, risquei os céus e engoli a poeira... Naveguei por rios de todas as cores, palmilhei longas estradas, vielas, vilas e becos... Provei do cálice de tantas dores, bebi na taça da alegria! Agora, estou argonauta, tripulante sem rumo de antigas caravelas, velejador anônimo, passageiro da última poltrona de embarcação exótica. Do fundo do corredor, olho quem entra e quem sai, para ler, em cada máscara, a escritura particular, o contrato de promessa de compra e venda que todos os da minha (sub) espécie procuram esconder, a sete mil chaves." Assim é a poesia desse cidadão de Bocaiúva, sem clarapel inviolável, sem subterfúgios, sem vocábulo garimpado. Linguagem simples e fácil, para que sua poesia sensibilize. Na "Balada número dois", redescobre-se: "Era uma vez um menino/que sonhava, noite e dia.../Fazia seus próprios brinquedos,/brincava com o que sofria./Não tinha games nem vídeos/que isso não existia.


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Por Web Outros - 25/11/2009 10:35:54
E as chuvas chegaram
Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Milhões de brasileiros vieram para o Sul, como dizem os nordestinos, empurrados pelas secas e pela fome.
O espetáculo de grandes levas humanas, carregando seus trapos e pobres pertences, percorrendo a pé, maltrapilhos e quase exangues, centenas de léguas, sob sol escaldante em busca pelo menos de uma moringa de água e de que a esperança não se apaga da memória.
Os que assistíamos perguntávamo-nos: por que tamanha inclemência? Os estudiosos davam respostas sobre clima e meteorologia, mas não explicavam o fundamental: a desumanidade de fenômenos que afligiam principalmente os mais pobres, os miseráveis; os que de pouco dispunham e deixavam os parcos bens no começo ou durante a caminhada.
Nos terminais das ferrovias ligando o Nordeste ao hoje Sudeste, milhares se aglomeravam nas proximidades das estações, esperando a vez de "pegar o trem". Multidões se deslocavam em composições apinhadas, nas quais, se faltava algum punhado de farinha, sobrava em falta de higiene.
Mesmo em Minas, faziam-se procissões de penitentes, que nada rogavam a Deus senão água. Muitos bons autores descrevem a dor e angústia desses dias, entre os quais Oswaldo Gusmão, professor de Teoria Geral do Estado, brilhante advogado, ao ingressar no rol dos ficcionistas. Seu relato dos dramas dos que, em desconfortáveis composições viajavam da zona dolorosa da seca para as cidades maiores é simplesmente magistral.
Em meu primeiro livro, coisa da adolescência, diante da penúria e sofrimento dos retirantes, contei um pouco dessa história de infortúnio de milhares e milhares de brasileiros na fuga à seca. Excelentes autores também o fizeram, movidos por semelhante impulso de solidariedade.
Quando a chuva chegava, as crianças se deleitavam com as enxurradas nas vias públicas, pouco se importando que fragmentos de vidros ou peças de metal pudessem ferir-lhes os pés e causar males maiores. Deus protege os inocentes e os puros de alma.
O empresário Luiz de Paula, tão bom na prosa, na cantoria, contabilista, advogado, sócio de vice-presidente da República, poeta de boa qualidade, jovem nos seus mais de 90 anos, lembra aquele tempo indelével:
"A chegada da chuva era uma festa. Hoje, quando a cena se repete e a chuva chega, escurecendo o céu, tenho saudades daquele tempo em que eu sabia aproveitar uma chuva, misturar-me com ela, ser parte dela. Calça arregaçada, peito nu, revejo-me a cantar granizos no chão molhado ou recolhendo filhotes de passarinhos derrubados dos ninhos pela ventania. Ou a opor barragens de terra às enxurradas e a fazer "olho de boi" no chão, com o calcanhar e o dedão do pé, quando a chuva começava a passar da conta. Sempre a saltar, aqui e acolá, até entrar no raio de ação da voz materna a chamar-me:
- Venha para casa, menino! Venha enxugar a cabeça! Vestir uma camisa! Você vai apanhar uma pneumonia!"
No mesmo lugar e região que receberam tantos e tantos flagelados das secas de muitos anos, ocorreu em 2009 talvez a mais caudalosa das chuvas dos últimos 50 anos, segundo o prefeito Luiz Tadeu Leite, de Montes Claros. O magérrimo Rio Vieira, em cujas águas gerações de crianças e adolescentes se banharam em corajosas experiências ingênuas de natação, rugiu de madrugada como um leão, como li alhures.
Chuva quando cai no sertão, depois de longa estiagem e extensa temporada de sol atormentador destrói e mata. Na cidade grande, em que canalizações se fizeram talvez sem um estudo mais aprofundado e cuidadoso do volume das águas, elas transbordaram e causaram prejuízos expressivos. Como em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, que pretenderam prender o ímpeto da torrente, quando ela se rebela contra a insensibilidade e falta de previsão humana.
Não se esconde água braba como a sujeira debaixo do tapete. As provas estão aí. E a provisão é de torrenciais serem os dois últimos meses do ano. Que os santos poderosos nos protejam, porque não estamos na idade de medir força com a natureza.



52375
Por Web Outros - 25/11/2009
E as chuvas chegaram

Manoel Hygino dos Santos - "Hoje em Dia"

Milhões de brasileiros vieram para o Sul, como dizem os nordestinos, empurrados pelas secas e pela fome.
O espetáculo de grandes levas humanas, carregando seus trapos e pobres pertences, percorrendo a pé, maltrapilhos e quase exangues, centenas de léguas, sob sol escaldante em busca pelo menos de uma moringa de água e de que a esperança não se apaga da memória.
Os que assistíamos perguntávamo-nos: por que tamanha inclemência? Os estudiosos davam respostas sobre clima e meteorologia, mas não explicavam o fundamental: a desumanidade de fenômenos que afligiam principalmente os mais pobres, os miseráveis; os que de pouco dispunham e deixavam os parcos bens no começo ou durante a caminhada.
Nos terminais das ferrovias ligando o Nordeste ao hoje Sudeste, milhares se aglomeravam nas proximidades das estações, esperando a vez de "pegar o trem". Multidões se deslocavam em composições apinhadas, nas quais, se faltava algum punhado de farinha, sobrava em falta de higiene.
Mesmo em Minas, faziam-se procissões de penitentes, que nada rogavam a Deus senão água. Muitos bons autores descrevem a dor e angústia desses dias, entre os quais Oswaldo Gusmão, professor de Teoria Geral do Estado, brilhante advogado, ao ingressar no rol dos ficcionistas. Seu relato dos dramas dos que, em desconfortáveis composições viajavam da zona dolorosa da seca para as cidades maiores é simplesmente magistral.
Em meu primeiro livro, coisa da adolescência, diante da penúria e sofrimento dos retirantes, contei um pouco dessa história de infortúnio de milhares e milhares de brasileiros na fuga à seca. Excelentes autores também o fizeram, movidos por semelhante impulso de solidariedade.
Quando a chuva chegava, as crianças se deleitavam com as enxurradas nas vias públicas, pouco se importando que fragmentos de vidros ou peças de metal pudessem ferir-lhes os pés e causar males maiores. Deus protege os inocentes e os puros de alma.
O empresário Luiz de Paula, tão bom na prosa, na cantoria, contabilista, advogado, sócio de vice-presidente da República, poeta de boa qualidade, jovem nos seus mais de 90 anos, lembra aquele tempo indelével:
"A chegada da chuva era uma festa. Hoje, quando a cena se repete e a chuva chega, escurecendo o céu, tenho saudades daquele tempo em que eu sabia aproveitar uma chuva, misturar-me com ela, ser parte dela. Calça arregaçada, peito nu, revejo-me a cantar granizos no chão molhado ou recolhendo filhotes de passarinhos derrubados dos ninhos pela ventania. Ou a opor barragens de terra às enxurradas e a fazer "olho de boi" no chão, com o calcanhar e o dedão do pé, quando a chuva começava a passar da conta. Sempre a saltar, aqui e acolá, até entrar no raio de ação da voz materna a chamar-me:
- Venha para casa, menino! Venha enxugar a cabeça! Vestir uma camisa! Você vai apanhar uma pneumonia!"
No mesmo lugar e região que receberam tantos e tantos flagelados das secas de muitos anos, ocorreu em 2009 talvez a mais caudalosa das chuvas dos últimos 50 anos, segundo o prefeito Luiz Tadeu Leite, de Montes Claros. O magérrimo Rio Vieira, em cujas águas gerações de crianças e adolescentes se banharam em corajosas experiências ingênuas de natação, rugiu de madrugada como um leão, como li alhures.
Chuva quando cai no sertão, depois de longa estiagem e extensa temporada de sol atormentador destrói e mata. Na cidade grande, em que canalizações se fizeram talvez sem um estudo mais aprofundado e cuidadoso do volume das águas, elas transbordaram e causaram prejuízos expressivos. Como em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, que pretenderam prender o ímpeto da torrente, quando ela se rebela contra a insensibilidade e falta de previsão humana.
Não se esconde água braba como a sujeira debaixo do tapete. As provas estão aí. E a provisão é de torrenciais serem os dois últimos meses do ano. Que os santos poderosos nos protejam, porque não estamos na idade de medir força com a natureza.


51988
Por Web Outros - 12/11/2009
Fazendo a história

Manoel Hygino dos Santos - "Hoje em Dia"

A história só se constrói mediante a reunião das pequenas histórias, nascidas da transmissão oral ou escrita através de sucessivas gerações. Não há povo sem pequenas histórias, daí não existir povo sem História.
O comentário vem a propósito dos numerosos fatos, fatos corriqueiros, do cotidiano, que naturalmente se vão incluindo na História, com h maiúsculo.
Faço esse preâmbulo para chegar ao âmago da questão: um livro de Ruth Tupinambá Graça, editado em 1986, mas que somente agora, por motivos que não convém esmiuçar, tenho o prazer de ler.
A conterrânea autora faz um comentário preliminar, que se casa perfeitamente às ideias das primeiras linhas deste comentário: "Quando me propus a escrever este livro, não tive a pretensão de ser uma historiadora. Quis apenas contar histórias, obedecendo aos impulsos de um coração saudosista, cheio de recordações.
Histórias que ouvi, momentos vividos intensamente, lembranças que ficaram guardadas (na minha alma e na minha retina), como um filme lindo que vimos na infância, adolescência ou juventude, um filme que nos emocionou muito e do qual nunca nos esquecemos!"
O propósito foi amplamente alcançado. "Montes Claros era assim..." é uma bela recriação de um passado que não se perdeu na noite dos tempos, nem sempre sombrio, como imaginado pelas pessimistas. A escritora nos apresenta uma sociedade e uma cidade rica em valores humanos, em costumes assentados, em tradições cultivadas e consolidadas, com respeito e amor.
São cerca de 150 páginas, no belo estilo que caracteriza os textos de uma família privilegiada, que tem apreço e carinho para com a terra em que formou, em que gerou netos, que continuam o caminho. Não é um livro frio, meros relatos de acontecimentos pretéritos em uma cidade singular, de personagens sempre evocadas pelo seu poder ou por sua simplicidade, às vezes pela modéstia de comportamento, todos contribuindo para uma obra que se admira hoje por sua grandeza e importância.
Constitui, como adivinhou e pretendeu a autora, um passeio cheio de saudade, em uma "terra de gente simples, sem luxo, preocupada apenas em viver, progredir, sem contudo prejudicar alguém - uma comunidade pequena, pouco civilizada, mas alegre como uma só família de mineiros..."
Com belos picos-de-pena de Marcelo Lélis, com fotos de alguns lugares importantes ao desenvolvimento citadino, Ruth Tupinambá Graça propicia um panorama sentimental, tão do agrado dos que conhecem a terra indômita e seu povo alegre, carinhoso, às vezes bravo, quando necessário.
Nada se esqueceu, a partir da matriz de antigamente, conservada presentemente com muito zelo. Jogos que fizeram a ventura de jovens de outras épocas, as escolas infantis, os caixeiros-viajantes, o circo, o mercado, com bruacas e bruaqueiros, o búlgaro que revolucionou a horticultura local, Crhistoff (pai do genial Konstantin, o pintor, e excelente médico), o velho João Maurício e Mauricinho, nosso confrade na Academia Mineira de Letras.
Como em toda cidade do interior, não faltava a euterpe, presente nos momentos de maior vibração cívica, mas também nos instantes de dor com sua marcha fúnebre; Papai Noel e as versões sobre sua existência, os pontos de encontro da mocidade, o "footing" da Rua Quinze, a sanfona que esquentava os bailes ou as noites dos homens que vinham vender seus produtos no mercado, os bares mais conceituados, os botecos, os carros de boi, as boiadas, os jornais, inclusive a "Gazeta do Norte", onde comecei este itinerário que já se faz longo.
Dona Yvonne de Oliveira Silveira, presidente da Academia Montesclarense de Letras, observa:
"Ruth salva do olvido figuras, fatos e coisas, no espaço em que viveram, e que se vai dissolvendo na inexorável passagem do tempo. E salva-se, também, tornando viva a sua voz, não só como narrador homodiegético, que se identifica como observador, que conheceu pessoalmente as personagens refeitas no seu discurso memorialista".


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Por Web Outros - 28/10/2009 07:02:09
Sem os valores éticos

Manoel Hygino dos Santos - "Hoje em Dia"

Em recente, bem elaborado, e sumamente oportuno artigo "Sobre penas e prisões", Isaías Caldeira Veloso tece considerações adequadas ao problema que focaliza. Suponho que jamais se terá falado tanto ultimamente neste país sobre o tema, muitas vezes com observações válidas no tempo tumultuoso que vivemos, sob o signo da violência, sem que se consiga, com agilidade, contribuir para equacionamento conveniente.
E o cidadão tem medo de sair às ruas, de ir à casa de campo ou chácara para curtir o fim de semana, de deslocar-se à orla para espairecer à beira-mar. Enfim, o brasileiro teme tudo, em todo lugar, todo o tempo.
O autor do artigo foi, por mais de dois anos, Juiz de Execuções e, deste modo, tem conhecimento de causa, expressa-se de cátedra, vamos dizer assim. Isaías Caldeira Veloso trata o assunto com isenção. Ele comenta:
"...sei que os presos que temos atualmente não podem, nos termos da lei, receber as penas alternativas. Se primários e de bons antecedentes, sequer aguardam o andar dos processos de presos em flagrante, pois recebem benefício de liberdade provisória, o que é certo. Não há presos nas cadeias, com raras exceções, autores de crimes simples ou insignificantes, ao menos nas que fiz correições em minha Comarca.
Estão presos porque foram beneficiados com penas alternativas e voltaram a cometer crimes, ou o crime cometido reveste-se de gravidade, sendo merecedores de prisão. Nas cadeias de hoje poucos são aqueles recuperáveis. Estão de tal modo envolvidos no mundo criminoso que desconhecem valores éticos, submetendo-se tão somente às regras impostas pelo meio em que vivem".
O magistrado faz questão de ressaltar que se manifesta, por conhecer, na prática, o problema, lastreado em mais de 25 anos de vida forense, como advogado e como juiz. Diante das sucessivas sugestões e propostas para mudanças na Lei de Execuções visando amenizá-la, aconselha que os defensores da ideia passem pelo menos um mês dentro de uma penitenciária, para conhecer suas regras próprias, seu modo de funcionamento e valores, completamente diferentes dos padrões da sociedade.
No entanto, não é só visitar a prisão, de antemão movido por bons sentimentos, supondo que o prisioneiro foi vítima da sociedade, que já se regenerou, um santo que se perdeu nos ínvios caminhos da existência.
Com pré-julgamento não se ajuda em nada, nem a ninguém, muito menos à sociedade, esta, sim, prisioneira da violência e, às vezes, de organizações criminosas poderosas.
Observa Isaías Caldeira Veloso:
"Todo preso, mesmo se matou a mãe, diz-se inocente e injustiçado. Nunca a comida é boa, sempre são vítimas do "sistema", maltratados e xingados pelos agentes, em permanente tortura, de modo que, impressionados com aquele quadro, os bem intencionados cidadãos, integrantes das comissões, saem dali dispostos a mudar, tudo, verberando na mídia o flagelo da situação".
E o outro lado da questão fica relegado:
"Ninguém pensa no crime cometido pelo preso, na viúva desamparada, nas crianças privadas dos pais assassinados, no comerciante que faliu após uma vida inteira de luta, vítima de roubo, enfim, na tragédia deixada pelas mãos de criminosos no tecer do seu nefando ofício."
Pode haver exageros físicos contra os presidiários, excessos na aplicações das penas. "É claro que há horrores nas prisões, mas o criminoso de hoje sabe o que o espera quando se aventura no crime. Mesmo se nunca tiver sido preso, os noticiários das televisões e jornais já mostraram, à exaustão, as cadeias brasileiras. Apostam na impunidade e depois se queixam das mazelas dos sistema".
É assunto que o cidadão, o poder público, têm de cuidar com especial atenção e interesse. Ele está, de algum modo ou, até por todos os modos, envolvido na questão, que é grave e que, por isso mesmo, não pode ser adiada, nem permitir que se tratem bandidos apenas como pessoas desviadas das vias do bem e do lícito.
Que se apliquem penas alternativas, quando atinentes ao caso. Jamais, para "celerados, aos quais a Justiça recomenda penas privativas de liberdade, únicas que permitirão reparos às vítimas, inibindo-as de fazerem justiça privada e garantindo a paz merecida aos homens de bem".


51275
Por Web Outros - 22/10/2009 07:40:55
Mulheres nas Letras

Manoel Hygino dos Santos - "Hoje em Dia" -

Aconteceu em setembro, antes que a Primavera entrasse no calendário. Mas se a Primavera vem todos os anos, o mesmo não se dirá do acontecimento, que foi a fundação da Academia Feminina de Letras de Montes Claros, que só pode acontecer uma vez.
Márcia Vieira, uma das acadêmicas, descreveu. Quarta-feira. Uma chuva molha o chão anunciando a noite das mulheres num dia especialmente grato, porque Anastasia foi à cidade para inaugurar o casarão restaurado da antiga Fafil, em que estudou Lindenberg.
A chuva ia e voltava, fria, como para arrefecer os ânimos. No Automóvel Clube, erguido no local em que funcionou o Instituto Norte-Americano de Educação, deu-se a solenidade, com o contentamento das quarenta acadêmicas, lideradas por D. Yvonne Silveira, um símbolo do dinamismo e da vitalidade da mulher do sertão.
Dona Yvone agora é presidente de honra, e sua sucessora é Maria da Glória Mameluque, uma sucessão natural e no mais elevado estilo. Entre as patronas, pessoas de meu melhor bem-querer na infância e na adolescência, do maior respeito e carinho, entre as quais gente da família e minha professora Alice Aquino Netto.
Se escolheram formar esse sodalício, é simplesmente porque tinham e têm um projeto coletivo em mente, e um individual. Irão mostrá-lo certamente. São elas, além de Dona Yvonne: Maria Lúcia Becattini Miranda, Milene Antonieta Coutinho Maurício, Amélia Prates Barbosa Souto, Mary Siqueira Lelis, Raquel Souto Chaves, Geralda Magela de Senna A. e Souza, Josefina Emília A. Tupinambá Valle.
A jornalista Márcia ocupa a cadeira cuja patrona foi a minha mestra. Mas há Mara Verônica Leite, Maria José C. Rodrigues (Marijó), Maria Prates Antunes, Filomena Alencar Monteiro Prates, Felicidade Maria Patrocínio Oliveira, Cecy Tupinambá Ulhoa, Thaísa Terence Martins, Virginia Abreu de Paula, Railda Botelho Fernandes, Rosalva Souto Barbosa, Ivana Ferrante Rebello e Almeida, Maria Cristina Santos Canela, Evany Cavalcante Brito Calábria, Eunice Loylola Pereira, Karla Celene Campos, Maria da Conceição Melo, Maria da Glória Caxito Mameluque, Miriam Carvalho, M. Ruth das Graças Veloso Pinto, Ângela Vera Tupinambá de Castro, Maria do Carmo Durães, Maria Mercês Paixão Guedes, Jeny da Esperança Canela Perosso e Maria Celestina Almeida.
Estou cônscio de que a plêiade fará muito, porque as conheço em grande parte, sua origem, sua competência, sua lucidez, assegurando horizontes para a mulher, que sabe a que venho e para onde vai. O campo das letras é propício ao florescimento da inteligência e sensibilidade feminina.
Ivana Ferrante Rabello fez um discurso exemplar, curto e objetivo. Lembrou o passado e ressaltou a nova mulher: "Menina não entra. As páginas do tempo, reviradas pela curiosidade, revelam que a atividade literária das mulheres foi banida e mutilada. Escrever pertencia à esfera do interdito".
Ivana evoca nomes e fatos sobre mulheres que se envolvera, no difícil campo das letras, no qual encontravam todo tipo de óbices. O tempo se encarregou de, a muito sacrifício, abrir portas e perspectivas.
Elogio a Dona Yvonne, ícone e símbolo, e observações: "Sublimidade e prazer, condições do ato de escrever, foram experiências retiradas de nós como um filho, ao nascer de sua mãe. Assalto terrível da carne de sua carne. Herança de família reservada ao homem, a escritura não entrou no testamento que nos caberia. Tornamo-nos herdeiras, sim, de um lugar de falta. Heranças forçadas, porque recebemos por herança o vazio".
Era uma vez. Os tempos mudaram e essas mulheres irão demonstrá-lo à exaustão.


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Por Web Outros - 20/10/2009 10:55:33
Desde São José de Formigas

Manoel Hygino dos Santos (Hoje em Dia)

Uma série de boas publicações chagadas de minha cidade me deixa em dificuldade. Tenho de escolher o que ler primeiro sobre qual inicialmente me manifestar. Antes de jantar, experimento a "Viriatinha", a amável aguardente produzida por Luciano Oliveira, na Fazenda dos Ferros, trazida pelo cronista Reinaldo Souto, enquanto leio "Montes Claros era assim..." de Ruth Tupinambá Graça.
O livro é desses que se há de ler com carinho, tal a beleza dos textos e a importância dos lugares, dos episódios, das pessoas descritas. Ruth Tupinambá desvela a cidade que amamos, as pessoas que conhecemos e das quais guardamos as mais comovidas lembranças.
Voltarei às crônicas, muitas vezes. Mas não posso deixar de registrar o que a autora conta em seu início: "Quando me propus escrever este livro, não tive a pretensão de ser uma historiadora. Quis apenas contar histórias, obedecendo aos impulsos de um coração saudosista, cheio de recordações...
Histórias que ouvi, momentos vividos intensamente, lembranças que ficavam guardadas (na minha alma e na minha retina), como um filme lindo que vimos na infância, adolescência ou juventude, um filme que nos emocionou muito e do qual nunca nos esquecemos!" A escritora conseguiu fazer o que pretendera, com distinção, contribuindo, sim, para a construção da história de uma cidade muito especial.
Na cidade, que vem de lançar a edição primeira, ano I, volume I, da "Revista da Academia Montes-clarense de Letras", para cujo excelente conteúdo contribuíram as mais vivas expressões das letras de uma região rica em valores intelectuais, literários e artísticos.
O volume nasce quando a entidade quase alcança meio século de existência. Valeu a pena esperar por bons frutos. A edição é resultado de trabalho conjunto, em que se empenham homens e mulheres que têm senso e sentimento de deveres perante a sociedade, que não sobrevive sem os ideais e os projetos do espírito.
A Academia recebeu o título de "Casa de Yvone Silveira", homenagem mais justa não há. Dona Ivone é uma espécie de motor do sodalício, que a obriga a numerosos compromissos, de que jamais se escusa, em qualquer momento ou título. O velho professor May, da Faculdade de Medicina na Universidade Federal de Montevidéu, ensinava a seus alunos que o coração é o motor do corpo. E é, não permitindo esquecer o elo entre o organismo físico e o espiritual.
Nas mais de 160 páginas do número primeiro, encontra-se o que há de mais culto, mais espírito, mais coração, mais memória, da brava gente mineira, que se estabeleceu numa região distante das capitais, mais capitalizou para si o projeto de construir uma sociedade. E o fez, com ânimo e orgulho, a despeito de adversidades, que vão do desinteresse de administradores públicos à inclemência dos fenômenos naturais.
A cidade já foi o Arraial de Nossa Senhora da Conceição e São José de Formiga, para se transformar em uma das maiores de todo Estado. Soube guardar consigo o mesmo carinho pela terra e a preservação de ideais maiores que se concretizam com o tempo. Isso se deve a homens que atuaram na liderança da economia local, mas também aos humildes produtores que expõem suas mercadorias nas feiras dos sábados, enquanto suas mulheres vão à igreja render graça a Deus pelo pouco de que desfrutam, mas que é muito para quem tem fé e amor.
Dona Yvone, que prestigiou minha posse na Academia Mineira de Letras, enviou-me exemplar desta histórica edição, com uma bondosa dedicatória e, ainda, com uma referência muito valiosa à minha mãe, sua amiga, a mulher que me gerou e ainda orienta meus passos.
Desse número, participam, além da presente, grande vultos das letras regionais, sobre temas relevantes. A eles, voltarei.


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Por Web Outros - 18/10/2009 11:43:11
Manoel Hygino dos Santos

A invasão de terras

Os homens do interior, os que dele procedem, parecem ter mais noção de propriedade do que os nascidos e formados nos grandes centros populacionais. Entendo que, para construir algo nos cafundós, nas brenhas, distantes dos poderes centrais, eles enfrentam muito mais dificuldades para construir seu patrimônio.
Daí, suponho, o valor que estas pessoas dão ao que é seu, à própria cidade ou lugarejo em que viram a luz do dia, acompanhando o sacrifício de seus avós e pais amanho da terra, na formação de pequenos rebanhos, na manutenção de seu transporte, quer um mero cavalo ou mula, ou o carro-de-bois ou a carroça.
Tudo é conquistado palmo a palmo, ao preço de muito sacrifício pessoal e da família, sem as bondades que as cidades de maior porte já ostentam ou ostentavam, como energia elétrica, telefone, geladeira, rádio, televisão, computadores, coisas mais recentes. Para se chamar um médico, em caso de doença, tinha-se de andar léguas no cavalo ou na mula, na esperança de que o doutor lhe seguisse o exemplo.
Em tempos que se distanciam, afirmava-se que os assassinatos naqueles rincões se davam por questão de "barra": barra de saia, barra de ouro e barra de rio, ou seja: quando alguém avançava em terra alheia, de que os rios eram delimitadores.
Não se admitia que invasões se dessem nas fazendas para que os invasores delas ou removesse ou destruísse os bens que nela encontrassem.
Quem habita as capitais não imagina como é ofensivo esse crime, como agride o proprietário da terra ou os ladrões de algumas cabeças de gado ou uma plantação de milho, feijão e cana. A terra e sua plantação, a criação, são instrumentos indispensáveis ao homem do campo, hoje como no Egito antigo ou na velha Palestina, hoje tão sofrida e belicosa, como antes, pelas mesmas razões.
Assim, o que o MST vem fazendo, em vários estados, é uma apropriação indébita e criminosa, em grande parte das vezes. O pior: contando com o apoio de lideranças políticas e com o dinheiro de contribuinte, inclusive daquele que tem a propriedade invadida.
Trata-se de operações sistemáticas, contando com organização de mestres em invasões, que atuam consoante programa de ações bem esquematizadas, dispondo de meios suficientes para sucesso. Foi o que aconteceu, por exemplo, em São Paulo, na fazenda Santo Henrique, entre os dias 28 de setembro e 8 de outubro, no limite dos municípios de Iaras e Lençóis Paulistas.
Os militantes desse grupo do Movimento, compreendendo cerca de 350 famílias, invadiram a área, em que havia milhares de pés de laranja, e destruíram com tratores o que tinha à frente. Alegavam protestar contra a reforma agrária e decidiram agir por sua conta e risco. Imagine se a moda pega e os cidadãos deste país resolverem solucionar seus problemas e explodir suas esperanças perdidas em protestos desse gênero!
Uma operação de pessoas que recebem dinheiro público, isto é, de que cada brasileiro é participante, não o sendo os próprios membros do movimento. Não é segredo.
O próprio ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, confirma o repasse de R$ 115 milhões do Governo federal, nos últimos cinco anos, a entidades do campo, que, segundo a oposição, seriam ligadas ao MST.
Para o ministro, as transferências de recursos para as entidades rurais objetivam implementar "Ações e políticas públicas do Governo federal" por meio de convênios e parcerias. Segundo S. Exa., antes da autorização dos repasses são realizadas análises técnicas e exame jurídico das entidades. Ter-se-ia assim agido com esse grupo? A ação em Iaras/Lençóis Paulistas se insere entre aquelas "políticas públicas do Governo federal?"
O ministro da Agricultura Reinhold Stephanes, considera a invasão intolerável, fora da competência de sua pasta, um "caso de polícia", "não deveria existir". "Acho que o Governo tem que tomar as medidas necessárias por meio de suas instituições".
E assim fica, mais uma vez. E como vai a sempre anunciada e sempre relegada Reforma Agrária?


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Por Web Outros - 14/10/2009 11:11:12
Seguindo a Coluna

Jornal "Hoje em Dia" - Manoel Hygino dos Santos

Eis um batel de bons livros à leitura. Nada melhor para concluir o ano e "curtir" o restante da primavera e do possivelmente inclemente calor do Verão que se aproxima. Como, há dias, escrevi sobre "Nos Confins do Sertão da Farinha Podre", de Mário Lara, atrai-me agora um tema antigo, mas não esgotado: a Coluna Prestes.
Dário Teixeira Cotrim, professor universitário, autor de vários bons livros, integrante de prestigiosas academias de Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e de Minas Gerais, publicou "O laço húngaro: Uma estratégia militar bem sucedida", que focaliza o golpe que o antigo oficial do exército brasileiro deu nas tropas legalistas que o combatiam no interior do país naquele remoto fim dos anos 20.
Em primeiro lugar, é preciso enfatizar: não se trata apenas de trabalho de pesquisa documental, porque o autor conhece e percorreu grande parte das terras percorridas pelo capitão e seus homens. Muito já escreveu sobre a Coluna, chegando-se não raras vezes à conclusão de que a grande marcha nada resultou de concreto em benefício do Brasil e de seu povo.
Para se entender melhor o objetivo daqueles milhares de brasileiros que se ergueram contra o governo constituído, presidido por Artur Bernardes, seria útil evocar o pensamento de Juarez Távora, transcrito no começo do livro: "A revolta é o último dos direitos a que deve um povo livre para salvaguardar os interesses coletivos; mas é também o mais imperioso dos deveres impostos aos verdadeiros cidadãos".
Prestes somente se converteria ao comunismo anos após, quando chegou à convicção de que a revolução e o ideário de 1930 não correspondiam aos anseios e às necessidades mais caras do povo brasileiro. Ficou suficientemente clara sua posição em manifesto que então assinou.
Daniel Antunes Júnior, do IHGMG, em prefácio lança luzes sobre a motivação da campanha, que exigiu de cerca de 900 homens percorrerem o Brasil, durante 647 dias, de 1924 a 1927, em deslocamentos contínuos.
O prefaciador lança perguntas presentes à memória dos brasileiros até hoje:
"Mas, afinal, que pretendia mesmo a tenentista Coluna Prestes? Salvar a Pátria? Corrigir as mazelas da vida política nacional? Promover, ou propiciar, direta ou indiretamente, o desenvolvimento econômico-social do país? Melhorar as condições de vida de nosso povo?"
O que conseguiu?
Dário descreve os fatos, os avanços e retrocessos dos homens de Prestes, sua disposição de luta, colhe documentos, consegue fotos de lugares percorridos pelo grupo, o sentimento e pensamento das populações, como elas se comportavam diante dos revolucionários e de suas exigências.
É mais, assim, do que o "laço húngaro", uma estratégia que Prestes utilizou para escapar dos contingentes legalistas, em pleno sertão.
Algumas versões da "santidade" dos homens de Prestes são desfeitas por depoimentos que somente agora, em parte, se publica.
O Laço Húngaro foi, inegavelmente, um sucesso. "Os homens do Laço, foram submetidos a uma manobra espetacular que desorientava os seus inimigos. Então, o bravo capitão Prestes alvidrou e depois determinou a execução dessa manobra. Do ponto em que se achava, aproveitando o luar de uma noite enxuta, ele dirigiu os seus comandados para uma região montanhosa e, numa fuga espetacular, ganhava o mundo". O próprio Prestes conta como foi a operação.
Entre os relatos dos fatos, o de Abdênago Lisboa, de Salinas, pelos quais se percebe como "a criatividade humana chega ao extremo, a descrição destes e daqueles desatinos, com os revoltosos, matando gente e, até jogando crianças para cima e aparando-as nas pontas de punhais".
De qualquer modo, um livro que vale a pena ser conhecido, para apagar ou esclarecer descrições inverossímeis sobre os acontecimentos. É a serena e necessária busca da verdade, numa deliciosa viagem em grande parte dos 26 mil quilômetros de idas e vindas pelo interior brasileiro, como comenta Wanderlino Arruda.


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Por Web Outros - 2/10/2009 08:12:56
A doce filha do juiz

Jornal "Hoje em Dia" - Manoel Hygino dos Santos

O advogado-trovador de Contagem, Mauro Pereira Cândido, popular na cidade, sugere que eu redija algumas linhas sobre Alberto Deodato e seu romance "A doce filha do juiz". É, de fato, uma obra de ficção ainda muito lembrada por aqueles que a leram, mesmo não havendo edições novas. Deodato - Alberto Deodato Maia Barreto - nasceu em Maroim, Sergipe, em 1896, e veio para Minas para exercer a profissão, depois de formar-se em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, em 1919.
Em Minas, fez carreira, constituiu família, exerceu o magistério na Faculdade de Direito da UFMG, elegeu-se deputado federal, foi um dos fundadores da antiga UDN, assinou o famoso Manifesto dos Mineiros.
Tinha voz potente, era liberal com seus alunos, gostava da boa conversa, da discussão dos temas jurídicos, literários e políticos.
O professor Dário Teixeira Cotrim, da Unimontes, da Academia Montes-clarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais traz-me subsídios. Deodato foi promotor de Justiça em Pouso Alto e na centenária cidade de Rio Pardo de Minas. Publicou, dentre outros, os seguinte livros: "Senzalas", contos, 1919; "Canaviais", contos, 1921, que recebeu o primeiro prêmio da Academia Brasileira de Letras"; e o mencionado "A doce filha do juiz", romance, 1929, merecedor de menção honrosa da Academia. Não se resumiu a estas criações. Além de textos jurídicos, publicou três peças para teatro: "Flor Tapuia", opereta, 1919, "A pensão de Nicota", comédia, 1920; e "Um bacharel em apuros", comédia, 1924.
Considerado belíssimo o romance "Adoce filha do juiz" por Dário, ao tratar de minudências, costumes e tradições do sertão, não se confundirá a localização do drama na imaginária cidade de Corutuba, não a São José do Gorutuba, que tão bem Haroldo Lívio descreve. Haroldo registra São José do Gorutuba como povoado centenário, situado no município de Porteirinha, próximo a Janaúba, tendo pertencido ao vastíssimo município de Grão-Mogol. Foi rico distrito produtor de gado bovino e suíno, de algodão e cereais, composta sua área de latifúndios de propriedades de antigas famílias do Norte.
A Gorutuba, cenário do romance de Deodato, é fictícia e deve corresponder a Rio Pardo de Minas, no século passado, quando Deodato foi promotor na comarca. No seu livro, consta que o Rio Preto corre paralelo a uma ruazinha, onde os tropeiros se arranchavam para descanso. Falavam dos causos acontecidos e das "assombrações do Urucuya, do phantasma da cruz do Ribeirão, das sezões do Jequitahy e da tentação da cabocla brejeira que mora no Rancho, à beira de um riacho, pra lá da ponte velha, cujos olhos pretos pegam que nem visgo e os beijos sabem a sapoti".
Não cheguei a conseguir um exemplar, sequer nos bons sebos. É romance que poderia, ou deveria, ser reeditado, agora que o Governo de Minas cuida de fazê-lo com a ficção de outros importantes autores de Minas ou que fizeram do Estado o seu lar.
O livro de Deodato, como aí escrito, foi publicado em 1929, quando eu não era nascido. Mas vou transcrever o que disse o professor da Unimontes, para atender a Mauro Pereira Cândido:
"Descreve o autor a história da jovem Maria Helena, que tinha "o jambo das faces, na jaboticaba dos olhos e na pitanga da boca".
"Além da formosura do corpo, junta-lhe a beleza da alma. Lembra-nos a descrição do ilustre acadêmico José de Alencar sobre a sua doce e bela Iracema, "A virgem dos lábios de mel", que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira".
O drama dos personagens de Deodato, Maria Helena e o jovem João Lúcio, comoveu os leitores de outrora.
O autor valorizou os encantos da mulher da região e, com pinceladas as inspirações telúricas em ambientes humílimos, mostrou o que há de melhor na literatura regionalista mineira. O romancista adaptou a linguagem ao tema, sem prejuízo dos fatos narrados.


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Por Web Outros - 24/9/2009 08:15:39
Os tambores ainda ruflam

Jornal "Hoje em Dia - Manoel Hygino dos Santos

Enganam-se os que pensam que agosto passou. Há muitos agostos pela frente que, respeitando as tradições de nosso povo, manterão viva uma fonte inesgotável de amor a tudo que é sagrado e mais caro ao coração.
"Festas de Agosto: Fatos, fotos e fitas", de Ângela Martins Ferreira, atesta-o de maneira límpida. Haroldo Lívio, do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, que entende profundamente do tema, a começar porque o ama, tem absoluta razão quando afirma, referindo-se ao livro: "Este bem elaborado documentário poderia, muito bem, salvar as Festas de Agosto, numa eventual ameaça de extinção.
Disse documentário, mas se o leitor preferir, poderá chamá-lo de reportagem fotográfica, memorial descritivo ou álbum, como queira, que o brilho será o mesmo".
Referendo, se necessário fosse, em gênero, número e grau, o julgamento de Haroldo Lívio. Mas se há de ter cuidado com essa imensidão de beleza que existe em tantos lugares de Minas Gerais e se vai arruinando, em nome de um pretenso progresso, do ingresso de novos costumes nas práticas diárias, em grande parte importadas, sem nenhum liame conosco.
Advogado, escritor, pesquisador, homem de bom gosto e sensibilidade, adverte que "dá arrepio pensar que esse festival da Cidade das Artes e da Cultura já poderia ter acabado, na voragem do progresso material e do crescimento urbano acelerado". O "celerado", faria eu o reparo.
"Retumbam os tambores em meu peito,/Tremulam as fitas em meu coração./É agosto, mês das festas folclóricas! Como num forte chamado, sigo as ondas sonoras que me trazem os ventos para ver de perto a beleza do tradicional desfile", escreve a autora.
Mas, cuidado, sim: nesse mundo frenético, "formidável", na verdadeira acepção do adjetivo, tudo seria possível. Ângela, assim, faz um convite-intimação para que não nos inclinemos passivamente ao frenesi demolidor.
Há iniciativas e vozes em defesa dos bens com tanto sacrifícios construídos ou preservados até agora.
Mas os defensores das melhores causas não podem exaurir-se ou omitir-se. Há tramas sendo urdidas, projetos germinando ou se definindo entre aqueles que não nutrem amor ao passado e à obra que os ancestrais legaram.
Os tambores de agosto servem de severa advertência aos que se dispõem a destruir aquilo que não ergueram e pelo qual não têm apreço e respeito. Em qualquer cidade, grande ou pequena, valores são simplesmente desprezados e sequer uma cruz se afixa ao solo para dizer que ali houve vida, calor humano.
As cidades deixam-se invadir por ideia alienígenas, movidas principalmente pela voracidade financeira ou por vãos projetos de originalidade, que antes de tudo descaracteriza a comunidade.
Em minha terra, eliminou-se o prédio do velho Mercado Municipal, um marco na arquitetura local e nos costumes da região.
Foi o ponto de encontro de produtores rurais, sobretudo os pequenos, que para ali levavam à venda o que plantavam ou criavam, para dividi-los com sociedade. Era um espetáculo eminentemente democrático, unindo ricos e pobres, em torno dos pequenos bens que os ajudavam aos homens da roça a viver.
A feira dos sábados constituía a festa que atraía os humildes para o encontro semanal, possibilitadora das compras no comércio local, da visita aos templos, de reencontro de pessoas e famílias. Mas em nome do progresso, tudo cessou e o antigo relógio que marcou as horas de gerações não mais toca para advertir que o tempo não para.
Velhos casarões desapareceram do panorama urbano, como o Mercado, como o Colégio Diocesano. Mais recentemente, surgiu a ideia estulta de se extinguir a Praça de Esportes, em que se forjaram gerações de atletas e de jovens saudáveis. Pior em tudo é que há aqueles que apoiam os planos demolidores. Jornalista local, estarrecido, pergunta: "Quem nos acudirá? Todos são convocados à grave decisão.


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Por Web Outros - 22/9/2009 07:44:29
Nossos infortúnios

Manoel Hygino - Jornal Hoje em Dia

Medito. Sobre fatos e números. No segundo dia de setembro ainda não primaveril, li a estatística da gripe suína. Não fica bem a denominação. Influenza A1N1 cai melhor.
E até aquela data, segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde, subira para 22 o número de mortos pela enfermidade em Minas.
Em contraposição, em minha querida cidade natal, até então, neste ano, se tinham registrado de 49 homicídios.
Em um deles, como acontece mui comumente, a vítima e o assassino eram jovens. Aquela, comerciante, 21 anos; o segundo ex-presidiário, 22 anos, desocupado.
São problemas graves, que o brasileiro sente e continuará sentindo, porque não são de fácil e definitiva solução. Para ambos, poder-se-ia admitir o que declarou o médico Nilton Cavalcante, do Instituto Emílio Ribas, de São Paulo, ao registrar que a gripe suína irá circular por muito tempo no Brasil. E a violência também, digo.
As medidas finalmente tomadas pelo poder público nos dois casos darão resultado.
As ocorrências devem diminuir (as da suína), depois voltam a aumentar, e nós teremos que aprender a "lidar com a doença". Eu passaria ao plural a palavra final.
Vejamos o seguinte: Os casos do H1N1 estão aumentando entre crianças com idades de 5 a 14 anos, já representando 12% dos infectados no Brasil.
São grupos mais suscetíveis à nova gripe do que a sazonal. Também quanto à violência, o fenômeno se repete, embora eu não tenha à mão, agora, estatísticas.
A doença, o crime, a inflação, a corrupção exigem eterna vigilância. Eles estão latentes em todas as sociedades, não permitindo que se descure. A profilaxia é o melhor remédio, mas não pode abandonar a terapêutica.
A leitura dos jornais leva à conclusão de que esses temas se incluem entre os que mais interessam à sociedade, ela hoje com mais consciência de deveres e de direitos.
A luta contra esses males há de ser mantida, para que eles não se agravem, por aprofundamento e ampliação.
Procuro dar uma síntese do que acontece. No que tange à suína, a diretora da Organização Mundial de Saúde, Margaret Chan, afirma que 60% das mortes são em pessoas com problema de saúde, e os 40% restantes correspondem a jovens adultos saudáveis.
Observa: "Este vírus viaja em uma velocidade incrível, inédita. Em seis semana, percorreu a mesma distância que outros vírus em seis meses".
No Brasil, em que se acomoda rapidamente às circunstâncias, vê-se que as pessoas não temem mais a H1N1 como nos primeiros dias. Constitui um grave erro. Agora mesmo, médicos relatam uma forma severa da gripe suína, que vai direto aos pulmões, causando doença grave e exigindo tratamento hospitalar de alto custo.
O alerta é sério. No Brasil, já temos problemas demais, e sérios, na área de saúde. Não se permitirá que a acomodação nos leve a novos impactos neste campo.
A própria OMS registrou, há pouco, que alguns países apresentam 15% de pacientes infectados e que precisam de cuidado hospitalar.
"São vidas que dependem de cuidado altamente especializado em unidades de tratamento intensivo, em geral com permanências longas e caras". Nós sabemos o drama que são os CTIs no Brasil, seu alto custo em equipamentos e manutenção.
Já se falou em gripe e violência, tocou-se de leve em inflação e corrupção. Mas, nesta hora de euforia com relação à economia, há de atentar-se também, porque já se trata euforicamente o assunto. A depressão terminou, dizem autoridades, que antes afirmavam que ela inexistia. Pois bem.
O antigo presidente do "Federal Reserve", o Banco Central dos Estados Unidos, Alan Greenspan, já anunciou que o mundo sofrerá outra crise financeira. Ela virá como uma reação a um longo período de prosperidade. É indispensável alertar.
Não há felicidade para sempre. Pelo contrário, ela costuma ser curta. Há muito, porém, a se fazer para que os males não ocorram ou não sejam duradouros.


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Por Web Outros - 21/9/2009 07:54:26
Uma ponte com a Europa

Jornal "Hoje em Dia" - Manoel Hygino dos Santos

Foram apenas quatro. O número é de cidadãos nascidos na Bulgária que conheci até hoje. Se passou disso, houve algum lapso na memória. Dos que guardo lembrança muito vívida, apenas um remanesce, meio búlgaro, bastante brasileiro. O sobrevivente é Konstantin Chirstoff, nascido em Stratitzia, em 1923, filho de Christo Raeff Nedekoff e Rossa Christova. Veio para o Brasil em 1928, para exercer o ofício de horticultor, em Montes Claros. Em 1933, Rossa, dona Rosa, e os filhos se transferiram para a cidade norte-mineira, onde os rapazitos fizeram o curso ginasial.
Rayu, o primogênito, fez Engenharia Química Industrial em Belo Horizonte. O segundo, Konstantin, se formou em Medicina na UFMG, conviveu com grandes médicos e artistas plásticos. Tornou-se, no retorno, chefe do Serviço de Cirurgia da Santa Casa de Montes Claros, participando da criação da Faculdade de Medicina da cidade, depois titular da cadeira de Técnica Cirúrgica. Mas não vou agarrar-me às reminiscências. Consagrado como médico, consagrou-se também como pintor, dos maiores que o hemisfério tem presentemente. Suas mostras atraem plateias do Brasil e fora dele. Ficou como único búlgaro que ora conheço, pois Rayu morreu prematura e dramaticamente. Se são poucos os búlgaros que chegam até nós, e a recíproca poderia ser verdadeira. Mas não tanto assim. Tanto que acaba de ser publicado, em Sófia, a antologia poética "Lua da Fonte/ Elegia de Varna", do carangolense Anderson Braga Horta. O volume contou com seleção, prólogo e tradução para o búlgaro de Rumem Stoyanov.
A edição, bilíngue, a cargo da editora Ogledalo, sediada na capital búlgara, contou com apoio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e da Embaixada em Sófia. Devem-se as capas e ilustrações a Montehil Stoyanov, arquiteto e artista plástico daquela nacionalidade, residente em São Paulo. No prefácio, o tradutor, nascido em 1934, ressalta que Anderson Braga Horta é o brasileiro que mais tem feito pela divulgação da literatura daquele país nesta parte sul-americana do mundo.
Trata-se de um fato relevante, por motivos vários: o primeiro livro traduzido do búlgaro ao português, sem intermediação de outro idioma, foi a antologia "Observatório", de Liubomir Levtchev, façanha de Anderson, que se incumbiu também de redigir o prólogo "Uma Janela para a Poesia Búlgara", com seleção e tradução de Rumen. Aconteceu em 1975, na capital paulista. Quase três décadas após, em Brasília, saíram os "Contos de Tenetz", em 2004, de Yordan Raditchkov. Stoyanov recorda que, em 2005, quando o presidente Gueorgui Parvanov esteve no Brasil, em visita oficial, ele apresentou a obra durante um recepção na embaixada daquele país, Anderson o saudou pelo liame que se estabelecia. Um exemplar foi oferecido pelo visitante ao colega do Brasil, Lula da Silva. O fato não ficou isolado: "Contos de Tenetz" mereceu resenhas em revistas, jornais, suplementos literários e culturais, páginas na Internet, cartas, tudo demonstrando que portas se abriam ao mais amplo relacionamento entre duas nações, que - se distantes geograficamente - podem viver mais perto nos corações. Stoyanov sublinha que, poeta de pai e mãe (o que é absolutamente verdadeiro, ambos mineiros), Anderson foi o primeiro brasileiro a participar dos Encontros Internacionais de Escritores em Sófia. Sua atividade de poeta, ensaísta, contista, crítico literário e tradutor lhe valeu numerosos e importantes prêmios. O escritor búlgaro acrescenta: "A partir de 1972, Anderson Braga Horta toma parte da comunicação búlgaro-brasileira, e a edição de sua poesia na Bulgária é uma homenagem, ainda que modesta, pelo que fez. Sua poesia é contida, densa, contando com a sinceridade, a concentração, a força íntima, e não com ostentação, fogos artificiais verbais e truques exteriores". A poesia de Anderson e a pintura de Konstantin fazem uma ponte entre suas nações que podem ter feliz convivência.


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Por Web Outros - 1/9/2009 10:29:45
Pode ser rendenção

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Será redenção? O Norte do Estado sempre lutou por um lugar na vida econômica do Estado e do país mais claro, mais seguro. Não diria que seria um “lugar ao sol”, porque sol é o que não falta na grande região, que até já se sentiu indignada a separar-se do restante território, tão pouca a atenção dos políticos às suas reivindicações e necessidades.
Agora parece que, principalmente pela força da natureza, as coisas começam a acontecer. A natureza é pródiga, ou Deus, como se quiser. A verdade é que riquezas havia no sertão abandonado pelos poderes públicos, que somente agora são ou serão postas a serviço do homem e da pátria.
O Norte poderá ser um precioso instrumento de desenvolvimento regional com a utilização das reservas de gás na Bacia do São Francisco. Durante décadas, as pessoas viram o gás supitar da profundeza da terra, soltando fumaça, servindo para aquecer as panelas dos alimentos dos tropeiros. As autoridades faziam de conta que nada sabiam, como certas testemunhas de crimes tornados públicos.
Graças à evidência centenária, ao esforço de alguns e à sua tenacidade, finalmente se acordou para a possibilidade de aproveitamento econômico do gás, com poços já sendo perfurados. Será mesmo que há gás economicamente viável? Indagam os incréus. A primeira coisa que se teria e fazer era pesquisa, e finalmente agora o trabalho tem início.
Mas não é só. Se as Minas eram gerais, por que não atingiam o Norte? Ouro e pedras preciosas fizeram a grandeza e apanágio de cidades históricas. Mas havia mais a explorar, não cingida aos limites do Quadrilátero Ferrífero. Será que Deus ou a natureza teria feito uma perniciosa distribuição de minerais, privilegiando alguns? A resposta aí está.
Teófilo Otoni é considerada a capital das pedras preciosas. Há cidades com nomes de Turmalina e Pedra Azul, e Diamantina fica no Alto Jequitinhonha. Há Minas Novas, cujo topônimo é autoexplicável.
Cuida-se, ainda, de construção de um complexo industrial de mineração. Contará com mina, usina, ferrovia ou mineroduto e de conseguir porto marítimo, tudo com capacidade de geração de cinco a dez mil postos de trabalho.
A região, ao longo do tempo, dedicou-se à agropecuária. Assim seu povo se manteve e sobreviveu durante séculos. Logo, ganhará novas formas e melhores condições de vida. Um Consórcio Corporativo, que recebeu o nome de Novo Horizonte, pretende beneficiar o minério proveniente de uma reserva, com área equivalente a um terço do município de Belo Horizonte. A produção é estimada em 10 bilhões de toneladas, estando localizada em vinte municípios, entre os quais Salinas, Rio Pardo de Minas, Grão Mogol, Porteirinha e Nova Aurora.
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico quer apoiar projetos de infraestrutura, elaborar projetos de planejamento logístico, e atrair investimento internacionais dos setores de tecnologia e equipamentos para mineração. É um plano ambicioso, tão grande quanto as necessidades por que passaram e passam as populações da região, ainda tão carente do interesse e presença do poder público de ferro. As jazidas de ferro identificadas se colocam como das maiores do mundo. O fato de o teor de ferro estar abaixo do minério do Quadrilátero, não diminui a importância dessa riqueza. Por enquanto, tudo é plano, mas é assim que se começa. Nada nasce feito e o essencial é que haja efetivamente vontade, para atender aos reclamos da gente trabalhadora do Norte do Estado, Mucuri, Rio Doce e Jequitinhonha.
As reservas minerais, cinco vezes maiores do que as de Carajás, podem ser a redenção. E dela necessitamos, mais do que nunca, antes que a população continue se transferindo para as grandes centros brasileiros, onde esperam encontrar Canaã e se decepcionam.


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Por Web Outros - 23/8/2009 11:44:38
A voz que se cala

Manoel Hygino (Hoje em Dia)

Preferiria que alguém mais habilitado ao comentário o fizesse, hoje. Sugeriria que Roberto Elísio, que tem alma de poeta; ou Antônio Tibúrcio, se ainda entre nós se encontrasse, ambos de Santa Luzia; mesmo o luziense José Bento Teixeira de Salles, com igual sopro de nostalgia quando trata de tema que tanto toca o coração.
É que, segundo Raquel Chaves (oh, estes Chaves!) em 13 de agosto - agosto, treze -, Montes Claros perdeu, no começo da tarde, a bela voz de Nivaldo Maciel, o seu último grande seresteiro. Foi fazendeiro, vereador em dois mandatos, mas a sua grande marca foi a voz, que encantou gerações de norte-mineiros.
Raquel (eu gosto de citar nomes e sentimentos) observou que a cidade viu partir um dos seus grandes cidadãos. O Grupo de Serestas João Chaves lamentava partir mais uma voz de rouxinol. Nivaldo foi ao encontro dos amigos seresteiros, Hermes de Paula, Raymundo Chaves, Gilberto Câmara, Luís Procópio, Adélia Miranda, Ducho, Virgílio de Paula, Beto Viriato, Telé, João Chaves, o irmão Benedito, e tantos outros amantes da boa seresta. Ouvi, alguma vez, Nivaldo. Alguma vez (ou me engano?) identifiquei-o nas proximidades de onde resido em Belo Horizonte, no Bairro do Cruzeiro. Mas, o que vai definhando, mais que o cidadão, é um estilo de vida, um modo de encará-la e às circunstâncias, uma expressão musical, porque - a cada dia - os cantores de belas músicas de amor, na morna noite de extensas regiões do Brasil.
Não sei exatamente porque, mas a fama de serestas ficou atribuída às cidades históricas do circuito do ouro: Diamantina, por exemplo; ou São João del Rei. Mas a modinha estava enclausurada no mais íntimo dos boêmios que há em cada ser humano, aí pelos sertões adentro.
Nélson Vianna, escritor de mérito, engenheiro formado pela tradicional Escola de Ouro Preto, culto, nasceu em Curvelo, mas adotou a minha terra natal como também sua. De volta de uma viagem de serviço, a cavalo, à noite, conta o sentimento em que foi envolvido no regresso. Não escapo ao desejo de transcrever-lhe trecho do depoimento:
“Quando penetro afinal pelas ruas quase desertas, atento em um ou outro transeunte retardado que apressa os passos para recolher-se a penates. Ah, a quietude desoladora, o silêncio impressionante de uma povoação adormecida!...
Mas, não! Chegam-me aos ouvidos sons distantes e harmoniosos de flauta e de violões, vindos de um ponto qualquer que não posso localizar com precisão, mas de que me aproximo, à medida que sigo o meu caminho...
Retenho os passos da alimária e observo, a pouca distância, debaixo de uma árvore, meia dúzia de seresteiros absorvidos na afinação de seus instrumentos. Contemplo-os com simpatia, quase com ternura - afinal, são almas sonhadoras, gêmeas da minha - e vou-me afastando lentamente, levado ao capricho do passo vagaroso do animal cansado.
E é já entrando na rua do Bate-Ouro, onde fica a pensão em que moro, começo a ouvir a voz bonita, quente e profundamente sentimental do inveterado boêmio José de Siá Deca, quebrando o silêncio da noite enluarada, gemendo as suas penas, cantando a velha e terna modinha que tantos olhos formosos umedeceu, e fez palpitar o coração de tantas e tantas jovens apaixonadas: ‘É a ti, flor do céu, que me refiro, /neste treno de amor, nesta canção...’”
A cidade é uma das capitais da seresta, este gênero que se vai perdendo na obscuridade do tempo inclemente. Não nascem mais seresteiros como outrora, restando ali, porém, ainda resistência admiráveis como a do Grupo de Serestas João Chaves, aos cuidados generosos de Lola. Ela, filha do famoso jurista, compositor e instrumentista João Chaves e Maria das Mercês, dá continuação à tradição de bom gosto e sensibilidade que a moderna e rude época que vivemos e vai esmaecendo. Mas nem tudo morre. O escritor Haroldo Lívio recorda que, conforme a tradição, quando se completou uma semana do falecimento do boêmio Silva Reis, um bando de seresteiros aos acordes de flauta e bandolim, cantou à beira de sua sepultura, enternecedoras músicas que ele amava.


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Por Web Outros - 16/8/2009 12:06:46
Os dois imortais

Manoel Hygino (Hoje em Dia)

Quando pronuncio o nome de Hernani Fittipaldi, geralmente a primeira pergunta é: “É parente do Émerson, o campeão mundial de Fórmula 1?. E é, o Hernani é seu tio, gaúcho, nascido nas barrancas do Rio Uruguai, na fronteira com Argentina.
Hernani ingressou na Aeronáutica, foi piloto e ajudante-de-ordens de Getúlio Vargas, presidente da República, acompanhando-o até o desfecho trágico. É autor de “Histórias do piloto e ajudante-de-ordens de Getúlio Vargas, publicado pela TV Mais, em 2007.
O piloto da Aeronáutica, em 1952, já estava com Vargas no Catete para este cumprir seu mandato presidencial. Ao final de audiência com o ministro das Relações Exteriores, João Neves da Fontora, Getúlio, ao receber um livro de presente, afirmou:
Eu gosto de receber livros, especialmente deste jovem talentoso. O nome ainda será famoso.
O militar pegou o livro a que o presidente se referia e leu a dedicatória: “A Getúlio Vargas, com sincera admiração e profundo respeito, oferece J. Guimarães Rosa, Rio, 1952.
Nome do livro: “Com o Vaqueiro Mariano”. Edição Hipocampo, Niterói. Pela originalidade na forma e conteúdo que escolhera os sertões, o homem, os falares e deveres, Getúlio previa sucesso crescente na carreira literária de Rosa, se perseverasse na trilha, mais um estrela das letras do qual de tornaria admirador e por quem sempre perguntava, isto no início de carreira do escritor mineiro. Anos mais tarde, Rosa seria eleito para a Academia Brasileira de Letras, tornando-se confrade de Getúlio, empossado na Casa de Machado de Assis, falecendo dois dias após a solenidade.
Manuelzão ficou mais tempo que o companheiro de andanças pelo sertão. Napoleão Valadares, homem do Urucuia, escritor da mais alta competência e do melhor agrado, lembrou os fatos. Comentou: “Parece que a indesejada das gentes está solta contra os personagens de Guimarães Rosa. Advertiu: “Espere aí, dona indesejada. Deixe ainda com a gente o Bindoia e o Zito, ali em Andrequicé, quietos.
Deixe os últimos vaqueiros de Rosa. Ele ainda têm muita coisa para contar daquela viagem que fizeram da fazenda Sirga para a fazenda São Francisco. Podem até esticar um pouco a história da mula Balalaica, chegando mais perto do Burrinho Pedrês”.
As coisas que poderiam ser descritas sobre Rosa e seus personagens-companheiros de jornada talvez já tenham sido transmitidas. Tudo vira passado, o tempo é impiedoso e infatigável. Só de formatura, o escritor, que foi colega de Juscelino na Faculdade de Medicina, são transcorridos 92 anos. A turma foi de 1927, composta por jovens ilustres.
As gentes de minha terra, que adoram Rosa e o estudam com devoção, e o leem e o admiram, não têm o que contar sobre o predestinado autor de Cordisburgo, que tanto falou em Montes Claros, até porque a cidade, por sua significação, não poderia ficar ignorada.
Rosa não teve maiores contatos com montes-clarenses, sequer teria estado na cidade, segundo Haroldo Lívio e outros historiadores locais e da região. O próprio Haroldo descobriu uma pista, quando uma equipe da TV Globo esteve ali para estudar filmagens do seriado “Diadorim”.
Mas o grande autor não visitou a cidade, apenas por ela passou, alguns minutos, pelo trem da Central do Brasil, ferrovia que ligava extensas regiões de Minas. Ele ia para Janaúba e não tinha jeito senão transpô-la. O escritor estava acompanhado de Manuelzão.
O personagem do romancista, contou a Walter Avancini, diretor do projeto da televisão, que Rosa não desceu sequer para tomar um cafezinho na estação, na gare que recebera Melo Viana em 1930, na famosa “emboscada de bugres”, aludida por Assis Chateaubriand.
Parece que tudo está virando pretérito, definitivamente.


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Por Web Outros - 1/8/2009 11:35:06
Com o pé na lua

Manoel Hygino (Hoje em Dia)

Aconteceu em julho, os jornais do mundo já lembraram. Em 24 do sétimo mês do ano, em 1969, três astronautas americanos regressaram, com segurança, à Terra, depois da sempre sonhada viagem ao nosso satélite.
Lá, deixaram instrumentos científicos, uma bandeira dos Estados Unidos, e uma placa com suas assinaturas, a do presidente Nixon e uma curta mensagem: “Aqui os homens do planeta Terra pisaram pela primeira vez na Lua. Julho de 1969. Viemos em paz, em nome de toda a humanidade”.
Bela mensagem, insofismavelmente! Pena que outras mensagens de Tio Sam não tenham sido afixadas em muitos países da Terra, com idêntico voto e augúrio. Em todo caso, mesmo com as restrições de homens livres e nações pobres do planeta em que vivemos, os súditos de Tio Sam deram prova suficiente de sua grandeza tecnológica e da riqueza material capaz de conduzir o ser humano a um satélite.
A descoberta, ou melhor, o desembarque de Neil Armstrong, na Lua, o primeiro terráqueo que lá desceu, contribuiu para arrefecer a poesia dos amantes, dos namorados e dos boêmios. E dos poetas, antes de todos ou com todos.
Não sem razão Camilo Castelo Branco classificou o poeta como o amante da noite, da solidão, da Lua, das estrelas do mar. Os sonhadores, e os poetas especialmente o são, amam a Lua e o luar, vivendo como por cá se diz, no mundo da Lua. Embora não aprecie, pudico talvez que seja, indago sobre a afirmativa de que os que têm sorte, nasceram com os fundilhos para a Lua. Por quê? Não sei explicar.
As viagens humanas aos planetas e satélites vão desfazendo mitos e superstições seculares, milenares. Mas o bom da vida é o mistério, a descoberta contínua do desconhecido. De velhos tempos resta muito de belo no coração e nas lembranças. Para o boêmio, a Lua ainda merece ser cantada. Para o homem simples do interior, ainda há interesse em olhar o satélite em noites esplendorosas, tentando nela identificar a figura de São Jorge, montado sem eu ginete, no enfrentamento do dragão feroz. O mesmo santo que, em estampas coloridas, se via dependurado nas paredes dos bordéis.
Cronista de Montes Claros, que se esconde no pseudônimo de Teixeira, observa que na região o frio é mais intenso em julho, superando o de junho, o mês das fogueiras. Agora que agosto chegou com o advento triunfal das Festas, que são gáudio do sertão mineiro e seu orgulho, identificam-se os ventos, permitindo voltar o que lá se chama “arara”, e não “pipa”, expressão paulista.
A comemoração dos 40 anos do desembarque e passeio do primeiro do primeiro humano à Lua já é registro histórico. O homem avança pelo espaço em busca do meio ambiente que aqui se degradou e de bens materiais que nos faltam ou cá jamais existiram.
Edwin “Buzz” Aldrin, um dos cidadãos americanos que foram à Lua com Neil Armstrong, apelou ao Congresso e ao povo de seu país para que recordem a missão Apollo 11 e a usem como fonte de inspiração para ir a Marte:
“Estados Unidos, vocês ainda têm um sonho? Vocês ainda acreditam em si mesmo? Peço à futura geração e a nossos dirigentes políticos que deem esta resposta: sim, podemos”.
Armstrong, o pioneiro a pisar o solo lunar, qualificou a missão de que participou como uma competição pacífica entre EUA e União Soviética: “Ela permitiu que os dois lados tomassem um caminho elevado, voltado para a ciência, o conhecimento e a exploração”. Aparentemente, não identificou razões maiores para o grande conquista espacial.
Aldrin comentou seus primeiros passos no satélite: “Um lugar tão desolado, tão completamente sem vida. Provavelmente não tenha mudado muito nos últimos 100 mil anos”. E o homem, na Terra, terá mudado para melhor?
Disse o cronista que, naquele já remoto 20 de julho de 1969, a ciência ou a voracidade das nações poderosas tomou a Lua dos namorados. “É preciso retomá-la urgente”.
Recordemos Chiquinha Gonzaga na velha República, em valsa memorável: “Ó! Lua branca de fulgores e de encanto, / se é verdade que ao amor tu dás abrigo/ vem tirar dos olhos meus, pranto/ Ai, vem matar essa paixão que anda comigo...”


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Por Web Outros - 17/7/2009 10:19:43
A suína e a espanhola

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Ainda que o bom senso prevaleça, resta o “non sense” das palavras. Houve crise econômica, e não saímos inteiramente dela, nós e os demais países do primeiro mundo e os emergentes; há o risco da influenza AI N1, a famigerada gripe apelidada de suína. Toda a sociedade tem de precatar-se para evitar males maiores. Felizmente, existem neste país, hoje como outrora, pessoas que cuidam de zelar pelo bem público. Caso contrário...
A Argentina foi, ou é, das nações que mais sofreram com o vírus da influenza. Cuidadosas e rigorosas medidas se adotaram, porque imprescindíveis. Nas outras nações, igualmente aconteceu. Aqui, o mesmo se deu, para que a omissão não levasse muitos milhares de pessoas aos hospitais ou aos cemitérios. Aureliano usava a expressão “tapar o sol com a peneira”. Tinha razão. Não adianta esconder. Tanto havia risco da suína que a Secretaria do Estado da Saúde, em 1º de julho, previa que, em três meses, 10% da população de Minas - ou seja, 1,9 milhão de pessoas - poderia estar contaminada. Se isso ocorrer, subirá para o nível 3, última fase do plano estadual de enfrentamento da doença. Àquela altura, em Minas, havia 90 casos confirmados da doença e 680 em todo o país. As cidades-polo do Estado funcionarão como barreira biológica contra o vírus. Foi o que se anunciou.
Em princípio de julho, a Argentina tinha 100 mil infectados pela gripe, que matara 44. Quem o disse foi o ministro da Saúde, Juan Manzur, que - mesmo não acreditando possivelmente em bruxas - cuida de proteger a população contra elas.
Disse acima: em Minas, no dia 1º deste sétimo mês, somavam 90 casos de infectados, quando energúmenos diziam não haver perigo. Pois no dia 7, mais 20 novos casos se registraram, enquanto em todo o Brasil, o número totalizava 905.
Mesmo com o desmentido inicial sobre gripe suína, no dia 28 de junho foi registrada a primeira vítima em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Foi sepultado “morto”, para que não pairem dúvidas, um caminhoneiro, em sua cidade natal, Erechim. Tinha 29 anos, era homem sadio, e estivera na Argentina a trabalho. Cinco da família estavam infectados.
Enquanto a mais alta autoridade do país declarava que a gripe era uma balela, o ministro da Saúde, dentro da realidade, com sua grave responsabilidade com a nação que o acolheu (ele é português de nascimento), fez o que devia e está sendo feito.
Ora, o Brasil é um país perigoso, de gente se deslocando de um lugar a outro incessantemente, inclusive em busca de emprego. Para as autoridades sanitárias, a suína é semelhante ao vírus da gripe comum, variando de 0,3% a 0,4%. O Brasil já está em 0,16%.
Caio Rosenthal, do Hospital Emílio Ribas, referência no Brasil, lembrou que o tratamento da pneumonia causada por vírus - no caso, a influenza -, é mais difícil do que o pela influenza por bactéria. Foi muito claro.
“Existem casos de morte por gripe comum pura e simples. É um capricho da biologia. Os fatores de risco aumentam as probabilidades”, disse a infectologista Maria Cláudia Almeida, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ora, somos um povo mal nutrido, com milhões quase ao nível da pobreza, desprovidos de assistência médica adequada na hora necessária.
Te esconjuro!
Os veículos de comunicação seguiram em sua interminável rotina, relacionando os casos de gripe suína que se registravam cotidianamente. Cumprem sua missão e não omitem. Quando jogadores e torcedores procedentes de La Plata, Argentina, chegaram para o jogo final da Libertadores da América, no Mineirão, as autoridades sanitárias tomaram as indispensáveis precauções contra a influenza. Ainda assim, aumentavam a contaminação no país e crescia o número de mortos. Claro que imensamente menor do que a espanhola. Enfim, a ciência evoluiu.


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Por Web Outros - 14/7/2009 08:01:07
O gás também é nosso

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Tem sido uma longa luta para responder ao apelo do subsolo. Há décadas e décadas, séculos, fluem gases que servem para os viajantes por distantes paragens do território mineiro aquecerem suas panelas e cozinharem sua comida simples ou fizerem seu café.
Da Terra vem o grito: tirem-me daqui, libertem-me. Mas o homem, descuidado e sem interesse, preferiu considerar o fenômeno como mera curiosidade. Um dos pontos mais populares foi apelidado de Ribeirão do Fogo, e a denominação diz tudo. Após ingentes e contínuos apelos da coletividade, apoiada pela imprensa, de que este jornal é exemplo e o seu escriba veiculador de apelo, as autoridades se inclinaram às evidências. Um consórcio começará a perfurar, em setembro, o primeiro poço de gás natural na Bacia do Rio São Francisco, no Norte de Minas.
Este princípio será no Bloco 132, a Oeste da represa de Três Marias, com investimento de R$ 10 milhões. O anúncio se fez em Pirapora, por Sérgio Barroso, secretário de Estado do Desenvolvimento Econômico. No mês que vem, estará definida a localização exata da primeira perfuração: em Morada Nova, Biquinhas ou Paineiras.
As reservas de gás natural da Bacia do São Francisco foram objeto de debate, no primeiro dia deste mês, no Centro de Convenções de Pirapora, por ocasião da Audiência Pública ali realizada, solicitada pela Comissão de Minas e Energia da Assembleia Legislativa, presidida pelo deputado Gil Pereira.
As mais altas autoridades do setor lá se encontravam, recepcionadas pelo presidente do Legislativo de Minas, Alberto Pinto Coelho, e pelo prefeito Warmillon Fonseca Braga. Faço o registro. Também lá compareceram Haroldo Lima, presidente da Agência Nacional de Petróleo; Bernardo Ariston, presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados; Sávio Souza Cruz, presidente da Comissão de Minas e Energia da Assembleia, tendo o presidente da ANP feito uma exposição sobre as potencialidades das jazidas de gás e agilitação (com t é a grafia correta da palavra) para sua exploração.
Debatedores: José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobrás; Djalma Bastos de Morais, presidente da Cemig; José Carlos de Mattos, presidente da Gasmig; Robson Braga de Andrade, presidente da Fiemg; Oswaldo Borges da Costa Filho, presidente da Codemig; e Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Levínio da Cunha Castilho, Vasco Dias e Petrônio Zica, presidentes das empresas que participarão da exploração em 128 mil quilômetros, divididos em 43 blocos. Encontrar gás e comercializá-lo é somente uma parte da questão. O mais importante, o fundamental, é definir se o Estado será efetivamente potência na exploração do produto, resultando na redenção econômica de municípios do Alto Paranaíba, Noroeste e Norte de Minas.
É um passo importante, que já deveria ter-se dado há muito tempo, contribuindo para amenizar a situação de pobreza de extensas áreas dos territórios de Minas Gerais. Demorou, demorou demais, mas pior seria se tudo permanecesse estagnado.
A geóloga Eliane Pettersohon, da ANP, adverte que os estudos ainda não indicam o total da jazida no Norte de Minas, como aliás já se sabia. No entanto, ela própria observa que há indicativos de que possa ser explorada comercialmente. Com isso, reduzir-se-ia nossa dependência do produto boliviano.
Um coisa é certa: até 2010, todas as empresas vencedoras dos lotes deverão começar a perfuração dos poços, o que constitui uma grande esperança e um excelente alento a muitos milhares de pessoas que habitam a região, mantida até aqui refém de promessas não cumpridas. Nesta hora, lembro: Quando um certo técnico norte-americano esteve no Brasil, há muitos anos, atestou publicamente que neste país não havia petróleo. Hoje, vê-se que não era verdade. À Mr. Link, provavelmente a serviço de poderosos grupos internacionais, não convinha achar hidrocarboneto por aqui. Finalmente, é a vez do gás, pelo qual o engenheiro Levínio Castilho, barranqueiro de Januária, batia-se tenazmente, há anos. Nunca se deve perder a esperança, pois o nosso povo merece melhor sorte.


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Por Web Outros - 12/7/2009 16:12:51
A máquina do crime

Manoel Hygino - Hoje em Dia

Viver é perigoso, dizia João Guimarães Rosa, que conhecia os riscos nos caminhos da existência. Haja vista que, voltando da cidade de Juramento, região percorrida por Fernão Dias e sua gente em lombo de bestas, um rapaz de 22 anos, dirigindo seu carro, avistou um quebra-molas na rodovia.
Tentou frear, o veículo colidiu com um monte de terra, saiu da estrada, o rapaz se feriu gravemente. Um dos dois passageiros, salva-vidas americano, experiente, tentou salvar a vítima. Prestou ajuda, acompanhando as dores e a agonia.
Braços ao alto, sinais de pedidos de socorro a viaturas que por ali circulavam. Ninguém atendeu. Os que transitavam tinham medo de assalto. A ajuda chegou tarde.
Fatos como este se registram todos os dias. O brasileiro teme ir à rua, ver os filhos se deslocando até os educandários, assistir a partidas esportivas nos estádios, receber o salário nos estabelecimentos bancários, entrar nas filas para qualquer propósito, porque não há mais tranquilidade e confiança. Está-se sob permanente risco, inclusive de perder a vida.
As famílias vivem mais cercadas presentemente do que os criminosos nos presídios e penitenciárias. Trancam-se em casa, vendo o tempo passar, ao aguardar os filhos que foram às aulas, durante o dia ou durante a noite. Ou aqueles que simplesmente esperam gozar apenas o direito de ir e vir, que é elementar. Teme-se até oferecer ajuda aos que necessitam, como no caso mencionado.
Carradas de razões têm as autoridades de cidades que decidiram pelo toque de recolher para menores de 16 anos, desacompanhados de pais e parentes.
Retrocede-se no tempo, pois em Belo Horizonte nos anos 40, os adolescentes eram proibidos de circular pelas ruas depois de 10 horas da noite, embora fosse uma providência simplesmente de proteção. Hoje, a causa é o perigo de assalto agressão ou morte.
Em junho, Patos de Minas adotou a medida. Menores têm de voltar para casa até 23 horas, por decisão da Justiça, mas atendendo a pedidos dos próprios pais.
Visou-se reduzir os casos de tráfico de drogas e brigas envolvendo menores. A cidade de Arcos já segue o sistema, o mesmo acontece em Pompéu. Em municípios da Bahia, três, São Paulo, cinco, aderiram ao toque de recolher.
Difícil compreender como a sociedade custou a descobrir a droga e sentir-se agredida, a cada dia e hora, minuto a minuto pela terrível mal.
Apenas tardiamente, quando se praticara um verdadeiro e ainda inacabado-genocídio, percebeu-se a tragédia, percorrendo as ruas, invadindo os lares, violentando exatamente adolescentes e jovens, o alicerce de uma nação.
A droga adentrara todos lugares, as vias públicas, os lares, ingressava, sub-repticiamente quase sempre, porque os agentes do crime são cuidadosos em sua desumana atividade.
Uma atividade que não termina nos presídio, porque as quadrilhas organizadas empresarialmente, continuam assaltando a sociedade, por todos os meios, ininterruptamente, usando instrumentos sofisticados de comunicação.
Quantos brasileiros são viciados em drogas? Quantos milhões são usuários? Quantos agentes agem nas ruas, nas exposições, à porta dos estádios esportivos, nas festas “funk”, nos festivais? São estatísticas que jamais se completarão.
Um mal sem fronteiras e sem limitações. Identificado em todos os lugares do mundo, do Brasil, qualquer tempo, moléstia insidiosa e praticamente sem remédio coletivo.
Quantos já perderam a vida nos embates nas favelas do Rio de Janeiro, na Linha Vermelha, na Amarela, nas vias sem distinção de cor?
Em junho, em Janaúba, MG, três jovens foram assassinatos em acertos de conta com o tráfico de drogas. Em dois deles, os executores mataram as vítimas no meio da rua em cenas típicas de favelas, como conta a descrição. Mais e mais, as motos são os cavalos dos bandidos modernos. Mais velozes, consomem combustíveis menos arcaicos. Às famílias, compete o dever de sepultar os entes queridos.


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Por Web Outros - 2/7/2009 07:57:48
A Imprensa entre nós

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

O Supremo Tribunal Federal, por 8 votos contra 1, do ministro Marco Aurélio Mello, derrubou a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Segundo o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, “não há razão para se acreditar que a exigência do diploma seja a forma mais adequada para evitar o exercício abusivo da profissão”.
Assim, a mais alta corte de Justiça do país aceitou o recurso interposto pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo e Ministério Público Federal contra a obrigatoriedade do diploma. Este era obrigatório para exercício da profissão desde 1969, criada por decreto-lei da ditadura militar.
O assunto dará muito a falar e as primeiras críticas, restrições e preocupações já aparecem nas páginas de nossas folhas. Achei singularmente valiosas as observações que expendeu Anis José Leão, experiente nas lides dos jornais e professor aposentado de Legislação e Ética de Comunicação da UFMG.
Manifestou-se com a lucidez típica de sua personalidade e com isenção. Não concordou com o voto do ministro Aires Brito ao julgar a matéria no Supremo S. Exa., mesmo do alto de seu conhecimento de técnica jurídica, examinou essencialmente o aspecto político do diploma legal que deixa de viger:
“A atual Lei de Imprensa foi concebida e promulgada num período autoritário de nossa história de Estado soberano, conhecido como “anos de chumbo” ou “regime de exceção”. Regime de exceção vistosamente inconciliável com os arejados cômodos da democracia afinal resgatada e orgulhosamente proclamada pela Constituição de 1988”.
Aconteceu com a Lei de Imprensa o que no Brasil acontece com outras leis: esquece-se, e pronto. A nação seria mais feliz, respeitosa, respeitável, se as leis existissem para serem observadas. Mas aqui continua cenário de leis que pegam e leis que não pegam, como determinadas mudas que plantamos no canteiro.
Agora que a mais alta corte de Justiça decidiu, tem-se de repensar. As escolas de comunicação aí estão, milhares - e são muitos - de jovens se esforçaram para conquistar o diploma, e terão de conviver com uma nova realidade, inclusive para disputar um lugar ao sol e uma vaga na reportagem com aqueles que não precisarão construir um currículo escolar.
No tempo de Getúlio, a lei era outra: a 2.083, de 12.11.53. Viu-se, e está em recente livro meu, como funcionava a Imprensa e como se haviam os jornalistas, nos dois períodos de Vargas no Catete. Imprensa é algo muito sério, envolve liberdade de manifestação, além da formação adequada ao exercício da profissão, que tem início com hábil manejo da língua pátria.
Grandemente, Vargas foi levado ao suicídio naquele dramático 24 de agosto de 1954 pelos problemas suscitados pela Imprensa, pelo ingresso do grupo “Última Hora” no “negócio”. Imprensa não pode ser um mero balcão comercial.
No que tange ao voto do ministro Aires Brito, disse Anis: “De maneira alguma posso aceitar a rotulação da atual Lei de Imprensa como entulho autoritário. Se há um vivente nestes Brasis que tem o dever moral de negar o rótulo, o vivente sou eu. Mesmo que único, solidário, esquerdo, gauche, na contramão da história. Sou amigo de Plantão, mas sou mais amigo da verdade”. Acrescenta um pensamento de Gandhi: “A verdade é dura como o diamante, mas é suave como a flor do pessegueiro”.
Entramos, assim, numa fase nova na vida da Imprensa, e dos homens e mulheres que a fazem De imediato, abrimos um hiato na vida e na história da Imprensa, que têm graves responsabilidades a manter ou assumir, numa época de desfazimento de velhas e honrosas tradições.
Para terminar, lembro Luiz de Paula, em “Por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos”, ao evocar o professor Alberto Deodato e seu julgamento de uma das mais lídimas expressões do jornalismo mineiro, Hermenegildo Chaves, Monzeca: “Foi alma que não se maculou. Foi coração que só amou. Foi caráter que nunca tisnou. Foi inteligência que não teve crepúsculo. Foi pena que nunca se corrompeu. E Rubem Braga, seu amigo de uma vida inteira: Monzeca era irremediavelmente bom. Editorialista correto, elegante, ágil, capaz de usar a malícia contra os fátuos, os impostores, mas incapaz de maldade contra quem quer seja”.


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Por Web Outros - 19/6/2009 07:12:17
O gás de Minas

Manuel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Com aproximadamente 354.800 km2, a Bacia do São Francisco abrange partes dos estados de Minas, Bahia, Goiás, Tocantins e Distrito Federal. Em Minas, são quase 89 mil km2, compreendendo o polígono Buritis, Paracatu, Pirapora e Januária.
Quanto a hidrocarbonatos, a Bacia era praticamente inexplorada, mas alguns estudos geológicos foram realizados nas quatro décadas mais recentes. Poços exploratórios foram locados, em 1989 e 1990, dois dos quais em Minas – em Remanso do Fogo e Montalvânia, que, perfurados – mostravam indícios significativos de gás.
O gás emana naturalmente, servindo para moradores da região aquecerem suas comidas com o calor que flui das profundezas da terra. Todo mundo sabia, mas ninguém, nos altos escalões da República, parecia querer acreditar e explorar riqueza.
Décadas se passaram, sempre na esperança, enquanto a população aguardava melhorias em sua condição de viver. Nada. Vozes autorizadas e técnicos indicavam a necessidade de perfurar para explorar o bem natural e pô-lo a serviço das populações menos afortunadas de extensas regiões mineiras.
Enquanto não se aproveitava o gás, o Brasil suportava as pressões e desafios da Bolívia, de onde provinha a maior quantidade de produto. La Paz impunha condições inaceitáveis, repercutindo politicamente, quando Brasília não precisava sofrer descabidas propostas bolivianas. A invasão e apropriação de instalações da Petrobras demonstraram suficientemente que o Governo da Bolívia queria fugir a normas contratuais vigentes e apelar para medidas de força. E o gás brasileiro permanecia inútil nas entranhas da terra mineira, em detrimento do Brasil.
Daqui, algumas vezes, insistimos na necessidade de despertar a consciência das autoridades à mobilização para extrair aquilo com que a natureza brindou o território e fazê-lo benéfico a expressivo segmentos do interior brasileiro, antes que partam para as grandes cidades, nelas avolumando os problemas locais.
Jornal de São Paulo publicou, recentemente, que o presidente da República prepara o anúncio da descoberta de duas grandes reservas no Brasil. A do Norte de Minas, de gás, e a segunda, de gás e petróleo, no Acre. Do ponto de vista econômico, as novas reservas serão divulgadas como uma espécie de meio para o Brasil se livrar de dependência do gás boliviano.
Já escrevi muito a respeito, defendo esta posição do Governo brasileiro e da Petrobras. O gás do Norte-mineiro serve até ao populário regional. Há décadas, a região sabe de existência de abundantes manifestações de gás na margem esquerda do São Francisco, no Noroeste de Minas, sobretudo na área de Buritizeiro, extenso município cuja sede fica de frente a Pirapora, tradicional ponto de início de navegação do rio de unidade nacional.
Tudo é sabido e consabido, mas somente agora o interesse foi despertado. Se fora antes, não teria o país mandado tantos dólares para a Bolívia e evitado essas arestas com a nação vizinha, que pouco se preocupa com a solidariedade brasileira em muitas oportunidades.
A descoberta servirá para tentar impedir ou pelo menos adiar o início das atividades da CPI da Petrobras, que presentemente assombra a base aliada no Senado. Esta preparou a documentação sobre a exploração de petróleo na camada pré-sal e a divulgação sobre as reservas para arrefecer o ímpeto das iniciativas visando a CPI. Só se confia em que a questão política não retarde mais a programação das pesquisas em Minas. Há muitos e muitos milhares de mineira na expectativa.
A intenção é mandar em agosto ao Congresso a proposta de mudanças nas regras para exploração de hidrocarbonetos. Seria o caso de perguntar, como Cícero, no Senado Romano: “Até quando abusarás de nossa paciência?”


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Por Web Outros - 18/6/2009 07:12:35
A violência resiste

Manuel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Menino de 11 anos, acusado de tentar matar, um cidadão de 32 anos, em Passos por mil reais, acertou dois tiros nas costas e um no ombro da vítima. O rapazinho foi detido e liberado, porque – com menos de 12 anos, é inimputável, segundo o Estatuto de Criança e do Adolescente. O garoto declarou que a motivação, além de financeiras foi pessoal, porque assim reagia à agressão do homem: “Eu ia matar ele mesmo, quando me ofereceram dinheiro, me motivou mais ainda”.
- Menina de 16 anos, e rapaz de 15, com um revólver 22, além de um de maior idade, com 18, às 22h50, lanchonete no centro de Montes Claros. Renderam um professor de 51, trancaram a porta do estabelecimento e roubaram chocolates e 139 reais. Os três foram detidos pela PM e soltos. A menina mora em Janaúba, os outros na própria cidade, todos sem passagem pela polícia.
Na cidade norte-mineira, enquete do jornal eletrônico montesclaros.com formula a pergunta: “Em função da violência urbana, a vizinha Patos de Minas e quatro cidades paulistas, por decisão do Juiz de Menores, adotaram o toque de recolher para impedir que menores de 16 anos fiquem nas ruas após 23 horas, deve o exemplo ser seguido?
Entre as respostas, 72,3% apontam que o toque de recolher precisa ser adotado “rapidamente”; 11,28% pedem até medidas mais rigorosas.; para 5,1%, não é necessário; 3,3% acha que a providência “deve ser mais branda”; para 8,2% ela “ainda não se justifica”.
Na maior cidade do norte de Minas, por volta meio-dia de uma terça-feira de junho, dois ladrões, armados de revólver assaltaram um entregadores de leite de 44 anos. Roubaram-lhe 440 reais e fugiram moto escura.
Observa-se, pois, que tanto praticam crimes e delitos, maiores e menores, durante a noite ou durante o dia. Elogie-se o esforço das autoridades para coibi-los, com resultados positivos, conforme ampla divulgação da Imprensa. Que, assim, não se restringe a publicar que é o negativo.
De acordo com dados da Secretaria de Defesa Social de Minas, o Estado teve, em 2008, redução de 38% relativamente a 2003, no número de crimes violentos, como homicídio, roubo a mão armada, estupro e tentativa de homicídio. É bom registrá-lo, porque quem sabe? Os criminosos e delinquentes se apercebam de que lei está ativa e atuante.
Se há êxitos a comemorar, o fundamental é não se arrefecer o empenho, porque o crime começa na escola, ou seja, na adolescência, num país que tem outras preocupações maiores que não a educação e formação das crianças e jovens. Esta acomodação, o desinteresse, tem início na própria habitação da família, sendo maus exemplos próprios pais e os irmãos mais velhos.
Dados recentemente liberados pelo Índice Global de Paz, com o levantamento anual dos indicadores de segurança e violência no mundo, revelam que o Brasil só fica na frente da Colômbia e da Venezuela. Estamos na posição 85 na lista de 144 países.
O país mais pacífico do planeta é a Nova Zelândia, seguida da Dinamarca, Noruega, Islândia, Áustria, Suécia e Japão. Completam os dez primeiros colocados o Canadá, a Finlândia e a Eslovênia. Na América Latina, o melhor situado é o Chile, na vigésima posição. Estamos longe dele, mas resta esperança de subir de nossa posição nesse ranking”.


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Por Web Outros - 10/6/2009 06:38:58
O nó do ensino

Manoel Hygino- Jornal "Hoje em Dia"

Foi em 28 de maio. Os jornais deste país advertiram para o problema do ensino. A “Folha de São Paulo” titulou matéria: “Censo aponta formação deficiente de professores”; “O Globo”, do Rio: “MEC - 382 mil professores não poderiam dar aulas; “Zero Hora”, de Porto Alegre: “Censo revela deficiente formação de professores”.
Os dados são mais minuciosos: dos 685.025 professores de 1ª a 4ª série do ensino fundamental no Brasil, somente 50,1% têm formação adequada, ou seja, graduação em pedagogia. Os dados são de estudo baseado no Censo Escolar da Educação Básica de 2007. Fora da formação mínima, estão 12,7% dos docentes que cursaram apenas o ensino fundamental, o ensino médio ou uma formação superior sem licenciatura. Considerando a formação da educação básica, os docentes com formação superior com licenciatura são 61,7%.
Novidade?
Nem tanto. Num país que paga tão mal os salários de seus cidadãos, não é exceção o que acontece com o magistério, a quem compete a delicada missão de orientar os primeiros passos de nossas crianças e ensinar-lhes o básico.
No interior, para levar ensinamentos a escolas geralmente em condições precárias, a mestra se vê obrigada a deslocar-se, às vezes, quilômetros, ao estabelecimento, a que ocorrem meninos e meninas que também a pé se deslocam de seus lares. Os números e as estatísticas não retratam o sacrifício dessas mulheres que recebem tão baixos salários. Nem se poderia exigir delas que se formassem em pedagogia, deixassem as cidades maiores e as capitais, para dar lições em recônditas regiões às crianças por um pouco de mel coado.
Não estou só nesta posição. Um outro dia, a conterrânea Ruth Tupinambá Graça confessava revolta pelo descaso, pela maneira como os governos tratam as professoras, principalmente as de primeiro grau. Entristece-lhe sentir as humilhações a que são submetidas, mal remuneradas, sem esperança de melhora.
Incontestável quanto trabalham numa sala com 45, ou mais, alunos de todas as idades, tipos, raças e cores, procurando incutir-lhes o amor ao próximo, a lealdade, a dignidade e o bom caráter da pessoa humana, enfim a cidadania em sua plenitude.
Antigamente, havia greves, nas capitais, pelo atraso no pagamento do salário dessas sacrificadas criaturas. A minguada remuneração demorava meses para chegar ao longínquo rincão. Antigamente, não existia a Delegacia de Ensino e o pagamento demorava, porque os atestados de frequência tinham de ir à Secretaria de Educação. O salário só era efetivamente liberado depois de publicação do respectivo ato no “Minas Gerais”.
Demorava até um ano, registra Ruth Tupinambá, também professora. Para sobreviver, as mestras trocavam os atestados de frequência com comerciantes ou procuradores, recebendo com desconto. Era uma espécie de cheque ao portador.
Não houve mais atraso a partir do Governo Magalhães Pinto, embora se tivesse de enfrentar filas enormes. Houve, então, um repúdio aos governadores, agredido por uma professora na Rua da Bahia, armada de sombrinha.
Com Aécio, o pagamento está em dia, nas datas agendadas, mas o problema do magistério não está resolvido. Falta muito ainda para amparar essas criaturas, que tanto se empenham para, em anonimato, ajudar a construir um país saudável e digno.
Elas merecem especial atenção, porque atuam num meio presentemente influenciado pela violência, pela corrupção, pelas drogas. A professora diz mais: “Graças a elas, muitas crianças se salvam e chegam a adolescentes equilibrados conseguindo alcançar a faculdade, seguindo melhores destinos, porque sabemos que o curso primário é a base para a instrução, o primeiro degrau da escada para se chegar e galgar o topo vitorioso”.


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Por Web Outros - 1/6/2009 10:21:56
Morte em tempo de paz

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Quem acompanha os noticiários das televisões, as reportagens das radioemissoras e das editorias de polícia dos jornais, sobretudo os das capitais e grandes cidades brasileiras, se espanta com o assombroso relato de crimes contra a pessoa humana: quanto à perversidade como são perpetrados e pelo seu número.
A despeito das providências adotadas pelo poder público para conter a violência, ela existe e prolifera. Os relatórios oficiais são otimistas e animadores – cai o índice de criminalidade. No entanto, só pelo que se lê diariamente, nos meios de comunicação, verifica-se que a bruteza se manifesta em todas as suas modalidades. Diante de números irrefutáveis, a imprensa já compara os mortos no Brasil aos de guerras declaradas, ou não. Como no Iraque e entre israelenses e palestinos. São constatações que não nos deixam tranquilos e conformados com as ocorrências aqui.
Na Cidade Maravilhosa, há uma guerrilha urbana, que não se esconde. No Brasil, criou-se um banco de dados sobre homicídios em 1979. O “ranking” é liderado por Pernambuco e Espírito Santo, até há algum tempo. A partir de 2003, os casos apresentaram redução, mas a criminalidade demonstrou estar migrando para o Norte e o Nordeste, apesar de manter índices preocupantes no Sul/Sudeste.
Estudioso da violência, o economista Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, advertiu por um jornal paulista para a tragédia anunciada da segurança pública brasileira. Aliás, não faltam os que apontam soluções, que todavia não ocorrem.
Segundo Cerqueira, os políticos são responsáveis pela ausência de estratégias de médio e longo prazos que não se enquadram no calendário eleitoral. Propõe que deixem de ser reativos e meramente preventivos e se antecipem à violência e ao banditismo, fortaleçam-se em projetos sociais eficientes e em táticas de policiamento adaptadas a cada realidade. Mutatis mutandis, isso vem acontecendo, mas o resultado final não é dos mais convincentes. Não se há negar que o crime hoje é perpetrado em várias escalas sociais, econômicas, geográficas e etárias. Evidentemente, tem-se de trabalhar o futuro através da infância e da adolescência, esta já premida explicitamente ao crime.
Quanto aos bandidos, a situação se torna insuportável, porque em grande parcela recuperáveis e se terá de fazer vultosos investimentos em presídios. Cumpre gastar muitos nesses estabelecimentos, em detrimento da construção e manutenção da rede escolar. Para Cerqueira, “ações centradas nos incidentes, no crime em si, ou apenas na prevenção, não funcionam e estão ultrapassadas no mundo todo. O poder de polícia funciona melhor se for descentralizado e vier acompanhado de instrumentos de controle contra desvios de conduta. O primeiro contra a corrupção, o segundo a denúncia”.
Escamotear dados não diminuem ocorrências. Assim aconteceu nos Estados Unidos e Europa. É imprescindível um diagnóstico preciso e real. O que sabe é que, em 30 anos, o Brasil registrou 1 milhão de homicídios, conforme dadas computados pelo Data SI, do Ministério da Saúde. Crime não é, porém, caso apenas para a Polícia. Lá mesmo nos EUA e países europeus, definiram-se prioridades e se montaram programas com cruzamento de dados de saúde, levantamento de vítimas dos variados crimes, não apenas homicídios, e a descentralização das ações policiais. O Brasil precisa ser um país menos violento, eis a questão.


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Por Web Outros - 29/5/2009 07:24:12
Uma hora memorável

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Acanho-me em falar de minhas experiências. Mas, no dia 21 de maio, coube-me o lançamento de dois dos meus mais recentes trabalhos. Trata-se de um pequeno volume sobre Vargas - “Getúlio: de São Borja e São Borja”, e “Tempo de nascer: a obstetrícia em Minas”.
O ato foi no Auditório Vivaldi Moreira, da Academia Mineira de Letras, presente seu presidente, acadêmico Murilo Badaró, outros membros do sodalício, pessoas amigas e companheiros de ofício, gente da família que até Belo Horizonte se deslocou para o lançamento. Aliás, tudo valorizado pela participação do excelente Madrigal Renascentista, regido pelo maestro Marco Antônio Maia Drumond.
Uma noite memorável para o ancião que foi menino em Montes Claros e, sinceramente, não pensara galgar as escadas do velho prédio de residência de um dos maiores médicos de Belo Horizonte, Borges da Costa. Bem como do seu anexo, o auditório Vivaldi de um dos grandes entusiastas da Academia.
Em depoimento como este, temo descambar para o meramente social e trivial, ou para o emocional e piegas. Mas não se pode deixar de fazer um registro, que será, quem sabe?, o meu último. Em horas tais, repito o pensamento avoengo: ninguém sabe o dia de amanhã,
Durante a reunião, sem discursos, revi amigos antigos e conheci novos, entre os quais a bela gente da Aldrava, de Mariana, que levou um halo de alegria e juventude àqueles momentos. O pensamento e minha saudade vagavam pelas ruas estreitas de uma velha cidade norte-mineira. Nem poderia ser de outro jeito e maneira.
“Amo-te muito”, a bela modinha do inexcedível João Chaves, interpretada pelo Madrigal, encantou a Yeda Prates, enquanto meu coração parecia desfazer-se em lágrimas, de gratidão os que me o permitiram ser o que sou, em minha humildade e compreensão entre os homens de boa vontade.
A maioria não esteve presente simplesmente porque se fora, como os que nos iniciaram no caminho do bem do trabalho, os que apoiaram os passos primeiros no jornal e nos livros, os que prestigiaram com a leitura de nossos textos, comentando, elogiando ou criticando, mas sinceramente partícipes de nosso esforço.
Faltou o padre Murta, porque subira a escada antes. Mais recentemente, foi a vez de Olintho Silveira, intelectual de primeira linha, nascido no Brejo das Almas, hoje Francisco Sá, esposo de D. Yvone de Oliveira Silveira, símbolo da mulher a serviço das causas das letras.
Olyntho partiu, faltando dias para alcançar a histórica marca dos 100 anos, um campeão de vida e de operosidade, poeta e colaborador das folhas, digno e independente, atuante nas melhores frentes de batalha. Seu passamento emocionou as cidades em que nasceu e viveu, deixando um exemplo que as novas gerações deveriam receber como lição.
A Academia Montesclarense de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros vestiram pesado luto. Haroldo Lívio disse do casal: “trabalhara pelo enriquecimento de nossa vida espiritual, sem descanso e apenas com o propósito de servir e participar do plantio da cidade das futuras gerações na implantação do ensino superior e de entidades voltadas para o aprimoramento de nosso nível intelectual”.
Irmão de Geraldo Silveira, outro intelectual e historiador, Oluntho foi lembrado por outro escritor da família. Maria Luiza Teles confessou: “A vida não tem misericórdia alguma com nossa dor, com nossa saudade. Ela continua inclemente, com suas exigências. E, mesmo com o coração partido, o peito oprimido, as lágrimas contidas ou não, a caminhada prossegue”. Evocou a palavra do pai: “Assim somos nós. As folhas todas vão caindo, pouco a pouco, para que a árvore se revista de folhas novas”.


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Por Web Outros - 28/5/2009 08:11:33
O Jack, de Januária

Manuel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Januária ostenta belas tradições de cultura, hospitalidade, culinária. Nem só a sua aguardente é referência. A cidade ribeirinha tem história rica. Entanto, entrou na galeria dos casos medonhos, com o surgimento do maníaco Luiz Fernandes de Souza, 36 anos, que contou ter matado Liliane Gomes Magalhães, 18, e Patrícia Conceição Cunha, 30, aquela antes, violentada.
Após uma briga com a esposa, esta o chamou de “Jack, o estripador”. Ele teria contestado, dizendo: “Você vai ver quem é Jack.” As mulheres, que não a própria, foram assassinadas em 2006 e 2008. Para a delegada de polícia, Luiz Fernandes é um dos criminosos mais perigosos que ela já viu, pois aparenta ser pessoa tranquila, longe do que realmente é.
Jack, o estripador sertanejo! Que diria?
Januária é formada por gente laboriosa, e se tornou cidade em 1860. Sua história não inclui crimes bárbaros, mesmo na época do coronelismo. Lembra o professor Saul Martins que o vapor Saldanha Marinho, em 1870, inaugurou a navegação no Médio São Francisco, zarpando do Porto de Sabará, no Rio das Velhas, para chegar a Januária.
O januarense é inclinado à música. Entre os notáveis, estão Tertuliano Silva, dobradista e compositor; professor Batistinha, da Escola Normal; Cláudio Correia, saxofonista e Osvaldo Lins, o mágico da flauta.
Quando escreveu alentada história sobre a região, a cidade e o município, o professor Antônio Emílio Pereira começou encantadamente: “Vislumbramos o magnífico nascer do sol, tingindo de ouro os céus do horizonte e, às noites, a lua cheia, banhando-se de prata no reflexo das águas do São Francisco, e nós quedamos silentes, inebriados destas momentâneas mas perenes belezas”, Continua: “Enquanto este sol e esta lua, testemunhas milenares, em sua alternância, dirigem nossos olhares às torres intangíveis dos primórdios, percebemos que a mãe terra nos fornecerá dados preciosos para esta investida”. - a redação de sua obra.
Januária pertenceu à Capitania de Pernambuco, como os territórios da região das Minas Gerais à esquerda do São Francisco.
As terras à direita pertenciam à Capitania da Bahia, doada pela coroa portuguesa a Francisco Pereira Coutinho, em 1534. O território à esquerda fora doado no mesmo ano a Duarte Coelho Pereira.
Bravios na margem esquerda eram os caiapós, fixados numa faixa que se estende do atual São Romão ao Carinhanha. Mas combatiam os tapuias, expulsos do litoral pelos guaranis, aliando-se contra os conquistadores.
As gentes dali brigaram em defesa de seus direitos e por suas reivindicações. O que recentemente aconteceu com Luiz Fernandes Souza parece integrar-se no âmbito de crises pessoais, que se ampliam em várias regiões, resultando em sucessivas mortes de crianças e mulheres, principalmente as jovens.
Problema cíclico, não restrito ao Brasil. Em 2006, mais de 100 policiais foram mobilizados na investigação do assassinato em série de mulheres na pequena cidade de Ipswich, no Leste da Inglaterra. Em onze dias, cinco prostitutas foram encontradas mortas e os crimes deram muito trabalho à polícia.
Mas a esposa do assassino de Januária o classificou de “Jack, o estripador”.
Este agiu no século 19 e foi culpado pela morte de cinco prostitutas no Leste de Londres, em 1888, mais de um século antes das ocorrências à margem do rio da unidade nacional.
Só que o Tâmisa nada tem a ver com o São Francisco, e as vítimas de Jack não se enquadram nos padrões de Luiz Fernandes. O país é o outro, o ambiente é outro, o criminoso é outro, outro o tipo de assassinato.
Cá nas Minas Gerais de hoje, o assassino é um cidadão qualquer, homem frio e calculista.
Na Inglaterra, onde jamais se conseguiu identificar o criminoso, as suspeitas chegaram à casa real. Há a hipótese de o matador ter sido Edward, Duque de Clarence, neto da Rainha Vitória, irmão de Jorge V, e herdeiro do trono da Inglaterra.
São fatos que não se esquecem.


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Por Web Outros - 22/5/2009 13:59:14
Em visita a Alphonsus

Em 5 de junho, a Academia Mineira de Letras rende tributo a seu patrono, Alphonsus de Guimarães Filho, depositando rosas sobre seu túmulo, na cidade em que deu seu último suspiro: Mariana.
Será uma cerimônia plena de significado, de simbolismo, ele que foi, ao lado de Cruz e Souza, os maiores poetas representantes do movimento no Brasil.
Afonso Henriques da Costa Guimarães usou vários pseudônimos para fixar-se naquele que o pereniza.
Brasileiro, foi o mais mineiro de todos os nossos poetas: nasceu em 24 de junho de 1870, em Ouro Preto, e faleceu, repentinamente, na cidade de Mariana, em que residia, em 15 de julho de 1921, com apenas 51 anos.
Alphonsus é o poeta da Academia, tanto que o sodalício é a Cada de Alphonsus. Por ironia da sorte morreu mais de uma vez, para torna-se eterno.
Aos 17 anos, na antiga Vila Rica, fazia apaixonados versos dedicados à prima Constança, filha de Bernardo Guimarães.
Falecendo a menina de seu coração, perdeu-se em prantos d’alma, naquela primeira grande dor.
O tema da morte influenciou sua poesia e nela se transformou em referência forte.
Em 1895, casou-se e, seus primeiros livros: “Setenário das dores de Nossa Senhora” e “Câmara ardente”, 1899; e “Kiriale”, 1902.
Viveu modestamente como juiz e promotor de Justiça, enfrentando com denodo dificuldades para sobreviver com a família que crescia.
Pai de quinze filhos, sofreu a desdita de assistir ao falecimento da filha caçula, a quem dera o nome de Constança.
Esses fatos lhe marcaram a existência e transbordam de sua lírica de profundos sentimentos de humanidade.
Não assistiu, por ter morrido um ano antes, à fúria dos modernistas que, em 1922, assestaram suas armas contra as velhas escolas poéticas.
O casamento se deu no ano em que Belo Horizonte se inaugurava: 1897. E aconteceu em Conceição do Serro, com D. Zenaide Alves de Oliveira ], parenta muito próxima de José Aparecido.
Freqüentemente formam-se caravanas para, a cavalo, ir até Conceição para visitar a cidade em que Alphonsus serviu à Justiça.
Entre os membros dessas caravanas, Paulo Narciso, jornalista e advogado, fiel escudeiro e ardoroso admirador do poeta. Algo de místico os une.
Na primeira vila e cidade de Minas, em que foi encontrado morto durante a madrugada, seu corpo descansa; ele, tido como “o solitário de Mariana”, em reverência ao qual os acadêmicos do século XXI se deslocarão sob o frio de junho.
Deixou cerca de quinhentas composições, em oito livros, que o Brasil jovem precisa conhecer, para amar. Não se pode deixar que morra seu verso, depois de tanto morrer na vida.
Lembre-se que Mário de Andrade, posteriormente o “papa” do modernismo no Brasil, visitou-o em 1919.
Ali se achava isolado, praticamente esquecido, inclusive de Ronald de Carvalho.
Mário de Andrade enviou carta a Alphonsus Filho, este também poeta, em 1941: “Estive com seu pai ali pela manhã mais de uma hora (...) E foi uma hora de êxtase em que não disse nem um bocadinho que era poeta. Deus me livre! (...) Me apresentei apenas como um fã e assim fiquei todo o tempo...”
A Alphonsus de Guimarães Filho, escreveu Mário: “Fiquei comovidamente feliz com o nascimento de Alphonsus de Guimarães Neto; é uma maravilha o que o simples nome desse menino desperta emmim, de ambiente grave de recordaçõe3s e contatos só bons de sentir”.
“Breve o espiarei”, continua Andrade. “Por enquanto, ele que receba a bênção de Deus, autorizada por três gerações de amizade”.
Não se olvidará, certamente, “Ismália”: primeiro quarteto: “Quando Ismália enlouqueceu, / Pôs-se na torre a sonhar... / Viu outra lua no mar...”


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Por Web Outros - 18/5/2009 07:31:52
As festas chegam

Manuel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Junho no interior brasileiro é o mês mais festivo, em que a religiosidade se alia a motivos regionais para comemorar três dos santos populares: Santo Antônio, São João e São Pedro, no dias 13, 24 e 29. Como se trata de um período frio, as fogueiras se tornam no centro das festividades, com muita batata doce assada, enquanto as donas de casa oferecem às pessoas da família e aos convidados preciosidades da culinária popular, preparadas durante o dia. Biscoitos e doces fazem a festa de crianças e adultos, enquanto crepita a lenha às chamas e se aquecem as conversas.
Poucas épocas marcam tanto a infância interiorana quando as festas de junho, que são, enfim, de reunião e confraternização da e das famílias, fenômeno que vai rareando. Há dispersão e, por que não admitir, também degradação de velhos costumes, simples e puros.
Havia levantamento de mastros, queima de fogos, soltura de balões, café com biscoito, bolos, chocolate, cuscuz, canjica, mas sempre nas noites de 12, 23 e 28 de junho. Acontece, contudo, uma profunda transfiguração. As festas assumiram um caráter caricatural, como chamado “casamento na roça” e bailes nos clubes. As fogueiras praticamente deixaram de existir, porque a lenha ficou cara e rara, e não há mais o sossego da festa em plena rua, como antigamente. O medo se instalou. Canta-se, ou cantava-se coletivamente, também se dançava: “Ó minha caminha verde/ Ó minha verde caminha/ Eu não vou na sua casa/ Pra você não ir na minha”. Assim por diante, seguindo-se quadras alegres e maliciosas: “Sua mãe é uma coruja/ Seu pai um caxinguelê/ Sua mãe morreu de fome/ Seu pai de santo comê!” Ou: “Quando vim de minha terra/ Trouxe fama de ladrão/ Uma moça na garupa/ E uma velha no cambão”.
Dos três, o mais festejado é, ou era, São João, embora as donzelas em plenas flores preferissem ou prefiram Santo Antônio, o casamento por excelência. Segundo Leonardo Dantas Silva, em Pernambuco, a data mais festejada é a de São João.
É algo muito antigo, segundo Dantas. A festa é a mais antiga do Brasil, já registrada por frei Vicente do Salvador, em sua “História do Brasil 1500-1627” “… Acudiam com muita boa vontade, porque são muito amigos de novidades, como no dia se São João Batista por causa das fogueiras e capelas”. Os colonizadores portugueses trouxeram o costume da Europa, onde as comemorações coincidem com o início do verão, daí a presença de tradição de costumes pagãos dentro dos festejos, adivinhações e o culto ao fogo. No que se refere às fogueiras, consta que foram transportadas ao Brasil pelos jesuítas. Segundo estes, Isabel, prima de Maria, mandara erguer uma enorme fogueira, a fim de anunciar o nascimento de seu filho, João Batista: “Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João. Veio ele como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por seu intermédio. Ele não era a luz, mas devia dar testemunho da luz”. A música caracteriza esse tempo de alegria, com foguetório, que assusta as moças e senhoras, que alvoroçam meninos e adolescentes. Tudo vale. Novos ritmos, inicialmente importados da Hungria, da Polônia, de salões aristocráticos - como as quadrilhas, da França, se introduziram nos cancioneiros locais. Até que surgissem as músicas tipicamente brasileiras.


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Por Web Outros - 11/5/2009 09:59:42
Registro de maio
Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Maio é um mês especial para os brasileiros, sobretudo do interior, com arraigadas tradições que se expandem através do tempo. Já o foi mais, quando a influência da comunicação, principalmente da televisão, não introduzira nuanças novas em centenários costumes. Quinto mês do ano romano, o dia 1º era festejado desde tempos imemoriais, para, enfim, se transformar no Dia do Trabalho, que ora se caracteriza pelo nada fazer, em muitos países. Nele se promovem manifestações por melhores condições de vida e salários mais dignos aos que vivem do labor. No Brasil, é encantado, mágico. Nas cidades interioranas, há ainda a coroação à mãe de Cristo nos templos, quando meninas cantam hinos e jogam flores na imagem de Maria, costume que se vai esvaziando nas cidades de porte. Belas canções assinalavam os dias de maio, quando se começa a sentir a brisa que anuncia o frio de junho. O professor Mello Cançado, de Direito Romano, ex-secretário de Estado da Educação, redigia para o antigo “O Diário” lindas crônicas sobre esse tempo de amor e beleza, de reunião das famílias, no templo ou no lar. De maio, dia 27, foi minha irmã, a única, tão cedo desta vida partindo; ela que repetindo Alvarenga Peixoto - “Se o Brasil fosse um reinado, poderia ser princesa”. No dia 25, completa-se um década de minha genitora. Em maio, há o Dia das Mães, agora marcado pelo ímpeto comercial, mas que não consegue apagar o significado sublime da maternidade, cantado em verso e prosa por bons autores. É o mês das noivas, celebrando um solene compromisso com o futuro, na confiança no amor eterno e perene felicidade. Tempos outros os de hoje. Nem mais se admira a lua, escondida detrás dos arranha-céus. Em nossos dias, a poesia não mais corresponde aos bons sentimentos porque a vida, multiforme e absorvente, violenta na sua tragédia e na sua vertigem, pede novas maneiras de expressão, como sentenciavam os modernistas em 1922. Então, dizia Menotti: “Nosso sentimentalismo arcaico nos relega, às vezes, às baladas, às pastorelas, na repetição perene de uma mesma tonalidade cromática e sonora, como se o passado fosse o grande sino tangido pelos gênios de outrora e vivêssemos eternamente da sua ressonância, dos seus ecos e da saudade dos seus ecos”. Mas o sentimentalismo ainda tange almas e se procuram nas noites de ruído extremo, descobrir o que achávamos, naturalmente, nas noites em que os enormes edifícios ainda não impediam belos retratos da natureza. Sentíamos como Augusto dos Anjos: “Para onde fores, Pai, para onde fores,/ Irei também, trilhando as mesmas ruas.../Tu, para amenizar as dores tuas,/ eu, para amenizar as minhas dores!”
Este mês, por múltiplas razões, e de todos por motivos mais amplos, não admite escapar-se aos versos de Augusto de Lima, o nome aureolado: “Plenilúnio de maio em montanhas de Minas! Canta ao longe uma flauta, e um violoncelo chora. Perfuma-se o luar nas flores das campinas, sutiliza-se o aroma em languidez sonora”.
Quando chega o crepúsculo, mede-se o passado e o futuro restante e, com humildade, acompanha-se Danilo Gomes, para sempre de Mariana: “Passarei sem alarde como o vento/sobre ardósias e falésias/ e as penedias da ilha gris de Santa Helena/ sufocado pelo som do mar oceano/ e mergulhando em perpétuo silêncio”.


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Por Web Outros - 6/5/2009 07:34:55
A cultura mineira
Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Fábio Lucas, em “Marcas de um roteiro cultural de Minas Gerais”, “A cultura Mineira Espelhada na Literatura”, publicada no ano passado, oferece um panorama vivido do que em Minas se produziu ao longo do tempo. Atende, deste modo, ao propósito de Maria Augusta da Nóbrega Cesarino, de propiciar sugestões de leitura sobre uma província singularmente rica.
Editado pela Superintendência de Biblioteca Públicas da Secretaria de Estado da Cultura de Minas, o acadêmico nos brinda com um trabalho nascido do coração, do conhecimento, bem ao estilo do escritor de Esmeraldas.
Fábio Lucas faz digressões oportunas sobre a expressão do fator territorial sobre a entidade psicossocial do mineiro. “A paisagem montanhosa e seus desníveis, os horizontes escassos e o árduo tamanho da terra, tudo contribuiu para acentuar os traços da subcultura e as suas formas de agrupamento social. À cobiça e repressão, trazidas do ciclo do ouro, juntaram-se à tenacidade e à astúcia da atividade agrícola no território montanhesco”.
No que tange especificamente a Belo Horizonte, natural ponto de convergência das populações interioranas, tao logo ela se armou de estrutura educativa, social, funcional, pode deslanchar nas letras.
E Fábio Lucas oferece um valioso levantamento dos autores que fotografaram para a posteridade as primeiras décadas, sem esquecer as que sucederam a Cyro dos Anjos, e a Avelino Fóscolo, o escritor dos tempos pioneiros da construção.
Não menosprezando os contemporâneos, aparece Cyro como – vamos dizer – o retratista social dos anos primevos da cidade feita capital. O lar dos funcionários, os que vieram de Ouro Preto, e os que, em seguida, aqui se instalaram.
Procedente do distante norte de Minas, Cyro trouxe consigo as expectativas do adolescente e do jovem extasiado com a ideia de na nova metrópole formar-se, pôr o diploma na axila, instalar-se com escritório de advocacia na cidade natal, namorar, casar-se, constituir família, constituir uma pequena fortuna.
Há os excelentes Avelino Fósculo, o anarquista, e Eduardo Frieiro, o culto autodidata que em Belo Horizonte se forjou.
Na ficção, e na forma clássica, porém, o primeiro foi, realmente Cyro dos Anjos, nascido em família favorita das letras. Em “A menina do sobrado”, ele narra sua vida em momento singular da formação universitária, quando para aqui convergiam montanhescos (a palavra é do próprio Fábio) de todos os recantos.
Em 1937, publicou-se “O amanuense Belmiro”, vocábulo bem da época, hoje praticamente desconhecido.
Aí está a diferença de Cyro com Frieiro e Fóscolo. O monte-clarense era narrador por excelência, trabalhava o manuscrito à exaustão, lembrando Machado e Proust.
“O amanuense” se enquadra perfeitamente na atmosfera e no próprio conteúdo de “A menina do sobrado”.
Belo Horizonte daquela época era uma extensão do clima do interior.
Seus personagens, já aqui instalados, de lá vieram e transportaram consigo o linguajar e tudo mais que diz respeito ao consuetudinário.
Fábio Observa: “Para fornecer a feição intimista do relato, aplica-se a um Diário, no qual vai registrando o cotidiano da vida moderna da cidade. Aliás, três diários povoam “O amanuense Belmiro”: o do protagonista, o da personagem Silviano, parceiro de elucubrações líitero-filosóficas e o da personagem Redelvim, amigo de tendências esquerdistas e, consequentemente, associado pela polícia política”.
Ousaria eu dizer que “O amanuense” e “A menina” se completam, harmonizam-se, são relatos de costumes de uma época, em que timidez e respeito eram virtudes e admiradas.
Pode lançar um olhar sobre o passado de Belmiro lendo “A menina”, uma saboroso relicário do que melhor Minas já produziu.
Ler esse ensaio de Fábio Lucas ajuda a entender e sentir, prazerosamente, uma época áurea da cidade-capital.


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Por Web outros - 18/4/2009 09:53:34
A mineira Yara
Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

O que surpreende em Yara Tupynambá não é a artista, suficientemente reconhecida, dentro e fora de nossos rincões. Nem mais a sua incrível capacidade de produzir, sem perder a qualidade.
Yara se revela em cada criação, mas também a empreendedora que se tornou, participando de todos os atos, comparecendo a reuniões, apresentando projetos, discutindo o papel do artista na sociedade, a sua importância, material e imaterial.
Não concordo com Darcy Ribeiro, conterrâneo e primo de Yara, quando diz que é “a pintora da nostalgia da mineiridade”.
De fato, ela capta, extrai, assimila, a beleza colorida da terra mineira e de suas gentes, em sua autenticidade, em sua originalidade, em sua tradicionalidade, e sabe transmiti-las em grandeza.
Só concordo com Darcy quando diz que sua obra se fez importantíssima para os mineiros que vivem exilados de nossa terra e certamente sentirão como é bela e como são belas as gentes que ocupam os vales e montanhas das Minas e das Gerais. Há Guignard, sim, em sua arte, porque também o mestre foi esplendoroso na sua criação.
A nossa querida Maza de Palermo, jornalista e poeta, também empreendedora, se identifica comigo no sentimento da obra de Yara: só mesmo Minas, seus homens de barro e seus homens de ferro, os rios entrando montanha a dentro, vencendo a rijeza da pedra, e as mulheres de campana nas janelas cercadas de flores ou espinhos.
Tais imagens, que Yara trouxe dos cafundós sertanejos, de gente muito especial no ser, no falar, no afirmar-se, estão em sua produção, extensa e admirável. E ela tem atelier, instituto, site e tudo mais que a máquina moderna espera e exige.
Luís Giffoni, escritor já reconhecido, também mineiro, diz o que tem a dizer sobre a pintura de Yara. Que “herdou a garra natal para, com olhar exclusivo, gerar simbiose entre a terra e a arte, encerrando dentro de suas obras o efêmero e o permanente da vida. Felizmente para nós, como no verso apaixonado de Gonzaga, ela “tomou de Minas a estrada”.
Agora, sob patrocínio d o Governo de Minas e em promoção do Centro de Artesanato Mineiro e do Instituto que tem seu nome, Yara lançou bela publicação com o título “Artesanato Mineiro”. E o fez ao ensejo do 19 de março, dia de São José, mestre carpinteiro, protetor da família dos trabalhadores, institucionalizado como Dia do Artesão.
É guia utilíssimo para quem se dedica ou quer se dedicar a tão delicada forma de expressão humana. Orienta, esclarece, ensina, inclusive quanto ao valor agregado das peças, quantidade e qualidade do que se produz, como se comportar no comércio, comunicar e divulgar. Enfim, um volume que muito há de servir ao artesão.
No prefácio, a justificativa: aqui em Minas se encontra o artesanato mais diversificado e rico do país, por sua originalidade, qualidade e variedade de matérias-primas, algumas só encontradas nestas muitas Minas Gerais.
Lembro de minha terra, com peças confeccionadas pelas artesãs em barro e em palha, junto ao velho Mercado, destruído pela voracidade do progresso e, às vezes, pela insensibilidade das autoridades. Mesmo assim, com esse material e mais ouro, ferro, madeira, pedras, vidro e outros objetos, Minas supera dificuldades e obstáculos e vence.


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Por Web Outros - 16/4/2009 09:48:21
A geração ameaçada

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Era um regime rigoroso nas escolas. Com régua e palmatória, mas com mais disciplina, havia mais respeito entre as pessoas, de todas as idades, de ambos os sexos (agora, há mais um!), qualquer que fosse a condição social. A situação deteriorou, por força de fatores múltiplos, que educadores, psicólogos, sociólogos e outros especialistas tentam explicar.
De modo geral, a escola não é mais risonha e franca, quanto aquela cantada pelo poeta sobre a Alsácia-Lorena.
Hoje, alunos agridem - não mais apenas com palavras - os mestres; e estes se veem constrangidos a pedir às autoridades autorização para comparecer às salas de aula armados. Cautela não faz mal.
A população acompanha, com verdadeira inquietação, o que acontece. Algumas causas se identificam: estudo nos centros estaduais de atendimento em São Paulo revela que, em dois anos, duplicou o número de menores em tratamento intensivo por “crack” e cocaína. De 2006 para 2008, houve um aumento de 107%.
Para os especialistas, retratam-se as estratégias de mercado que passaram a ditar o tráfico: fidelização da clientela cada vez mais cedo, facilitação de acesso a drogas de todos os tipos e diversificação do consumidor. A compulsão por drogas está em todas as classes sociais.
E daí?
Sabe-se que a violência se agiganta, apanhando em sua rede os pequenos davis de todos os segmentos sociais.
Com essa reflexão, deparo com notícia de um pistoleiro cearense de 18 anos, acusado de 18 assassinatos, que poderá livrar-se da prisão por quase todos os crimes.
Genilson Torquato Rocha já confessou 12 mortes. Nos próximos dias, receberá sentenças de 11. Como os crimes foram antes de atingir a maioridade penal, o julgamento se fará com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê medidas socioeducativas, que substituem a pena de prisão.
Medidas socioeducativas?
O rapaz sequer irá a júri popular, também com base no Estatuto. O adolescente pistoleiro foi caçado em todo o Estado, durante quatro anos, e capturado em agosto de 2008. Ele afirmou que mata desde os 15 anos e, segundo a polícia, todos os crimes foram “encomendados” ou praticados por vingança. Não se vincula a prematura disposição de matar friamente a drogas.
Um psicótico, disposto a eliminar pessoas simplesmente por dinheiro? Deploravelmente se tem de curvar à evidência dos fatos. Os jovens começam muito cedo, presentemente, no precipício da violência, contaminados ou não pelas drogas.
Precocemente, talvez por influência também dos veículos de comunicação, pela influência das imagens, por exemplos muito próximos, já se interessem pelo crime, pela necessidade de afirmação, de conquistar espaços não conseguidos por vias seguras, talvez mais árduas, do bem e do justo.
Observa-se felizmente o propósito de autores e atores do poder público e de instituições idôneas de participar da formação de novas gerações de brasileiros dignos.
É algo absolutamente imprescindível, mas é necessário mais do que boa vontade e disposição de servir.
Ao grande esforço há de juntar-se a comunidade como um todo, sobretudo as famílias, grandemente desajustadas por motivos que já exigiram pormenorizados estudos.
Estamos deixando que crianças e adolescentes continuem se desviando e se transviando.
Há de se tentar “agilitar” (é o verbo perfeito, diferentemente de “agilizar”) ações que visam à construção de uma família moderna, mais saudável física e espiritualmente.
Falta muito para se chegar lá. Mas não é lícito parar no meio do caminho.


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Por Web Outros - 16/4/2009 07:39:29
Dos Irmãos Pereira à Usina Darcy Ribeiro

Adriano Souto*

A Usina de Biodiesel Darcy Ribeiro, inaugurada pelo presidente Lula em Montes Claros, foi objeto de análise aqui nesta coluna, na semana passada. Nossa tese, neste caso em particular, é a mesma do presidente Lula, mentor das três usinas de biodiesel construídas pela Petrobras: “Vamos fazer biodiesel da mamona e resgatar a pobreza do semiárido”. A usina vai gerar emprego e renda, em especial nas pequenas propriedades da agricultura familiar, contribuindo para manter o homem no campo e evitando o êxodo rural. O produtor agora só vai deixar o seu Cariri apenas e tão somente no último pau-de-arara, como sonhava Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.
O artigo rebate ainda aqueles que insistem em vender a sandice de que a usina de biodiesel de Montes Claros seria um “elefante branco”, argumentando que a cidade encontra-se distante 417 quilômetros de Belo Horizonte ou da refinaria da Petrobras, em Betim. O que se diria, então, da usina construída pela Petrobras em Quixadá, no sertão central do Ceará, a 160 quilômetros de Fortaleza e a milhares da refinaria mais próxima? São outros os interesses dos que “vendem” esta ideia, sem levar em consideração o custo/benefício entre manter um pequeno agricultor em sua terra ou em uma grande favela como a de Jardim Terezópolis, em Betim, do lado da Fiat e próxima da Refinaria Gabriel Passos.
Postado no site montesclaros.com, o artigo entrou na lista dos 15 mais lidos da semana. Na série de comentários dos internautas, separamos dois. O primeiro é assinado por José Gonçalves (jocgoncalves@gmail.com), de Belo Horizonte: “Sobre a polêmica a respeito da indústria de biodiesel, tenho a dizer que sou favorável à mesma. Sei que não é obra de Lula, a quem gostaria de ver fazendo greve de fome junto a Evo Morales e, de preferência, que vá e fique na Bolívia. Trata-se de grande investimento imaginado por cabeças pensantes de nossa ‘Aldeia’, como diz Augustão. Para quem não sabe, o início da extração do óleo de mamona em Moc começou em 1969/70, através da Valsa -Indústrias Reunidas Vale do São Francisco, fundada pelos Irmãos Pereira. O gerente era Josué Antunes. Lá também trabalhavam Ricardo Santos, Renê (meu irmão), Nem Faquir, Leônidas Leão, Juvenal, Agamenon Monteiro, Miltinho Almeida e outros, onde foi assinada a minha primeira carteira profissional de trabalho. Exportávamos óleo de mamona para toda a Europa. Então, caso não sirva para o biodiesel, o óleo de mamona (ricinus oleicus) que compramos e usamos como óleo de rícino, será de grande serventia para o crescimento das exportações de nossa cidade. E que venham muitos empregos”.
O segundo comentário é técnico e aborda uma opção aparentemente errada que teria sido feita pela Petrobras no sistema de produção da usina. É da lavra de Flávio Guterres Data, de Montes Claros: “Sobre o assunto biodiesel, e não entrando no mérito do custo nem do motivo eleitoral, posso contribuir no aspecto ambiental da usina de biodiesel, informando que a tecnologia adotada para a extração do óleo pela Petrobrás, utilizando o metanol, é muito mais perigoso e impõe riscos elevados, pela exposição da comunidade à inflamabilidade, ao contrário do que se fosse utilizado o etanol. Portanto, ambientalmente analisando, o modelo de produção adotado não foi o ideal”.
Como a Petrobras não se manifestou sobre as vantagens do etanol ou do metanol, o fato é que o Brasil só é hoje uma potência na produção do etanol porque, décadas atrás, foi criado o Proálcool, programa subsidiado. Também a Embraer, que era estatal, foi subsidiada. Hoje, lidera o ranking das empresas exportadoras. Se não começarmos hoje com o biodiesel, amanhã lamentaremos. Quem viver, verá.

(*) Adriano Souto é editor-adjunto de Política


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Por Web Outros - 13/4/2009 07:39:15
Morte na quaresma

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Nascido em famílias bravas, dos Melo Franco por um lado, e dos Alves, com intensa atuação política em Minas Gerais em época de grande tensão, Márcio Moreira Alves é do Rio de Janeiro e lá morreu, no Hospital Samaritano, em 3 de abril. Nunca foi partidário do silêncio, como nunca o foram seus ancestrais de Minas. Os Melo Franco e os Alves representaram o Estado na Câmara Federal e, dos segundos, dois foram médicos e importantes personagens no palco político norte-mineiro, com ênfase em Montes Claros: Honorato José Alves e João Alves integram esse clã ilustre, que viveu no interior duros embates marcados por turbulência e sangue.
Márcio nasceu em 14 de julho de 1936, seis anos após o episódio da violência de 6 de fevereiro de 1930, que Assis Chateaubriand classificou como “emboscada de bugres”. O episódio alcançou repercussão nacional e contribuiu para apressar a revolução.
Márcio Emannuel Moreira Alves começou carreira como jornalista aos 17 anos, no “Correio da Manhã”, no Rio de Janeiro. Passou por grandes órgãos da imprensa, conquistou o Prêmio Esso em 1957, com a cobertura da crise política em Alagoas, com a invasão da Assembleia Legislativa, em que foi baleado. Mas mandou a matéria para a redação.
Eleito deputado federal durante o regime militar, boicotou as festividades de 7 de Setembro, em protesto pela intervenção na UFMG (Aluísio Pimenta era o reitor). Condenou a brutalidade das ações policiais, a caça a líderes estudantis, prisões e espancamentos.
A condenação pública ao regime, em discurso na Câmara, resultou a cassação de seu mandato. Exilado no Chile, passou à França, por Cuba e Portugal, regressando ao Brasil em setembro de 1979, com a anistia. Foi um jornalista firme e um intelectual incoercível.
Na capital Federal, residiu em casa alugada, no Lago Sul, com Edgar da Mata Machado, Eugênio Doi Vieira e Davi Lerer. Era a “república socialista do Lago”, porque seus moradores eram deputados de esquerda. O próprio Márcio, como registrou Gilberto Dimenstein, dizia que não passava de um lugar semideserto, por onde passeavam à noite lobos guarás, corujas e cobras”. Tudo mudou. Mas hoje, conforme Dimenstein, “palavras como ‘imperialismo’ e ‘ditadura do proletariado’, ou personagens como Mao, Guevara e Luís Carlos Prestes, soam distantes”.
Para defender-se da cassação, Márcio Moreira Alves citou a profecia de Isaías: “Pois eu vou criar novos céus e uma nova terra. O passado não será mais lembrado, não volverá mais ao espírito, mas será experimentada a alegria e a felicidade daquilo que eu vou criar. Serão construídas casas que se habitarão, serão plantadas vinhas das quais se comerá o fruto. Não mais se plantará para que outro se alimente. Os filhos do meu povo durarão tanto quanto as árvores, e meus eleitos gozarão do trabalho das suas mãos. Não trabalharão mais em vão, não darão mais à luz filhos destinados a uma morte repentina.”


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Por Web Outros - 12/4/2009 19:05:02
No rol da suspeição

Manoel Hygino - Transcrito do jornal "Hoje em Dia", de 12/04/09

Leio principais manchetes dos jornais em março findo. Procuro boas notícias. Leio “desemprego no Brasil sobe em fevereiro e atinge 8,5%, a maior taxa desde abril do ano passado”; “em sua quarta queda consecutiva, o emprego na indústria brasileira caiu 1,3% em janeiro”; “inadimplência dos consumidores aumentou 8,6% nos dois primeiros meses do ano”.
“Crise já atingiu o consumo das famílias no Brasil, queda de 2% no último trimestre de 2008 é a pior desde 2003”; “Grupo Rima para fabricas em Capitão Enéias e Várzea da Palma e deixa 3.200 sem trabalho”; “estudo aponta classe média brasileira como a segunda mais tributada entre cinco países da América do Sul”.
O homem que trabalha por aqui é um sofredor, pagando os mais altos tributos entre todos os países e não recebendo os benefícios correspondentes. E os que não precisariam mais trabalhar, os aposentados, são obrigados ao labor diário, se não quiserem passar fome.
O Brasil é um país que paga mal aos seus trabalhadores. Daí o soldado de polícia ser coagido a fazer bico como vigilante noturno e os de outras profissões se desdobrarem como reparador hidráulico, elétrico, desentupidor de redes de esgoto, mecânico, tudo enfim que se pensar.
Manter a sobrevivência e a família é um esforço de todos os dias. E haja meio para pagar luz, água, telefone, artigos escolares, coisas assim. E o gás de cozinha? E os medicamentos? E o transporte coletivo?
Os que tapeiam, que surrupiam, que desviam, que embolsam dinheiros alheios, os malfeitores, os narcotraficantes, os corruptos, os de mau caráter e os sem caráter, os ladrões de pequeno, médio ou grande porte, de colarinho branco ou sem ele, os apadrinhados, os protegidos, os beneficiários do nepotismo histórico instalado no país, são os que levam vantagens e aproveitam.
Há uma crise imensurada ainda, internacional, que a todos afeta e inquieta. Mas há também a outra – da falta de lisura, de descompromisso com o bem comum, de desonestidade, que envolve o homem incorrupto, atirado no balaio de gatos em que se misturam os fora-da-lei, de toda procedência, nível e natureza.
Os recursos se perdem no ralo da insensatez, da irresponsabilidade, da incompetência, das fraudes, da delinquência e do crime, resultando perniciosamente para o cidadão e para o país. Em consequência, padecem os homens de bem, confirmando o pensamento de que os justos pagam pelos pecadores.
Mais do que nunca, há necessidade de uma tomada nacional de consciência. A crise passará, mas a omissão diante dos desacertos e descaminhos não se solucionará senão mediante uma verdadeira cruzada, que envolva os cidadãos que querem uma nação próspera e feliz.
A baixa credibilidade no sistema político que praticamos é responsável pelo pessimismo que habita entre nós. A velha escola do “rouba mas faz” ainda conta com inúmeros prosélitos em nosso meio. A sucessão de escândalos envolvendo autoridades de vários escalões e grupos cuidadosamente montados para enricar, em detrimento do interesse nacional, se demonstra em todas as edições dos jornais e noticiários das tevês e rádios.
Lamentavelmente a não punição dos culpados por formidáveis golpes, praticados contra os cofres públicos e os cidadãos continua, estimulando os desonestos, os dilapidadores de dinheiros alheios e os aproveitadores de oportunidades.
Encoraja o homem de bem saber que se identificam agora delinquentes, presos diariamente, mas diariamente libertados, por força do dispositivos legais que parecem estabelecidos para servir ao crime e ao criminoso. A autoridade policial de hoje ou o severo juiz que conquista a simpatia e o apoio dos brasileiros, de uma hora para outra surge no rol da suspeição. A quê e a quem interessa a política de desnorteamento da consciência nacional?
No tempo de Hamlet, dir-se-ia: há algo de podre no reino da Dinamarca. Entre nós, o que dizer da degradação e da putrefação?


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Por Web Outros - 9/4/2009 11:37:03
A disputa que não chegou a acontecer

Carlos Lindenberg - Jornal "Hoje em Dia"

Quem esteve em Montes Claros na última segunda-feira certamente não viu, com os olhos de quem acompanha política há muitos anos, a tão comentada disputa entre o governador Aécio Neves e a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, competição essa em torno de quê, ninguém sabe. Ora, o que se sabe é que a disputa do governador Aécio Neves é com o governador de São Paulo, José Serra - e Serra não esteve em Montes Claros, ao que consta. De forma que a propalada disputa está menos na realidade dos fatos do que na sempre fértil imaginação das pessoas, daí porque há muita gente que vê fantasma ao meio-dia.
Da mesma forma, quem também esteve em Montes Claros e conhece a cidade, com os olhos de quem lá viveu por muitos anos, certamente se surpreendeu com a magnitude do evento. Há muitos anos não se via coisa igual na antiga capital mineira da Sudene e nem sempre se vê em outras cidades. A um só tempo, estavam em Montes Claros o presidente da República, o vice-presidente, o governador e o seu vice, nada menos de 12 outros governadores e 11 ministros, além de boa parte da bancada de deputados federais e estaduais, e presidentes de empresas e instituições públicas. É evidente que acontecimento de tal vulto não deixa de quebrar a rotina da cidade e de trazer algum tipo de transtorno à sua população.
Mas como o presidente e os demais visitantes não estavam lá para tomar um “golo” num dos diversos bares da cidade nem para comer uma carne de sol de “dois pelos”, é de ver que Montes Claros pode ao final contabilizar ganhos que raramente são escriturados em outros municípios de igual porte. Não basta citar a inauguração da fábrica de biodiesel Darcy Ribeiro, de resto já em funcionamento, nem a ordem de serviço para a reconstrução da BR-135. Montes Claros, nos últimos dias, está nos principais jornais e telejornais do país, como palco de decisões importantes e até mesmo de um embate que está mais para a Batalha de Itararé do que para a realidade política dos dias que correm. Ou alguém imagina que é todo santo dia que alguma cidade, à exceção de Brasília, está no foco do noticiário e pode hospedar, mesmo que por um só dia, tanta gente com tamanho poder de decisão?
De sorte que Montes Claros voltou a brilhar nessa última segunda-feira. O evento patrocinado pela Prefeitura da cidade, pelo Governo estadual e pelo Governo federal fez Montes Claros viver um momento de grande intensidade, coisa que não acontecia, de fato, há muito tempo. E como em outros momentos, os visitantes puderam ser contemplados com a dança e a musicalidade do grupo Banzé e com a voz genuinamente sertaneja do eterno vaqueiro Nivaldo Maciel no seu inconfundível toque do aboio.
O fato de a ministra Dilma e o governador Aécio estarem juntos, a um só tempo, num evento de tamanhas proporções pode estimular especulações, mas não sustenta formulações do tipo quem ganhou ou quem perdeu. Ninguém ganhou ou perdeu nada. Até porque ninguém estava ali para ganhar ou perder qualquer coisa. No máximo, a cidade ganhou projeção e alguns benefícios, mas em troca perdeu, por algumas horas, a sua madorna de uma segunda-feira de outono com temperatura de verão. Nada mais, nada menos.
A ministra Dilma Rousseff e o governador Aécio Neves, para não falar no ministro Patrus Ananias e no vice-governador Antônio Anastasia, ambos presentes e bastante desenvoltos, não perderam nem ganharam nada além do que normalmente ganha quem anfitriona espetáculo de tamanha grandeza ou quem dele participa com destaque, caso de Aécio e Dilma. É verdade, como soe acontecer, que havia claques de ambos os lados, tanto para vaiar como para aplaudir. Assim como Dilma e Aécio cumpriram o seu papel, cada um à sua maneira. Aécio mais desenvolto, mais à vontade, digamos, o que lhe é característico. Dilma esforçando-se para manter sua imagem colada à do presidente Lula. Ambos, no entanto, tiveram dois momentos abaixo do que deles se pode esperar, considerando-os postulantes ao cargo maior da nação. Aécio lendo discurso, num palco político. Dilma também lendo anotações, mas com visível falta de emoção, carente de comunicabilidade. É de se esperar mais dos dois, mesmo que não se queira ver no encontro de ambos, em Montes Claros, uma disputa por espaço e muito menos por votos. A disputa de Aécio, por enquanto, é com José Serra em busca de espaço no PSDB. Já a da ministra Dilma Rousseff, novamente mineirizada, é com ela mesma, na sua ainda falta de jeito para se dirigir à população, coisa, no entanto, que se corrige com alguns treinos. A destacar, o empenho dela para fazer o dever de casa.


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Por Web Outros - 9/4/2009 08:30
A água dos caminhões
Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Dou-me à cachimônia de ler notícias sobre a pobreza e os pobres deste país, contrariando o que ocorre corriqueiramente, porque existem os que têm aversão por esse segmento sofrido da população. Antes de entrar no assunto propriamente dito, examino a palavra “cachimônia”, popular, de origem ignorada, usada outrora pelo meu pai. Há anos não a ouço de outra boca. É pachorra, ou algo assim.
Temos de nos convencer e admitir que há gente pobre neste país. Numerosos.
Tenho mais contato com eles do que com os privilegiados, os ricos, a elite, até porque aqueles são numerosos demais. Não se deve atrelar às belezas coloridas das novelas de televisão ou das praias de mar azul, palmeiras ao vento, areias limpas, ocupadas pelo que há de mais belo no espécime humano, em dias de sol resplandescente.
Para chegarmos às esfuziantes belezas da orla marítima, temos de viajar. Para encontrarmos os pobres, os carentes, os indigentes, os despidos de esperança e rotos de roupas, basta andar cem metros.
Nem isso. É suficiente sair de casa. Eles estão nas praças, nas ruas, nos passeios públicos, nos bancos dos logradouros, na sarjeta, nas filas para tudo e que nada, via de regra, resolvem.
Pessimismo ao extremo? Li a seguinte mensagem, do município de Pedra Azul: “Peço ajuda para que entrem em contato com o coronel do Exército para nos enviar água, pois a situação aqui é muito feia, só temos uma água salobra, não temos emprego, mas graças a Deus temos um terreninho para passar o resto da velhice.
Agora os caminhões-pipa pararam de nos trazer água, e dizem que o coronel mandou parar; pelo amor de Deus, que leve esta notícia ao coronel, pois aqui é muito longe, onde só encontramos uma água salobra, salgada; nessa nossa região, a chuva é muito difícil, pelo amor de Deus, façam alguma coisa”.
Procurei esclarecer-me.
O 555º Batalhão do Exército suspendeu a Operação-Pipa de fornecimento de água potável ao Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha, com abastecimento comprometido pela estiagem.
O programa atendia 32 municípios e a suspensão decorreu de determinação do Ministério da Defesa, uma vez esgotados os recursos repassados pelo Ministério de Integração Nacional.
Tão logo fortalecidos os recursos, o serviço, de tão elevado sentido social, assistencial e humano, voltará, havendo 500 pipeiros cadastrados.
Desde outubro de 2007, o Exército fazia essa distribuição às comunidades.
O programa é emergencial. São analisados os decretos de situação de emergência em Águas Formosas, Berilo, Buritizeiro, Carbonita. Crisólita, Malacacheta, Miravânia, Nova Porteirinha, Novorizonte, Olhos D’Água, Padre Carvalho, Poté, Riachinho, São João da Lagoa, São João da Ponte e outros. Não se tem direito de deixar estas populações à míngua de algo essencial à vida.
Ademais, é sabido e consabido que o governo gasta dinheiro “como água”, que me perdoem o trocadilho.
Nas duas casas do Congresso, por exemplo, há uma torneira ligada a uma tubulação de grande diâmetro, despejando recursos elevados no vaso do desperdício, como no caso das Diretorias do Senado.
Ainda bem que, para resolver o problema, pensa-se criar uma nova Diretoria para cuidar das remanescentes. Este país é sério?
Esses pequeninos cidadãos brasileiros, que não se envolvem em invasões de prédios públicos e propriedades privadas, que não causam prejuízo ao patrimônio de quem quer que seja, precisariam ser lembrados na hora de definição de programas de governo.
Deve existir algum meio de ajudá-los na ampliação de sua produção, de orientá-los quanto à sua lavoura.
Ficar sem água, nem imaginar!


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Por Web Outros - 8/4/2009 08:43:53
A viagem final

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Dias atrás, comentava as incômodas, mas amáveis e inesquecíveis, viagens ferroviárias, dando ênfase a uma estrada que mais de perto conheci: a do percurso da Central do Brasil, entre Belo Horizonte e Montes Claros. Tão amigas as viagens que, numa delas, na época candente da Revolução de 1930, levou o emérito e simples Hermenegildo Chaves, Monzeca a mudar o programa de seu deslocamento da capital à cidade norte-mineira.
O montesclaros.com ouviu Mauro Santayana, residente em Brasília, sobre o fato. Santayana, que chegou festejado e atuante aos oitenta anos, disse que “o episódio lhe foi confirmado por Monzeca – a quem chamava de Chaves.
Monzeca mencionou que, numa estação de parada para Montes Claros (tem dúvida, se em Sete Lagoas ou Corinto) o trem foi embora e ele ficou, pois havia saído ligeiramente para uma mesa de sinuca. Sem ter mesmo o que fazer, arrumou uma namorada... na gare... pois não havia como prosseguir e fazer a reportagem sobre o desdobramento dos episódios ocorridos em Montes Claros, após o tiroteio de 6 de fevereiro de 1930, com mortos e feridos. O assuntos foi manchete principal no Rio de Janeiro durante meses, por quase um ano.
Santayana, durante a ditadura militar brasileira andou, pela Europa e conheceu vítimas de governos fortes e ditaduras em outros países. Foi o redator dos discursos de Tancredo Neves, governador e presidente eleito, sendo também assessor de Itamar Franco na Presidência.
Monzeca foi figura doce, amena, folclórica e antológica da imprensa mineira.
Eu o via, na rua Goiás, esperando o momento de tomar o cafezinho na Gruta.
Não tive privilégio de maior convivência com ele, jornalista reverenciado pelos colegas de ofício. Destes, tive informações preciosas, inclusive transmitidas por Antônio Tibúrcio Henriques, que foi secretário do Estado por muitos anos. Quanto a mim, cumprimentos e curtas conversas, porque me parecia profanação aproximar-me do ícone.
Para Roberto Elísio, Hermenegildo Chaves teve o texto mais completo e lírico da história da imprensa mineira, conforme testemunho de mestre Ayres da Matta Machado.
Para se conhecer aquela época e seus personagens, recomendaria a leitura de “Sob a sombra da noite”, o excelente livro de memória de nosso companheiro, aqui, aos domingos.
Para os caricaturistas, não seria difícil retratar Monzeca: “Um maço de cigarros Beverly, um copo de café, um violão. Era boêmio estranhamento avesso a bebidas alcoólicas. Um boêmio não praticante, se diria melhor.
Cercado de admiradoras, o jornalista jamais se deixou enredar no aranhol do amor, para ele algo muito sério, que exigia respeito qualquer que fosse o nível do relacionamento. Contam episódios fantásticos de sua vida pessoal, profissional, sentimental; “uma figura humana admirável, na simplicidade do comportamento, no brilho quase escondido de um estupenda inteligência”, como comentou Roberto.
Residia no Prado, numa casa estilo bangalô, quintal bucólico, na rua Coronel Pedro Jorge. Grandes jabuticabeiras ali se destacavam e ele afiançava que eram centenárias. Ali ficavam apenas os moradores: Monzeca e uma antiga empregada, morena escura, ou mulata, gorda, completamente identificada e devotada ao jornalista em envelhecimento.
Em determinada manhã, sofreu um infarto. Internado no Prontocor, mandou chamar ao hospital um juiz de paz e a empregada.
Casaram-se, na solenidade da travessia de uma para outra vida, como mandam as leis dos homens e de Deus, papel passado.
Nunca se viu Monzeca irado, revoltado.
Foi o maior autor de necrológios da imprensa mineira.
Não sei quem escreveu o seu, evidentemente não superável aos que redigira sobre os grandes e os pequenos que marcaram sua existência.


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Por Web outros - 4/4/2009 14:09:14
O primado letal
Manoel Hygino -Jornal "Hoje em Dia"

Eu me pergunto insistentemente: conseguirá a lei, a ordem, a saúde, a inteligência do homem vencer a droga? Quem se der ao cuidado de mais detidamente se deter sobre as informações que, de todas as regiões do planeta, chegam, verificará que a indagação faz sentido. Jamais, em tempo algum, a humildade se tornou tão subserviente a tão terrível peste, propagada pelo homem, criminosamente, para auferir lucros.
O Brasil é o décimo segundo país do mundo que mais investe em defesa, revela pesquisa realizada na Argentina.
Nosso país gastou US$ 20,7 bilhões nessa área em 2007. Estamos, sim, utilizando recursos preciosos para nos precatar contra os perigos externos. Absolutamente imprescindível.
Quanto estamos investindo na guerra contra as drogas e as organizações criminosas?
Estamos alcançando sucesso nessa guerra, quando sequer sabemos exatamente quais e quantos são os inimigos, onde se encontram, que armas utilizam?
Esta é a mais cruel das guerras, porque visa destruir e escravizar o que de mais puro existe, a nossa juventude, nossos adolescentes, alheios, ingênuos, omissos ou já dominados pela fúria dos narcotraficantes.
Sem regatear dados e estatísticas, quantos no Brasil já morreram nas mãos das quadrilhas ou nos hospitais e clínicas psiquiátricas, em acidentes provocados pelo uso das drogas?
A guerra está declarada e é a mais terrível, porque assassina o futuro e extermina esperanças.
São brasileiros matando brasileiros, sob a égide da força, da insensibilidade, dos desvios morais, para extrair dinheiro da mais sórdida das atividades humanas.
As grandes cidades e as pequenas estão sob efeito e domínio das drogas e dos homens das drogas, envolvendo milhões de pessoas, vítimas, centenas e centenas de malfeitores, e milhões e milhões de dólares.
Esse comércio se amplia ilimitadamente, por mares nunca antes navegados, e as populações das grandes cidades e dos mais distantes rincões se tornaram reféns dos bandidos e das gangues.
Até quando?
Os empresários da morte infestam desde a mais extensa e bela orla atlântica da América do Sul até os confins dos matos gerais. Para eles, nada é impossível, até mesmo perder a vida ou causar a morte de inocentes ou dos agentes da lei.
A cidade do Rio de Janeiro se tornou fonte de coletâneas de notícias de crimes, hediondos muitos, ocupando da primeira à última página dos jornais, dos primeiros aos últimos minutos do noticiário das televisões. Até radicais defensores dos direitos humanos já se convenceram de que esses criminosos travestidos de homens, criados à imagem e semelhança de Deus, não merecem mais tratamento benigno.
Todo o Brasil virou “isso”.
Em Pirapora, onde começa a navegação no São Francisco, importante entroncamento rodo-ferro-hidroviário, o crime chegou, devastadoramente. Em meados de março, os registros policiais revelaram ocorrências funestas. Por causa de um acerto de dívidas com drogas, um bando baleou um ônibus e assassinou duas pessoas.
Havia muitas crianças no coletivo. À frente, os marginais mataram um adolescente de apenas 15 anos. Adiante, balearam um cidadão de 23 anos. O que aconteceu na progressista cidade ribeirinha assustou.
Crimes violentos mancharam de sangue as margens do grande rio.
Apesar de tudo, não cinge a violência às drogas. Foram arrancados os fios elétricos do aeroporto de Diamantina.
Assim, cidade que receberia no dia 6 de abril, o presidente Lula para uma reunião da Sudene, foi cancelada. A tal ponto chegamos. Lamento e protesto.


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Por Web Outros - 27/3/2009 09:15:16

De trem de ferro

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

A ferrovia, em nenhum lugar do mundo, serve apenas para cargas. É um dos transportes preferidos para passageiros, seja nos Estados Unidos, na Europa na Ásia, ou na África.
Enquanto nos países de primeiro mundo, cuidou-se de melhorar a qualidade dos serviços oferecidos aos passageiros, por aqui esta piorou, fazendo com que a rodovia assumisse a predominância de que hoje em termos de comunicação viária.
Grande parte das campanhas políticas nos Estados Unidos entre cidades se faz por ferrovia, mesmo em se tratando de candidatos a presidente da República.
Aqui, o costume foi extinto. Por outro lado, nada mais sofisticado e fascinante do que uma viagem no Expresso Oriente, que inspirou Agatha Christie e outros ficcionistas e teatrólogos.
No Brasil do interior, o trem de ferro vai das principais demandas das populações desvalidas de transporte, em que grande parte dos cidadãos morava e mourejava onde Judas perdera a bota.
Mas de trem sempre se conseguia aproximar-se desse lugar incerto e não sabido, hoje já descoberto pelos bandidos e quadrilhas que conhecem onde está a mina: nos bancos e seus caixas eletrônicos, principalmente.
Na interlândia brasileira, a composição férrea antiga, movida a carvão de pedra, depois a diesel, sempre foi um convite.
A gare era local de encontros entre os moradores à espera da hora da aproximação da composição, de namoros memoráveis mas respeitáveis, de reencontro entre os que permaneceram com os que voltavam das viagens.
O regresso era com muita novidade, as informações sobre os familiares, os acontecimentos vividos na cidade grande, a evolução dos costumes, as apresentações artísticas, o que se vira nos cinemas, talvez alguma peça de teatro, a opereta, gêneros que dificilmente venciam os quilômetros até os lugares de menor expressão demográfica.
Os trens traziam e levavam os que se chamava “viajantes”. Ou seja, os que percorriam as cidades com grandes malas, dentro das quais se comprimiam amostras de tudo fabricado nos grandes centros ou no exterior.
Dos tecidos às meadas, dos perfumes aos machados trazidos da Inglaterra. Um manancial enorme de mercadorias, que logo seriam apreciadas pelas senhoras locais e escolhidas para confecção de roupas, numa época em que fazedoras de vestidos eram conhecidas como “modistas”.
Esses representantes comerciais, quase sempre jovens, embora também existissem portugueses maduros, levavam alegria às comunidades pacatas. Participavam das festividades da comunidade, dos leilões na porta das igrejas, frequentavam os bailes e arrumavam namoradas, com promessa de amor eterno e intransferível.
Raramente sentavam praça na cidade visitada. Levavam vida de cigano, hoje aqui, amanhã ali, mas deixavam um rastro de saudade ou saudades levavam para o resto da existência. Nos carros ferroviários, faziam do percurso uma sucessão de brincadeiras e truques, para amenizar as longas horas de distância entre as estações.
Mas o trem de ferro carregava ainda o que, procedente das capitais, abastecia o consumo local e regional.
Por outro lado, transportava os produtos do interior para as cidades maiores, sobretudo cabeças de gado para o consumo citadino.
Os políticos se deslocavam por ferrovia. Era mais fácil, mesmo quando as fagulhas do carvão atingissem os olhos dos viajores. Bons tempos que viraram anotações de algumas famílias ou registros históricos. Como na viagem de Mello Viana, vice-presidente da República, ao norte de Minas. Terminou em tiros, mortos e feridos.
Contam as más línguas que o conspícuo Mozeca, que se consagraria na imprensa, teve de fazer uma matéria para jornal belo-horizontino, em época de turbulência política. Parou na estação da Central, em Corinto, começou a namorar, e desapareceu por algum tempo.
Foi penoso achá-lo e trazê-lo de volta ao ofício.

(Nas fotos, o jovem jornalista Monzeca e Monzeca já consagrado editorialista do Estado de Minas, um dos mais importantes jornalistas do Brasil - mestre de Rubem Braga e de Mauro Santayana, entre outros)


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Por Web Outros - 17/3/2009 08:14:45
O sobrado de Cyro

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Há quinze anos, faleceu Cyro dos Anjos. Ou melhor, não faleceu, apenas deixou de conviver conosco. Sua obra, não muito opulenta numericamente, é das melhores que os mineiros produziram no século passado e das mais belas que o Brasil recebeu daquele mineiro de Montes Claros, nascido em 1906.
Sua prosa é poesia. O que imaginou e via nas cidades mineiras que descreveu em é iminentemente universal.
Ler Cyro satisfaz e sacia, brandamente. Seu estilo é machadiano, castiço, límpido, transparente; ele não camufla, não desvia, não esconde.
Soube contar a história de Santana do Rio Verde, e o horizonte e o pôr-do-sol da cidade que os mineiros inventaram para ser a primeira capital constituída na República. Seu burgo sertanejo era fagueiro, sonoro, de belas luas cheias, de namoros contidos, de paixões calorosas e talvez letais, fez revolução, gerou um presidente que foi de Minas Gerais e de Santa Catarina, mas Cyro era dos Anjos não se deixou crepitar nas chamas dos excessos.
Esse moço fundou uma espécie de romance regional, sem nada a ver com o dos escritores do Nordeste - Zé Américo, Graciliano, José Lins, Rachel e outros. Abriu seu próprio caminho, delimitou sendeiros, com trilhas, mas jamais se perdeu. Traçou itinerário, limpo, sem mato em derredor. Dizem que sofreu influência de Machado. Não sei. E, se o fez, nada a deplorar. Estava com bom guia, falecido dois anos depois do nascimento da cria.
Cantou seu lugar natal, da infância e parte da adolescência, em “Menina do Sobrado”, de que Paulo Narciso tomou a bondosa iniciativa de enviar-me um exemplar.
Belo presente. Só lera até então “O amanuense Belmiro”, um tipo de habitante de Belo Horizonte, cidade de funcionários, embora a mineirada não gostasse do epíteto.
Cândido Canela, poeta, era da mesma geração de Cyro e evocava casos daquela época.
Nozinho não era muito simpático de Benedito Valadares, governador de quem o autor de “A montanha” fora assessor, e tecia finas ironias sobre o conterrâneo. Águas passadas.
Quanto a mim, de outra geração, não apreciava quem tivera alguma relação com Vargas e os que coadjuvaram durante a ditadura.
A literatura de Cyro me fez aproximar. Eu engatinhava na “Gazeta do Norte”, com os primeiros escritos juvenis. Cyro me surpreendeu com uma carta em que lastimava não existir a conversa de fim de tarde à porta da farmácia do Mário Veloso.
Foi a primeira vez que li a palavra “boutade”, que - desde então - me associava ao autor consagrado.
Há quarenta anos, a Academia Brasileira de Letras o recebeu. Foi tempo bom para a cidade natal que, logo, teve dois filhos na Casa de Machado. Poucas cidades do país gozavam desse privilégio. O segundo era Darcy Ribeiro, outra glória do sertão mineiro. Gente boa, a que a cidade deve em obras e prestígio.
Importante período da vida mineira passa pelos livros de Cyro.
Neles se confundem a ficção, o verdadeiro e o veraz, e ele soube trabalhar com singular maestria esse material.
O leitor encontrará Belo Horizonte em fase de crescimento, os escritores que mais se destacaram, e Cyro tudo relata como profundo conhecedor da língua e dos homens, os famosos e os simples, com os quais compartiu o cotidiano, que como todas as épocas não se repete.
A organização do livro “100 anos de Cyro dos Anjos - Vida e obra”, a ser lançado neste 2009, constitui homenagem justíssima de professores da Universidade de Montes Claros. Graças ao interesse e reconhecimento da professor Ilca Vieira de Oliveira, do Departamento de Comunicação e Letras da Unimontes, preenche-se uma lacuna.
Como observou-se o também escritor Haroldo Lívio de Oliveira, ao frustrar-se o escritório de advocacia de Cyro em sua cidade natal, ela perdeu um bom advogado, mas o Brasil ganhou um notável escritor.


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Por Web Outros - 16/3/2009 09:17:16
A terra alheia

Manoel Hygino

Em 29 de agosto de 2003, 33 pessoas, que se diziam integrantes da Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas, invadiram uma propriedade, com 1.440 hectares, no distrito de Tocandira, município de Porteirinha. Transcorridos mais de cinco anos, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou a reintegração de posse da fazenda, denominada Mulunguzinho. A 10ª Câmara Cível do Tribunal, além da reintegração, determinou que os invasores indenizem os donos da fazenda em 9 mil reais. O valor se refere a multa sobre valores do aluguel de pasto que os proprietários deixaram de receber, embora os prejuízos sejam muito maiores, segundo um dos proprietários. Ora, se há meia dúzia quase de anos atrás, as terras foram invadidas exatamente porque os camponeses se diziam pobres, será que houve uma transformação capaz de gerar o dinheiro para indenizar os proprietários? Deixaram de ser pobres?
Tomaram a iniciativa de entrar em terra alheia talvez por ingenuidade, tangidos pela demagogia dos que acham que a solução do problema agrário no Brasil se faz no peito e na marra, como corriqueiramente se noticia. Será que a leniência – o termo está em moda – das autoridades contribuir para a sucessão de invasões em todo o território nacional?
A lentidão da Justiça tem induzido à impunidade. Meia dúzia de anos depois do ingresso na terra alheia, mantidas as condições de carência dos invasores, onde serão eles encontrados para cumprir a pena, ou seja, pagar aquilo que a Justiça a condena? Se não tiverem meios de pagar, às 33 pessoas, que já devem ser mais, como serão punidas? Prender? Obrigá-las a trabalho em alguma atividade no campo? Que apoio o poder público oferecia aos proprietários para incrementar a sua produção? Existiam meios de comunicação para escoar a produção se aumentada fosse?
Milhares de fatos semelhantes se registraram no país na última década. Os romanos já ensinavam que não adquirem foro de propriedade a terra cedida pela força, a título precário ou clandestinamente.
Nec vi, nec clam, nec proecário. E então? O Brasil está armado pelos integrantes desses grupos já agora com mais de uma ou duas siglas, e sem qualquer compromisso com a sociedade e o poder público. As invasões sequer se resumem aos bens fundiários privados, porque os mentores desses movimentos, a cada momento, podem irromper num prédio público e ocupá-lo, conscientes de que a autoridade os tratará com generosidade, e a verdadeira reforma agrária não se consuma. Embora se negue, há turbulência na terra descoberta por Cabral. Dinheiros públicos foram distribuídos aos que pretendiam ter um lar e um pedaço de chão para semear, plantar e colher. Contrariamente, apenas se semeiam, se plantam e se colhem desavenças, disseminado a incerteza e a intranqüilidade nos últimos redutos de convivência pacífica no interior. Apesar de tudo, necessário esperar e confiar, como está no “Eclesiastes”: “Para tudo, há um tempo, para coisa há um momento debaixo dos céus; tempo para nascer e tempo para morrer; tempo para plantar e tempo para arrancar o que se foi plantado; tempo para matar e tempo para curar; tempo para demolir e tempo para construir; tempo para chorar e tempo para rir”. Mas a hora de os bons rirem está demorando.


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Por Web Outros - 15/3/2009 11:37:01
Prorrogação de prazo

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

No crepúsculo da vida, os homens, racionais que são, fazem uma avaliação do itinerário percorrido. O que se fez, o que faltou fazer. Se fizemos o melhor ou se falhamos em pormenores. É uma pessoal, íntima, prestação de contas consigo mesmo, que deveria ocorrer em cada dia.
Inapelavelmente, erramos muito, poderíamos dar soluções mais convenientes em episódios e fatos que exigiram nosso conhecimento e participação. Involuntariamente (ou não) nos omitimos em algum momento ou exageramos em outros. É da condição humana.
Os brasileiros torcem para a nação sair da melhor maneira possível da crise que se abate sobre o mundo, especificamente no que nos tange, vencendo obstáculos, alguns dificílimos. De fanfarronices e frases de efeito, já estamos fartos.
Cada ser humano tem compromisso consigo mesmo e com os semelhantes. Somos autores, atores e responsáveis por nós e pelos outros. Para os que estão num patamar mais avançado da vida, há de se lembrar o que Sylo Costa comentou ao ensejo do último fim de ano: “Fui amigo, por afinidade, de Mário Lago, com quem me comuniquei virtualmente antes de sua partida. Ele me falou que estava com seu tempo vencido e que seria pontual. Perguntei-lhe como seria isso e ele me disse ter acordo firmado com o tempo:
“Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo: Nem ele me persegue, nem eu fujo dele. Um dia a gente se encontra...”
Sylo declara ter igualmente um acordo de intenções.
Conseguiu com ele incluir uma cláusula que ajudasse os amigos a viver mais e felizes. Está levantando adesões. “Adira e terá direito a chegar atrasado... Afinal, de que vale o tempo para o tempo?”
A cada dia, acrescentamos cruzes na agenda com os nomes dos amigos. É missão dolorosa a cumprir, mas temos de fazê-lo.
Do caminho para Jesus, o “são” Célio Trópia, da Prefeitura de Belo Horizonte, Roberto Caram, Ney Drumond e, mais recente, José Electo Camargos, um dos meus remanescentes no Colégio Santo Agostinho.
No Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, João Botelho Neto, da cidade de São Francisco; o querido Padre Aderbal Murta, invariavelmente primeiro telefonema no meu aniversário; o primo e escritor Reivaldo Simões de Souza Canela.
Seguindo o exemplo de Eugênio Gudin, que com cem anos nos deixou, todos os dias me dou ao trabalho de recorrer à página de anúncios fúnebres, para constatar se estou entre os que subiram ao andar de cima, como diz Wanderlino Arruda, presidente de referido Instituto. Será este o anúncio que não lerei.
Damos adeus, todos os dias. Às pessoas que partem, transformadas em anúncios pagos ou no necrológio, que teve em Hermenegildo Chaves um de seus grandes redatores.Porque também para a morte é necessário bom gosto, inclinação da alma, conhecimento das virtudes daquele que passou por nós na vida, como passamos pelas pessoas nas vias públicas.
O que se depreende da mensagem natalina de Sylo Costa é que, algum dia, em algum lugar nós voltaremos a ver e conviver. Ou, como lembrou, Mário Lago: “ Um dia a gente se encontra”.
Num lugar mais tranquilo, na verdadeira paz que desejamos para nós e para todos os que nos foram ou são queridos.
O texto de hoje não é para o Dia de Finados, 2 de novembro, em que, por sinal, nasceu o saudoso amigo intelectual Abílio Machado Filho, que sempre preferiu viver na modéstia, embora tantos os seus méritos e qualidades. Um ser humano... humano. Quem desenvolve o tema com bom humor é o jornalista Lustosa da Costa, com vários livros publicados, inclusive fora do Brasil. Para ele, esse negócio de morrer muda com a idade.
Meninos, admitimos morrer como Rimbaud ou Castro Alves. Na juventude, concordamos chegar aos 40. Quando lá chegamos, queremos sessenta. Aos 80, pedimos prorrogação.


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Por Web Outros - 27/2/2009 06:34:02
Zuba nas Malvinas
Manoel Hygino - Jornal Hoje em Dia

O Automóvel Clube de Montes Claros foi construído onde outrora funcionou o Instituto Norte-Mineiro de Educação, na Praça João Alves, e lá estudei. Grande saudade.
O logradouro foi local do famoso tiroteio de 6 de fevereiro de 1930, uma “emboscada de bugres”, como foi classificada por Assis Chateaubriand, e ponto de partida para a revolução.
É uma praça histórica, portanto, com um belo grupo escolar, que formou sucessivas gerações norte-mineiras.
Na Rua João Pimenta, minha mãe passou os últimos e doridos anos de sua vida e faleceu. Lá, pois, concentram-se muitos sentimentos que me ligam àquele pedaço de minha região natal.
No Automóvel Clube, no dia 13 de abril, à noite, será lançado “Malvinas – Crônicas de Guerra”, de Fernando Zuba, numa promoção da Academia Montesclarense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e da Reitoria da Unimontes, para cujo êxito se empenhou o jornalista Jorge Silveira.
Quem comparecer à noite de autógrafos, irá adquirir um livro de muitas qualidades. De um cidadão que nasceu para ser de imprensa, de jornal, televisão ou de rádio.
Fernando Zuba é um exímio programador visual, e competente redator, como o demonstrou nos jornais a que se vinculou, seja em Montes Claros, seja em Belo Horizonte. No entanto, é eminentemente um repórter que não se diminuiu quando praticamente estava cego, do que se livrou graças à competência de oftalmologistas conceituados, como Rafael Agostini.
Mas não estava o seu mal apenas nos olhos. Problemas de insuficiência renal crônica o obrigaram, e o obrigam, ao tratamento dialítico, a que se submete agora humildemente, porque paciente de qualquer patologia tem de ser humilde.
No princípio, foi difícil. Há pessoas que não se conformam com suas dores e desditas, principalmente quando a pessoa é irrequieta como o autêntico homem de imprensa, no caso o Zuba. Tanto o é que, em meio a suas atribuições das quais se vai desvencilhando na Santa Casa de Belo Horizonte, ainda teve a necessária força de vontade para editar esse livro, que muito deve à colaboração da esposa, Florinha, e filho, Fernando.
Quem se meteria na Guerra das Malvinas, saindo de Belo Horizonte, a partir de Montes Claros, início de carreira, para atravessar o Atlântico, para cobertura de uma emissora de rádio? Só mesmo Zuba. Através de seu primeiro livro, como diz Édison Zenóbio, é “possível conhecer tipos, personagens, histórias e acontecimentos que ficaram submersos na bruma dos tempos. Mais do que um brilhante redator e repórter, Fernando Zuba bem poderia ser seu personagem. Encanto, humor, texto refinado e senso de responsabilidade nunca lhe faltaram. É um verdadeiro contemporâneo de seu tempo.”
Aliás, quem tiver à mão o volume, contatará companheiros de redações que conheceram o autor, com suas brincadeiras, artimanhas, peraltices e truques, que às vezes azucrinavam os menos afeitos a seu tipo de comportamento.
Nas páginas, oportunidade de memorar jornalistas do mais alto conceito e de entranhada amizade, como Décio Gonçalves de Queiroz, do extinto “Diário de Montes Claros”; e ainda Fábio Doyle (meu confrade na Academia Mineira de Letras), Maria Clara Prates, Ivan Drummond, Julieta Petruceli, Gabi Santos, Helena Indi, Eduardo Costa, Carlos Herculano, Morgan da Mota, além de Afonso Paulino, que foi diretor do “Jornal de Minas”, publicitário Arnaldo Ziller e Jorge Silveira, da Codevasf.
Zuba foi um dos poucos jornalistas brasileiros a cobrir a Guerra das Malvinas. O que viu e sentiu está no livro que se editou, e que também merece o elogio de Dídimo Paiva, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais. Ele diz: “Garanto que as gerações nascidas no tempo daquela guerra poderão ver como é que os donos do mundo tratam as nações periféricas”.
O livro tem meu humilde prefácio, que considerei dispensável.
O trabalho vale por si só.


43653
Por Web Outros - 22/2/2009 07:12:28
A decisão do STF
Manoel Hygino -Jornal Hoje em Dia

Não é de meu gosto fazer “novelinha” nestes comentários diários. Mas, há casos, questões e circunstâncias que convidam ou impõem a estender o tema por mais escritos. É o caso da decisão da mais alta corte de Justiça do país, que estabelece que a pena só deve começar a ser cumprida quando não houver mais qualquer possibilidade de recurso a tribunais superiores.
É algo extremamente perigoso, e o bom-senso leva todos os cidadãos, mesmo os sem o mínimo conhecimento de Direito, a ser contra, pelas conseqüências que advierem.
No noticiário diário que me chega do Montesclaros.com, de Paulo Narciso, li – no dia 11 deste mês – que dois homens numa moto Titan preta tentaram matar, no princípio da noite, o ex-presidiário Romilson Ferreira dos Santos, de 21 anos.
Ele passava de bicicleta com a namorada por uma avenida, quando levou dois tiros de revólver. Os disparos atingiram o pescoço do rapaz, levado à Santa Casa local.
Lição da história. Nossas vias públicas estão cheias de delinqüentes, os que evadiram da prisão, os em condicional, que fazem das ruas campo de batalha para velhas disputas, pois a polícia não pode estar junto ou atrás de cada criminoso, todo o tempo.
Lugar dessa gente seria na cadeia.
Mas como, se elas estão superlotadas e autoridades até dispensam os detidos, por que não há como detê-los de trás das grades?
É uma situação grave, convenha-se, e o poder público tem muitas obras serviços a prestar à sociedade, numa difícil escala de prioridades.
Nesta hora, lembro o premier Shimon Peres, de Israel:
“Governar é fixar prioridades”.
Mas, como?
Uma pesquisa inédita da Associação dos Magistrados Brasileiros revelou que 85% das varas judiciais do país estão sobrecarregadas com mais de mil processos em tramitação. No sul e sudeste, em mais de 70% das varas, existem acima de 2.500 processos aguardando julgamento.
O excesso de trabalho, associado à falta de estrutura física, são apontados pela entidade como as principais causas da morosidade.
Para não me estender muito:
São 68 milhões de processos.
Deixo a linha acima para meditação do leitor e com ele raciocino.
Quantos milhões de casos sequer chegaram a essa fase?
Quantos sequer ultrapassaram os limites de ocorrências policiais, porque as vítimas não querem se expor?
Em jornal carioca de sexta-feira, 13 de fevereiro deparo manchete de primeira página: “O STF agora solta réus de casos de estupro, roubo e estelionato”.
De fato, de uma só vez, foram liberados um condenado por tentativa de estupro, um estelionatário, um ladrão e dois acusados por apropriação de bens e rendas públicas.
É o desdobramento da decisão ao Supremo, segundo o qual têm direito à liberdade presos cuja condenação não transitou em julgado, ou seja, admite recurso.
Só os ministros Ellen Grace e Joaquim Barbosa votaram contra, por entenderem que, em alguns crimes graves, o réu não merece recorrer em liberdade.
Dos cinco mencionados, quatro já se encontravam soltos por liminar.
Também me chega a indignação do promotor de Justiça de Montes Claros, Felipe Caires, contra a decisão ao STF. Como cidadão, ele alerta a sociedade sobre a barbárie que se abaterá sobre o país, caso a decisão não seja revista.
A decisão não precisa ser obrigatoriamente seguida, por não possuir força vinculante. Mas se o condenado em segunda instância tiver fôlego e dinheiro suficientes, ao recorrer poderá impetrar habeas- corpus até no STF e, assim, garantir o seu mais “novo” direito de permanecer solto pelo menos uns dez anos após o crime.
Citado por Caires, o ministro Joaquim Barbosa lembrou que só de um dos réus, em processo de que é relator, foram julgados 62 recursos no Supremo.
Alguns membros da Corte estão fora da realidade.



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Por Web Outros - 11/2/2009 16:41:51
Doença de Chagas, o retorno

Adriano Souto*

Dos 11 princípios de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, o mais conhecido é o que prega que "uma mentira repetida mil vezes se converte em uma verdade". É o que está acontecendo com a Doença de Chagas, que atinge, em especial, a população mais pobre, aquela que vive em casas de pau a pique, cujas frestas são o esconderijo ideal para o barbeiro transmissor. Há anos, difundiu-se a ideia de que a Doença de Chagas acabara no Brasil. Trata-se de uma mentira, repetida mil vezes, que se converteu em uma "verdade" no inconsciente coletivo. Infelizmente, continua sendo uma mentira: a Doença de Chagas não foi erradicada.
Quem garante é o cardiologista Rosemberg Medeiros, do Prontocor, principal hospital especializado em doenças do coração em Montes Claros. O circuito da Doença de Chagas, onde ela é endêmica, compreende o cerrado do Norte de Minas, Goiás e Sul da Bahia. Em especial, no Norte de Minas, Barreiro da Raiz (distrito de Janaúba), Botumirim, Cristália, Itacambira, Grão Mogol, Coração de Jesus e Juramento, região onde o médico Carlos Chagas, em 1909, quando realizava uma campanha contra a malária que atingia os operários que trabalhavam na construção da Estrada de Ferro Central do Brasil, identificou o protozoário "Trypanosoma cruzi", que é transmitido pelo barbeiro, também conhecido como "chupão" ou "bicudo".
Vindos de todos estes municípios, além do Sul da Bahia, os portadores do Mal de Chagas desembarcam em Montes Claros, maior centro encravado no vasto sertão entre Belo Horizonte e Salvador, em busca de serviços médicos. Dos vários hospitais de Montes Claros, dois se destacam no atendimento da Doença de Chagas: o Prontocor e o Hospital São Lucas. Nos dois, há 20 anos labuta o cardiologista Rosemberg Medeiros, hoje um dos maiores especialistas do país em se tratando de Chagas. Rosemberg, discípulo do doutor João Valle Maurício, que em sua época enfrentou a fase mais aguda da proliferação da doença, tem hoje autoridade suficiente para falar a respeito, já que se encontra no meio do furacão, onde está a população chagásica – e onde novas pessoas continuam a ser contaminadas.
Estatísticas do Prontocor e do Hospital São Lucas mostram que são chagásicos 40% dos pacientes internados por causa de Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) e Arritmia Cardíaca. Com arritmia cardíaca, o coração pode não ser capaz de bombear sangue suficiente para o corpo, o que pode danificar o cérebro, coração e outros órgãos. "Se o barbeiro continua aí na natureza, mais próximo, agora, com o crescimento urbano e o desmatamento; se seu reservatório natural, o tatu, continua vivendo no cerrado; se o barbeiro não mudou o seu hábito alimentar e continua a chupar o sangue das pessoas, já contaminadas e os não-contaminados; se as casas continuam de pau a pique; e se a Sucam não mais combate o barbeiro como antigamente, como se pode falar que o ciclo foi quebrado, que a Doença de Chagas acabou? Garanto que não", atesta o cardiologista.
Outro problema é que, com a descentralização do atendimento e a responsabilidade do combate nas mãos das prefeituras, muitas vezes não existem pessoas habilitadas a diagnosticar a doença. No cotidiano, faltam até remédios. E há outra denúncia, que merece a atenção do Ministério Público: na maioria das vezes, o que se constata nos pregões das prefeituras é a compra de remédios pelo preço mais baixo. O que tem acontecido é a compra de medicamentos "similares", nem sempre eficazes, que os laboratórios vendem mais barato porque não precisam fazer testes, ao contrário dos "genéricos" e dos remédios de marca.
Barbeiro solto por aí, chupando sangue de pessoas contaminadas - e também do restante da população, rural e na periferia urbana. É o cenário ideal para a Doença de Chagas. Ainda mais agora que os recursos para o combate ao barbeiro foram desviados para combater a dengue.

(*) Adriano Souto é editor-adjunto de Política


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Por Web Outros - 27/1/2009 07:39:20
O medo do desemprego
Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Waldyr Senna, veterano e conceituado analista de política no Norte de Minas, tem base em Montes Claros. Por muito tempo, manteve a “Coluna do Secretário”, em “Jornal de M. Claros”, editado por Oswaldo Antunes, ali formando uma dupla respeitada e respeitável, que honra a profissão a que se dedicaram, e de que não se afastam, justiça seja feita.
Leio, agora, em Waldir Senna, que indústria com base na Coréia do Sul, propõe levar para ali projeto, que envolve interesse de 1.500 famílias (e não pessoas), na produção de peças de vestuário. Os componentes da família receberiam em casa tecidos e moldes para cortar as roupas, depositadas após confecção, em uma central. Esta se encarregaria de distribuir o produto a grandes empresas do ramo no Brasil. É um projeto de grande alcance, porque não se trata apenas de cortar pano e produzir roupas. As mães de família, as filhas em idade adequada, que não acompanham os maridos e pais, não ficariam mais ociosas. Fabricariam as vestimentas, no próprio lar, acrescentando um rendimento adicional. É algo de notório sentido social e humano, afora o aspecto econômico.
Esta é hora adequada para fazer progredir a idéia, aproveitando a “ensancha oportunosa”, como gostava de dizer Geraldo Majela de Andrade, da redação do velho “O Diário” de Belo Horizonte, onde foi companheiro de Oswaldo Antunes. O cavalo está aprestado, com sela e tudo, à espera do interessado. E, muitas vezes, isso só acontece uma vez.
Iniciativa semelhante deu certo em São Paulo e oferece bons frutos no Sul de Minas com produtos têxteis e bordados, de apreciado bom gosto e beleza, distribuídos aos estabelecimentos comerciais nos dois estados.Em tempos normais na vida das cidades, é uma alternativa sobremodo valiosa, sob múltiplos aspectos. Sobretudo agora, quando o espectro do desemprego - já elevado no Brasil - inquieta as pessoas e as famílias, diante da incerteza quanto ao futuro a médio e curto prazos.
Não é ocasião a se perder e, evidentemente, o Poder Público municipal será sensível à proposta. Aliás, no primeiro mês deste tumultuoso 2009, duas confecções mineiras, de Itaúna e Ipatinga, investiram R$1,5 milhão no aumento da sua capacidade de produção. Assim, contrataram empregados para produzir 315 mil uniformes só para a Vale do Rio Doce, de modo a suprir as necessidades de 48 mil empregados. A fonte não se exauriu. Neste momento especialmente, o assunto deve ser tratado prioritariamente. O homem deste nosso tempo tem mais temor do desemprego, do que da pobreza, a desigualdade social, mesmo do crime e da violência.
O que o mundo sente, o Brasil também sente. Há outro aspecto relevante. É contribuir para que o homem de cidades como Montes Claros e as de menor porte não se sintam atraídas a se transferir para as metrópoles, já inchadas e incapazes de propiciar também trabalho e um pouco de felicidade e conforto aos que procedem do interior. Parece-me sumamente relevante o detalhe.


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Por Web Outros - 23/1/2009 19:12:34
Morte ao anoitecer
Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Foi-se o tempo em que se acreditava que a vida começa aos 40. Hoje, pode-se somar mais quatro décadas e o homem apenas inicia outra etapa, para chegar aos 90 em plena vitalidade, operosidade e planejando o futuro. Para viver bem em número mais avantajado de anos, é preciso ser saudável.
Tenho amizade sólida com esses veteranos de caserna terrena. Vejo-os, com alegria, com relativa frequência, para trocar idéias. Aos que estão longe, há cartas, e e-mails, notícias pelos jornais, com os quais nos atualizamos e reciclamos idéias.
A terapia é trabalho, mental e físico. No ano passado, em julho, na altura de seus 87 anos, José Alcino Bicalho lançou seu primeiro livro, "Poesia a Destempo", em noite de autógrafos na Academia Mineira de Letras. Assessor da presidência da Usiminas, ex-assessor e amigo de Juscelino, ex-deputado estadual, José Alcino escreveu seus poemas em meio a relatórios, pareceres, memoriais, discursos.
No seu "Poema do Heroísmo Obscuro", proclama: "(...) "Deixai-me, oh! céus, ficar na nulidade/Mas permiti que eu guarde esta vaidade/ De ser jamais comparsa de vilões(...)/ E então prosseguirei o meu caminho/ E falarei então aos sanchos-pança/ Numa explosão de todas as vinganças/ Tal qual Demóstenes ao povo inteiro:/ Jamais me curvarei, como as balanças, ao peso mercenário do dinheiro".
Tenho de falar também de um conterrâneo, José Pereira de Souza, que já chegou aos 90. Nasceu em família numerosa e, com a esposa Neusa Callado, constituiu uma prole de dez filhos, dezesseis netos e três bisnetos.
Esse cidadão foi comerciário, ingressou por concurso no Banco do Brasil, serviu na terra natal, em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro, exerceu cargos em comissão e, finalmente, aposentou-se. Então, começou novo itinerário, não se permitindo o imobilismo. Iniciou a redação de reminiscências, publicando-as na imprensa, inclusive no HOJE EM DIA.
Não acomodado, decidiu publicar o primeiro livro, "Crônicas e Contos ao Entardecer", editado pela Kroart, do Rio de Janeiro.
São sóbrios os textos de José Pereira de Souza, que soube concatenar as idéias, expressá-las, transpô-las em linguagem agradável, fluente, às dez crônicas de um fato rigorosamente verídico, reportando-se ao infortunado 6 de fevereiro de 1930, quando se travou o choque armado entre facções políticas, que alcançou as páginas dos principais jornais do Brasil. Seis de fevereiro passou a data no calendário político nacional.
Assis Chateaubriand classificou o sangrento episódio como "emboscada de bagres" fundamentando seu julgamento nas notícias dos jornais e na oitiva de partidários, num momento - vamos dizê-lo - incendiário da vida nacional. A partir dali, estava deflagrado o movimento revolucionário de 1930, que resultou na expulsão de Washington Luís do Catete e na ascensão de Vargas, com curto interregno de governo provisório.
O personagem é um adolescente, em torno de 15-17 anos, criado em Montes Claros, afilhado do médico João Alves, que se encarregou de abrigá-lo e dar-lhe educação.
Fifi, este o apelido, era benquisto no rol dos rapazes de mesma idade.
José Pereira de Souza descreve, com habilidade e conhecimento de causa, o clima sombrio daquela tarde, quando o vice-presidente da República, Melo Viana, desceu na gare da Central do Brasil. Havia efervescência, boletins distribuídos pelas facções políticas, a Concentração Conservadora, que apoiava o Catete e a Aliança Liberal, contra Washington Luís.
Os ânimos estavam exaltados. "Vivas" e "Morras" ecoavam em meio à passeata, até a praça donde residia João Alves, líder da Aliança Liberal. Havia densa expectativa. A estação ferroviária se fizera pequena para receber os adeptos de Melo Viana. A cidade estava cheia de jagunços.
O escritor, ora nonagenário, se encontrava em meio ao povo. Aos adolescentes interessava a banda de música e o foguetório. Fifi pulava. A noite desceu. Muito barulho, gente em correria, sem rumo. De repente, Fifi caiu aos pés do companheiro, que o chamou pelo nome. Inutilmente. Sangue escorria do corpo da vítima. José Pereira foi ajudado por um desconhecido a transportar Fifi para um local seguro. A revolução começou ali, naquela noite, com um rapazinho sacrificado


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Por Web Outros - 28/12/2008 19:13:10
O poeta esquecido
Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

Primeiro, a querida e saudosa amiga acadêmica Alaíde Lisboa de Oliveira me trouxe um volume sobre Severiano de Resende, que fizera parte do legado do esposo, um dos expoentes do magistério de língua portuguesa, professor José Lourenço, outrora temido pelos candidatos ao vestibular, quando havia provas orais.
Depois, muito tempo depois, o competente jornalista Paulo Narciso, tão admirado justamente pelo que escreve e pela conduta límpida e solidária, me formulou a pergunta, em 2005: Seria o padre José Severiano de Resende irmão de Henrique de Resende, o vate que integrou o Grupo Verde, de Cataguases ?
A pergunta me martelou todo esse tempo, porque nem sempre as atividades cotidianas permitem alguém se dedicar a um determinado tema. Até que o escritor Vanderlei Pequeno ma abriu via preciosa, submetendo a indagação ao estudioso Fernando Moreira, que me aclarou o que era importante.
O padre José Severiano de Resende e Henrique de Resende são descendentes de João de Resende Costa, do Arquipélago dos Açores e Helena Maria de Rezende, casal que teve uma das filhas naquele arquipélago antes de radicar-se no Brasil.
O sacerdote é filho do cel. Severiano Nunes Cardoso de Rezende e Custódia A. de Mello Rezende, enquanto Enrique é filho do dr. Afonso H. Vieira de Rezende e Josefina Adélia Faria de Rezende. Parentes, pois, mas não irmãos.
Segundo Andrade Muricy, Severiano é um dos simbolistas brasileiros representativos e, apesar de incompletamente realizado, é maior poeta, depois de Alphonsus de Guimarães do Simbolismo em Minas Gerais”.
Levou uma vida agitada Severiano de Resende. Nascido em Mariana, em 21 de janeiro de 1871, cursou o Liceu Mineiro, de Ouro Preto, onde foi colega de Alphonsus. Passou pela Faculdade de Direito de SP e ingressou no Seminário de Mariana, ordenando-se em 1897. Já tinha publicado três livros polêmicos, segundo Assis Brasil, de teor desabusado. Eram “Cartas Paulistas”, 1890; “Eduardo Prado”, 1905; e “O meu flos sanctorum”, 1908. Seus artigos contra os “medíocres da literatura” causaram sensação no Rio de Janeiro e São Paulo, além de desavenças contra “autoridades eclesiáticas”.
Desencantado com a Igreja, deixou a batina, casou-se, saiu do Brasil e viveu, precariamente, em Paris, onde manteve uma coluna sobre literatura brasileira no “Mercure de France”. Em 1915, voltou a Minas Gerais, visitou amigos, entre os quais o solitário Alphonsus em Mariana, indo ambos a Belo Horizonte, onde receberam homenagem. Morreu em Paris, em 14 de novembro de 1931 e foi sepultado numa pequena cidade no Sul da França.
Para Fernando Góes, Severiano foi um inovador na poesia, com sonetos parnasianos, ao lado de poemas religiosos, “ricos de inovações e em metros não consagrados”. “Belos e estranhos poemas, que fazem de José Severiano Resende, não esquecido e tão mal conhecido, um dos nossos grandes poetas.”
Foi oficial da Ordem de Cristo, oficial da Ordem de Santiago, de Portugal, Cavaleiro da Ordem da Estrela da Romênia. Foram-lhe prestadas grandes homenagens pela Embaixada e Consulado do Brasil, em Paris, quando de sua morte.
Em “Mistérios”, Severiano de Resende descreve o lobisomem como um homem pardo “de hisurto pelo e de melenas ao vento” que “lança dos olhos chispas transcendentes e da fauce vomita sangue e fogo”.
Permanece indecifrado a autoria da música que Paulo Narciso lembra, muito cantada na nossa região, com respeito admirável: “Quem fez a lua, que universo aclara, de luz tão rara, quem a fez assim? Quem as estrelas pôs no firmamento, eu firmo e creio fostes vós, meu Deus. Quem a meia rosa cingiu de espinhos, e aos passarinhos quem os fez cantar? Quem fez a terra rebentar em flores, em tão lindas cores, quem as fez assim?”
A música teria letra de Severiano, ou de seu grande amigo Alphonsus? Observo: o Resende com s ou z varia nos originais.


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Por Web Outros - 22/12/2008 10:10:17
As vozes do Natal
Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

O Natal oferece oportunidade acima de tudo para meditar sobre o homem, sobre a Terra e sob a terra. Ao evocar a lembrança do Cristo Jesus, deveria destinar a reunião dos homens de boa vontade, no lar, as nações e os povos, para assimilar a necessidade de praticar a lição de 2 mil e poucos anos atrás.
Os novos usos e costumes têm afastado o homem das vias e dos ensinamentos de bem viver, através do amor, que começaram a vicejar e a ampliar-se desde o nascimento daquela criatura em Belém, ou Nazaré – pouco importa, até o sacrifício que chegou a término no Gólgota. Não conseguimos absorver o sentido de uma vista reta e justa, a significação de exemplos e fatos que resultaram da ação de um simples homem do Oriente, numa terra e época dominadas por estrangeiros e que, a cada passo, indicava os caminhos da dignidade, da convivência, do bem e do bom. Se praticadas as lições do modesto filho do carpinteiro, o mundo seria outro, mais feliz. Mas o ensinamento ainda há de ser incutido em todos os corações para que produza bons frutos.
Não conseguimos paz, porque não a temos dentro de nós. É vicejante em cada um e em todos que se alcançarão os benéficos efeitos jamais alcançados. A humanidade sofre em dor. Na noite de Natal, para comemorar o nascimento d’Ele, não estão mais conosco os que nos deram a vida, e os que os geraram, e os que foram irmãos e parentes em todos os graus.
Eles partiram para a longa viagem, mas deixaram marcas profundas e nossos espíritos e sentimentos. O próprio encontro natalino é uma forte reminiscência de costumes ancestrais, que nos acompanham durante décadas. É a força do passado dentro de nós. No bulício da noite festiva, pulsa dentro de nós um tempo pretérito que não morreu. As caras novas introduzidas no lar evocam as dos que antes estiveram conosco na oração e junto ao presépio, quando buscávamos aprender integralmente a significação do episódio introduzido no cenário da existência, pela lição maior que recebemos do Oriente. Nestas horas e momentos percebemos que a vida não termina com a morte, que há transcendentais fenômenos que ultrapassam a festa e os que ela comemoram.
Há um imenso mistério que se vai desvendando a cada ano, enquanto o tempo se esvai e personagens em derredor se substituem ou se sucedem, acompanhando a ordem natural. No Natal, ressoam, no mais íntimo de cada um de nós, vozes imemoriais, que confirmam a idéia do homem, criado à imagem e semelhança de Deus, para conviver em amor e paz com seus semelhantes. O ensinamento maior, todavia, infelizmente ainda não foi assimilado, como convém.


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Por Web Outros - 16/12/2008 08:44:49
Deus é que sabe

Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia"

O Rotary Club Francisco Sá e o Clube Social de Francisco Sá, realizadores da festa Brejeiro Ausente e Brejeiro do Coração, daquela cidade norte-mineira, concederam-me, em setembro, o título e o belo diploma de "Brejeiro Ausente".
Este foi assinado por Mires de Fátima Soares Pena e Silva, presidente do primeiro, e Maria Hidée Antunes Coelho, presidente da segunda.
Brejo das Almas é nome antigo. Agora é Francisco Sá, homenagem a um brioso homem público nascido na região, a que tanto deve, assim como o Brasil. Mas consagrado permaneceu Brejo das Almas, que já mereceu reverência e carinho da nobreza intelectual e artística brasileira.
Drummond cantou sua musa em um livro memorável. Yvonne de Oliveira Silveira, presidente da Academia Montesclarense de Letras, e Olyntho da Silveira têm primoroso trabalho histórico e social sobre o município. Geraldo Tito redigiu lembranças sobre o Brejo e outros brejos da vida. Haroldo Lívio fez o mesmo, com seu talento e memória fabulosas.
Paulo Narciso esconde seu amor na humildade.
Antônio Dias, ali nascido, chegou à presidência da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, por todos os méritos, ocupando ainda outros importantes cargos públicos. Além de prefeito de sua cidade natal.
É sempre vulnerável toda lista que se faça, sobretudo de um município rico em valores humanos, intelectuais e artísticos, que deixou descendência admirável, como Maria Luiza Silveira Teles, escritora de grandes virtudes e educadora reconhecida. Como virtudes tem também o irmão romancista.
No Brejo esteve o velho e estranho louco, de procedência desconhecida como o próprio fim. Surgiu sujo, de roupas rasgadas, percorria as ruas sem incomodar e sem nada pedir. Pensativo e triste, parceria sofrer de alguma dor moral, não de loucura. Jamais esclareceu a mínima coisa sobre si mesmo, quem era, de onde viera e para onde ia. AA A resposta era única – "Deus é quem sabe", não se perturbando com as brincadeiras dos meninos malinos. Dava a impressão de um homem cansado dos homens, desiludido, desencantado.
Em saudação a uma nova acadêmica, Karla Celene Campos, Vanderlino Arruda, em discurso iluminado, fez o elogio à autora de "Ventos e Vivências no Brejo das Almas". Um hino de louvor à cidade e a sua gente, seus costumes, tradições, alguma saga com a do padre Augusto à frente.
Por que esse fascínio de um aglomerado humano tão distante dos brilhos das capitais? Por que outras maiores não foram brindadas com versos e cantares?
João Cabral de Melo Neto, autor de "Morte e Vida Severina", numa entrevista à "Folha de S. Paulo", declarou: "Quando saí do Recife, numa viagem de muitos dias e aventuras, com destino ao Rio de Janeiro, passei por uma cidadezinha por onde ninguém passou, nem mesmo Carlos Drummond de Andrade, apesar de a cidadezinha, no Norte de Minas e próximo a Montes Claros, ter o nome do livro do hoje considerado maior poeta brasileiro: Brejo das Almas".

Quem passa por ali, mesmo meramente por passar, não a esquece. A pessoa entra por suas ruas e ela entra definitivamente no coração e na memória. Que feitiço teria a cidadezinha?
Karla Celene, uma voz autêntica e de rara beleza, não se sente no dever de esclarecer sua afinidade com o Brejo. "A função do escritor não é esclarecer. Machado de Assis jamais esclareceu se Capitu traiu ou não Bentinho. Esclarecer cabe à jornalistas. O escritor, a exemplo dos filósofos, deve "fazer pensar, sugerir, insinuar, incomodar, semear dúvidas, lembrar quê"
O apreço do Brejo me vale muito, eu que tive ascendência por ali, nas redondezas da cidadezinha, tão preciosa para todos nós. Ela tem a essência da vida.


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Por Web Outros - 6/12/2008 07:48:31
Petróleo em Minas

Manoel Hygino
Jornal "Hoje em Dia"

No tempo de Getúlio Vargas, apareceu um americano por aqui e disse que o Brasil não tinha petróleo. Naquela época, ainda se consumia pouco hidrocarboneto, isto é, petróleo e derivados. Certamente Link pertenceria a algum grupo internacional interessado em descobrir o ouro negro em outros pedaços do planeta.
Monteiro Lobato, que era patriota, homem de visão e com notável tenacidade, não acreditou. Por que, existindo petróleo em derredor, a natureza somente o escondia do Brasil, cuja área geográfica é a maior de todos os países da região?
O bravo paulista pagou caro por defender suas idéias. Chegou a ser preso, por desobedecer a versão oficial de que hidrocarboneto por cá não havia. Perfurou o seu próprio poço, com os minguados recursos técnicos de então, e nada se localizou de produção aproveitável. Veio o silêncio.
Quando Getúlio já era presidente constitucional, muitos anos após, ele próprio lançou a campanha “O petróleo é nosso”, com apoio maciço da juventude, dos nacionalistas de todas as correntes políticas, que piamente criam que aqui não era só de café e leite, de ouro, pedras preciosas, e minério de ferro.
Pioneiro na perfuração de poços petrolíferos em áreas profundas, possuidor de técnicas avançadas, o Brasil se transformou num dos grandes produtores do mundo, e muito mais tem a pesquisar, inclusive no pré-sal na costa marítima. A natureza, ou Deus, como se quiser, deixara em território brasileiro, em terra e no mar, o tal petróleo que o famoso Mister Link dissera inexistir.
Não se admitiria, porém, que o óleo só pudesse ser extraído junto à orla marítima, um privilégio que Deus ou a natureza tampouco tivesse definido. Por que? Minas Gerais, estado mediterrâneo, insistia para que se promovessem pesquisas em seu território, tão grande como a França. Parecia má vontade com a terra berço de Tiradentes e de grandes nacionalistas. Teimou-se em que a União trabalhasse no Norte-mineiro, como um tudo. No entanto, bateu-se na tecla, tendo uma empresa de Belo Horizonte, a Brain Tecnologia, elaborado o estudo “Avaliação do Potencial Patrolífero da Bacia do São Francisco”. A área em questão se estende por Minas, Bahia, Goiás, Tocantins e Distrito Federal, compreendendo o polígono Buritis, Paracatu, Pirapora, Januária. A bacia do São Francisco praticamente estava inexplorada quanto à pesquisa de hidrocarbonetos.
De 1960 a 1990, estudos geológicos de caráter regional foram realizados, identificando-se quatro situações para proposição de locação de poços exploratórios, sendo dois perfurados em Minas. Concluídos, revelaram indícios significativos de gás.Resumindo, emanações naturais de gases provenientes do subsolo e potencial petrolífero da Bacia do São Francisco eram dados animadores. A descoberta de grandes reservas comerciais de hidrocarbonetos em bacias proterozóicas da Sibéria, China, Estados Unidos e Austrália demonstrou que o que lá ocorria, semelhantemente a Minas Gerais, viabiliza a produção de óleo e gás entre nós.
Mais recentemente, a Petrobras divulgou – finalmente! - que se comprovara a presença de petróleo e gás em poço ao Sul da bacia do Jequitinhonha, em reservatório arenoso acima da camada de sal. O poço é operado pela própria Petrobras, que tem 60% de participação, e a Statoil Hydro, 40%.
A nota oficial era clara: “A descoberta indica o bom potencial daquela bacia.” Os reservatórios descobertos são arenitos e estão a 3.630 metros de profundidade. A extensão da jazida e sua economicidade serão avaliados oportunamente pelo Plano de Avaliação a ser proposto à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, ANP, conforme determina o contrato de concessão. A perfuração terá seguimento.
O essencial, contudo, é mostrar que Minas Gerais tem petróleo e gás, como a própria natureza sempre demonstrou, expelindo o que emanava do subsolo. A constatação de agora haverá de estimular novas pesquisas e perfurações. Não será possível deixar só no que já se conseguiu na bendita região do Jequitinhonha. Há muito a trabalhar. E o Brasil precisa.


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Por Web Outros - 1/12/2008 14:17:53
Uma consciência nacional

Manoel Hygino - Jornal ´´Hoje em Dia´´

Desde que surgiu a idéia do dia da “Consciência Negra”, fiz reparos. Meditemos sobre o assunto. Em 9 de janeiro de 2003, sancionou-se a lei 10.639, que incluiu o artigo “79-B”, na Lei nº 9.394/96, (Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Tornava-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares. Fixava-se o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.
Penso que todos os dias devem ser da Consciência Negra, como deveriam ser da Consciência Branca, Azul, Amarela ou Vermelha. Cumpre ensinar ao povo, a partir da infância e da adolescência, sobre a valiosíssima contribuição do negro na formação de nosso povo, sob todos os aspectos. Mais importante é que os professores procurassem incutir no menino ou no jovem que entrava no ensino médio o realce e alta significação do negro na formação do Brasil.
O ex-ministro Arnaldo Sussekind foi claro: “Pensou-se na Educação do provo brasileiro, inclusive no conteúdo programático escolar, o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, buscando-se resgatar a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política do país”.
Substantivo abstrato, consciência não tem cor. É o sentimento que o homem tem de si próprio, da sua existência. Assim, a designação “consciência negra” não é a mais própria em âmbito geral. Porque o que interessa, no caso, é a consciência que os homens e mulheres de outra raça e cor tenham do negro.
O negro terá de medir os seus valores, proclamá-los, assumir conhecimento de si mesmo, enquanto os demais deverão vê-lo em sua grandeza como ser humano nascido à imagem e semelhança de Deus, segundo o ensinamento cristão com igualdade de direitos e responsável quanto a seus deveres.
A consciência é do homem, qualquer que seja sua cor, raça, etnia. Vieira, com bravura, defendeu a igualdade das raças. Em 1633, no Sermão XIV do Rosário, onde se encontra a descrição do que era um engenho de açúcar ou “doce inferno”, Vieira abriu campanha em favor do negro escravizado.
Num dos Sermões, o sacerdote dos dois mundos observa que a felicidade e a miséria se acham no mesmo teatro. “Os Senhores poucos, os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos, e nus; os senhores nadando em ouro, e prata; os escravos carregados de ferros...” e assim por diante.
Que diferença há entre brancos e pretos? Os corpos não nascem, e morrem, igualmente? Não respiram o mesmo ar? Não os cobre o mesmo céu? Não os esquenta o mesmo sol? “Sem a escravidão – dizem – não poderíamos ter açúcar. Pois bem: se não conseguimos tê-lo senão à custa de crimes, devemos saber privar-nos, renunciando a uma mercadoria manchada com o sangue de nossos irmão”. Em seguida, perguntava: “Que teologia há ou pode haver justifique a desumanidade e sevícia dos exorbitantes castigos com que os escravos são maltratados?...”
A Lei Áurea não libertou efetivamente os escravos, embora os suplícios a que eram submetidos fossem abolidos. Assim como a independência brasileira que continua sendo construída no esforço de cada cidadão, noite e dia. A libertação do negro é também um processo de construção, que demandará tempo. Antes de tudo, acima de tudo, é necessária a formação de uma consciência em torno do problema: conscientização do negro e conscientização do branco.
Em todo caso, vale a iniciativa do “Dia da Consciência Negra”. Adverte que somos uma nação múltipla, com homens de muitas origens, buscando um fim com um, um único desiderato. Todo dia é do cidadão deste país, sem discriminação de qualquer natureza. O que se há de querer é que a data não seja apenas mais um feriado, como decidiram alguns municípios brasileiros. Penso, como Sussekind, que a data, didaticamente instituída, se transformou em assunto de discussão que desvirtuou os objetivos educacionais e feriu o Direito.


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Por Web Outros - 27/11/2008 10:54:18
A objetiva insegurança

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia)

Percebo que a inquietação não é somente minha. Muitas pessoas, milhões talvez, se sentem desprotegidas e inseguras nas mais distantes regiões e nos centros mais habitados e “civilizados”. Li, há pouco, a mensagem de uma senhora que se dirigiu a uma escola para matricular o filho, para o ano letivo vindouro. Foi informada de que o estabelecimento irá mudar, porque os traficantes rotineiramente por ali trocam tiros. São gangues rivais em ação, principalmente disputando no Feijão Semeando (o nome da área) pontos de venda de drogas. As escaramuças põem em risco o corpo docente e discente do educandário, o que levou o poder público a procurar novo local para a sua instalação.
Para aquela senhora, a sociedade está perdendo espaço para os bandidos e as autoridades não conseguem eliminar a violência: “Quem perde somo nós, pais, nossos filhos, que têm de se deslocar a distantes lugares. Aumenta ainda o custo escolar, porque se tem de gastar com condução.” Não só no Rio de Janeiro fatos desse jaez são notórios e inseridos no cotidiano. No caso, no interior de Minas Gerais, em pleno centro urbano, se instalou a favela. A pergunta ressoa: “Estamos sendo expulsos de nossos lares e da nossa região por bandidos e nem os políticos e nem a polícia fazem nada para dizimar esses marginais. Estamos morando nos morros do Rio de Janeiro? A população paga imposto é para viver com tranqüilidade e paz, e não num inferno habitado por traficantes, criminosos e toda essa corja que não respeita os cidadãos de bem.”
A explosão da mãe é natural neste período em que predomina a violência. Quem vê as televisões acompanha os fatos e ouve famílias pedindo “Justiça”, enfaticamente, como se a dor não reprimida fosse capaz de resolver. O problema é abrangente e complexo, compreendendo presentemente todas as regiões e os brasileiros, vítimas de uma situação não por eles criada e impossível de ser solucionada isoladamente.
Não se tapará o sol com a peneira. Vivemos em estado de alerta, quando não em temor. Não o percebem os eternos acomodados, os que se acostumaram, aqueles para os quais “quanto pior, melhor”, os exploradores dos males alheios, os insensíveis.
Em verdade, estamos em guerra não declarada, bafejado o clima interno pelos ventos da esperança e rogando-se para que as insatisfações não alcancem níveis insuportáveis. O poder público parece não ter condições de manter a tranqüilidade de determinados grupos ou a integridade física do cidadão, enquanto em áreas mais agudas se fez justiça pelas próprias mãos: seja na Amazônia, seja nas favelas cariocas ou paulistas.
O fogo cruzado entre gangues a rivais leva o terror aos morros e baixadas, enquanto as milícias, formadas parcialmente por egressos de organizações legais, acirram os ânimos, levando os honestos, os civis, homens e mulheres de todas as idades, possivelmente para o caminho sem retorno.
As famílias enlutadas que clamam por justiça não muito dela esperam, tantos artifícios para se escapar das punições. Ricos sobretudo, mas pobres também, encontram vias para se eximir das sanções. Os crimes de colarinho branco evidenciam que os responsáveis, os culpados, podem fugir à lei. E ai da nação cujo povo não crê nas instituições e na força da lei! O crime, acompanhando a sociedade moderna, sistematizou-se, organizou-se, e, embora ainda existam os marginais agindo isoladamente, por motivos vários. Hoje, não há os bandos, à moda antiga. São meras reminiscências,inteiramente ou quase, fora de uso. Houve transformações profundas, mas que não merecem estudos. A falta desse conhecimento, como se fora dispensável, não sensibilizou a doutrina a escrever a respeito, enquanto imperava o estado de insegurança na maioria das cidades.
Em prefácio de “O crime organizado na visão da convenção de Palermo”, de Rodrigo Carneiro Gomes, já em segunda edição, Wladimir Passos de Freitas declara que “a sociedade pós-industrial é a da “objetiva” insegurança”. Eis a questão, que a ninguém será lícito ignorar. Muito menos aos responsáveis pelas instituições e pela ordem pública.


(abaixo a mensagem no Mural que deu origem ao comentário acima do jornalista montesclarense Manoel Hygino:)



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Por Web Outros - 22/11/2008 08:28:07
Um sopro de vida

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

Partiram José Afrânio Moreira Duarte, Pe. João Batista Megale e Alphonsus de Guimarães Filho, que ocupavam as cadeiras 16, 26 e 4 na Academia Mineira de Letras.
Assim, há vagas para a imortalidade no sodalício venerável da rua da Bahia, em Belo Horizonte.
Para suceder ao primeiro, já há eleito: Ronaldo Costa Couto, que falta tomar posse. Ora direis – tomar posse na imortalidade!...
Por certo, perdeste o senso, pilheriaria o poeta, diante da faculdade de ir-se ou permanecer.
Felizmente, academias há, e elas ajudam a pôr em ordem o mundo bélico em que vivemos.
Nessas ilustres casas, os conflitos são armados em termos de idéias, de sentimentos, de formas de expressá-los. Comentaria: uma guerra santa...
As academias não mais são torres de marfim. Nem tanto marfim existe mais para construir torres, tal a dizimação dos elefantes nos lugares que foram sua habitação.
As academias são, hoje, o abrigo mais seguro para os intelectuais, os pensadores, os fazedores de artes.
Petrônio Braz, ao empossar-se na cadeira 25 da Academia Montes-clarense de Letras, em sucessão a Geraldo Tito Silveira, pronunciou belo discurso, em que lembrou o pensamento de Eça: “A arte é tudo – todo o resto é nada. Só um livro é capaz de fazer a eternidade de um povo”.
Leônidas ou Péricles não bastariam para que a velha Grécia ainda vivesse, nova e radiosa, nos nossos espíritos: foi-lhe preciso ter Aristófanes e Ésquilo.
Tudo é efêmero e oco nas sociedades – sobretudo o que nelas mais nos deslumbra.
Podes-me tu dizer quem foram, no tempo de Shakespeare, os grandes banqueiros e as formosas mulheres?
Onde estão os sacos de ouro deles e o rolar do seu luxo? Onde estão os olhos claros delas? Onde estão as rosas de York que floriram então?
Mas Shakespeare está realmente tão vivo como quando, no estreito tablado do Globe, dependurava a lanterna que devia ser a lua, triste e amorosamente invocada, alumiando o jardim dos Capuletos. Está vivo de uma vida melhor, porque o seu espírito fulge com um severo e contínuo esplendor, sem que o perturbem mais as humilhantes misérias da carne!”
Nem todas as pessoas são tentadas a ingressar e a freqüentar essas entidades, que conseguem congregar, entretanto, os nomes mais significativos de uma atividade artística ou científica. Questão de preferência e gosto.´
Entre nós, entre os contemporâneos mais ilustres, estão Pedro Nava e Carlos Drummond de Andrade, que não se sentiram atraídos à Casa de Alphonsus, a Mineira de Letras, ou à de Machado, a Brasileira.
No entanto, alcançar uma vaga nesses sodalícios é uma glória, indispensável, comumente. A Academia, quase sempre, é prêmio, reconhecimento de um setor da sociedade a quem nela se distinguiu pela grandeza de contribuição.
O ingresso numa dessas casas é título de gratidão, honroso e respeitável, que dá prestígio a quem o recebe.
Os chefes de Estado e de Governo, os ditadores, não desprezam essas assembléias dos cultos.
Getúlio Vargas integrou a ABL. Castelo Branco, apreciava os acadêmicos e, parente e amigo, admirava Rachel de Queiroz. Fernando Jorge escreveu um livro dedicado aos imortais da Brasileira, aprimorando críticas, sem poupar os erros e as picuinhas entre os membros da principal casa acadêmica brasileira.
Lembra agora acadêmico, Petrônio Braz que a Escola de Isócrates se restringia a transmitir conhecimento, a repassar o saber.
Na de Platão, consoante a dialética socrática, questionava-se em função do esclarecimento, promovendo-se discussões que levassem à aquisição do saber.
Sócrates, condenado a ingerir a cicuta que o mataria, ao defender-se da acusação de corrupção, disse: “Enquanto tiver um sopro de vida, enquanto me restar um pouco de energia, não deixarei de filosofar e de vos advertir e aconselhar, a qualquer de vós que eu encontre.”
Assim prometeu, assim fez.


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Por Web Outros - 12/11/2008 07:40:25
O próximo capítulo

Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

No sábado, dia 25 de outubro, realizou-se no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, no seu Espaço Cultural, o IV Fórum Mineiro de Professores de Jornalismo, sob tema "O futuro do jornalismo e o jornalista do futuro no contexto das Convergências de mídias.
O encontro teve caráter especial, pois serviu de preparação ao Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, no PUC-Minas, Unidade São Gabriel, em abril próximo.
Antecedendo à parte formal dos encontros, houve um ato até comovente. Prestou-se homenagem a um grupo de veteranos homens de imprensa, entre os quais meu nome fora incluido.
A nosso lado, prestigiosas figuras do jornalismo, como Guy de Almeida, Dídimo de Paiva, Anis José Leão, Paulo Lott, Hermínio Prates, José Carlos Alexandre e Luis Carlos Bernardes, séculos – como disse eu – de devotamento às lides da imprensa – com isenção, com altivez, sem subserviência.
Os "antigos" tiveram a oportunidade de transmitir um pequena mensagem sobre aquele momento e o que ele representava em termos de esperança para a classe e de firme convicção de continuar a luta por princípios, idéias e ideais, reiteradamente cerceados pelas circunstâncias.
Antigo companheiro da "Tribuna de Minas ", de Belo Horizonte, matutino político de curta duração, Anis Leão evocou Paulo de Tarso, cuja transcendente importância para o cristianismo jamais foi posta em dúvida.
Como fizera Paulo Narciso, em texto que me enviara, às vezes é preciso ser radical como Paulo de Tarso, imerso no silêncio edificante do deserto da Arábia.
Ali, por um ano, foi bafejado pelos ventos, até que os acontecimentos da estrada de Damasco aniquilassem o homem velho e, para glória de Deus, nascesse o Apóstolo dos Gentios, que inseriu a comunidade cristã no plano salvacionista do Messias.
É preciso estabelecer liames entre os fatos. Os homens de imprensa são, como os poetas, arautos de novos tempos e, incessantemente, sacrificados por sua posição diante dos poderosos.
A liberdade de imprensa e do homem de imprensa é uma utopia diante das pressões a que são submetidos, todos os dias, todas as horas, em todos os minutos e lugares.
Foi dentro dessa linha de raciocínio que se manifestaram os mais velhos, sem pretender dar lições aos mais jovens.
Todos trazem uma carga de experiências nem sempre felizes no exercício de seu trabalho, que é mais do que um ofício, porque missão.
Lembramo-nos certamente dos que já não estavam, nem estão, entre nós, que foram fiéis e persistentes na defesa de princípios.
Porque o jornalismo não é apenas um emprego, meramente uma profissão, um meio de ganhar dinheiro – sempre parco, quando não insuficiente até a manutenção.
O jornalismo não tem por objetivo oferecer notoriedade, pela qual tanto se batem os mais jovens. Ele exige conhecimento, experiência, compromisso, competência, dedicação, capacidade de sacrifício, se se quiser ser fiel a si mesmo é a consciência.
O jornalismo é uma guerra, mesmo quando não se vá aos campos de batalha em qualquer parte do mundo. Todos os dias há batalhas, e não poucos perdem a vida para (ou por) dizer o que pensam e sentem, em sociedade mercantil como a nossa.
Oxalá o bezerro de ouro seja destruído por preces, compreensão entre os homens, honradez e sensibilidade aos problemas e desafios do mundo. A crise econômica, a partir do desabamento de falsas convicções, poderá talvez direcionar os homens para as vias sadias da solidariedade. Somente o amor constrói.
Esperemos que esta hora tormentosa ensine o que não se deve fazer, inclusive a submissão da imprensa, quando ela não se curva a negócios escusos, à corrupção sob todas as formas. A crise, mais do que econômica é ética. Os ideais dos precursores da grande nação do Norte se desfizeram, fragorosamente, com prejuízo para todas as demais. Os jornalistas terão papel singular no próximo capítulo desta história.


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Por Web Outros - 6/11/2008 07:36:24
E agora, Rio?

Manoel Hygino ( Jornal "Hoje em Dia")

Fernando Gabeira, jornalista, revolucionário armado contra a ditadura militar, como conta em “O que é isso, companheiro”, livro que virou filme, candidatou-se a prefeito do Rio de Janeiro, cidade em que passou a maior parte de sua existência. Com pálido início, a preferência por seu nome e foi aquecendo, fazendo que alcançasse o segundo turno, na renhida disputa.
Gabeira é figura polêmica. Em determinado momento, quando havia repúdio quase generalizado ao uso da maconha, ele próprio usuário que fora -defendeu a descriminalização. Aliás, há uma onda nesse sentido: descriminalizar.
No início dos anos 80, ele viajou de ônibus a Montes Claros para pesquisar a vida de mulheres importantes dali: D. Tiburtina Alves, que ganhou realce nacional graças ao episódio de 6 de fevereiro de 1930, e a esposa do ex-prefeito Alpheu Quadros.
Um jornalista lembra que, no principiozinho, Gabeira espantara o Rio envergando minúscula sunga de crochê, ou assemelhado, mas conversou na quente cidade mineira com muita gente e circulou em mais de uma moto. Foi uma celeuma: não parecia o ex-guerrilheiro urbano, que ajudara no seqüestro do embaixador Elbrick, dos Estados Unidos.
Em “O que é isso, companheiro?”, de 1981, Codecri, Gabeira detalha sua participação num dos mais ousados episódios da luta contra a ditadura militar. Depois, ele seria banido com destino à Argélia. Eram quarenta a serem libertados, que se encontraram no aeroporto militar do Galeão no Rio. Conheciam-se apenas por nome ou referências.
“Fomos colocados num avião da Varig, algemados dois a dois. Cada dupla era protegida por um policial no avião. Visto de fora aquele avião parecia um avião normal”. Gabeira elogia a ótima comida oferecida pela Varig: filé com batatas. “Boa demais para quem passara tanto tempo na cadeia.”
Ao lado do jornalista de Juiz de Fora, um policial que tivera um primo comunista em Goiás. Gabeira comentou que também tivera um tio tuberculoso em Minas. Orientava seu interlocutor, que desejava saber mais sobre a Argélia.
A palavra-chave era souvenir, o abre-te sésamo para compras na Argélia. Onde houvesse afixado o vocábulo, estava um convite. Parar e comprar. No próprio aeroporto, já se podia adquirir lembranças inesquecíveis.
Mas, o carioca-do-brejo, como os mineiros apelidam o juiz-forano, voava para longe, já sentindo saudade do Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa. Embora o governo assinasse uma pena de banimento, paradoxalmente Gabeira sentia que só então começava a viver.
“Lembro-me como se fosse hoje da Baía de Guanabara, das praias, da cidade do Rio de Janeiro desaparecendo de nossa visão”. E meditava:
“Se soubesse que era por muito tempo ou talvez para sempre, se soubesse que não era eu que estava partindo, mas que o carrossel empurrava aquele avião para um caminho, num certo sentido, sem volta, até que diria: Tchau Vera Cruz, tchau Santa Cruz, tchau Brasil”.
Ao renunciar à carreira de jornalista, Fernando Gabeira abria clareiras para outros flancos: a literatura e a política, embora aquela tenha estreitos liames com a reportagem e a biografia. O homem vive os episódios que descreve.
Na política, houve o suspense até o último voto: seria ele o prefeito da cidade do mundo que mais amou? E o eleitorado perguntava: será que dá certo? Agora é aguardar o correr da história.


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Por Web Outros - 5/11/2008 23:30:23
A cidade que temos

Manoel Hygino ( Jornal "Hoje em Dia")


Cinco de outubro de 2008 é agora somente um registro no calendário pretérito. O segundo turno das eleições foi cumprido e escolhido um cidadão para reger os destinos de uma das maiores cidades do próprio hemisfério.
Venceu a renhida disputa o que mais votos conquistou, e isso é da essência do sistema democrático. Os problemas são numerosos, alguns de difícil solução. No fundo, todos dependem de recursos, e estes já deixam exauridos os cidadãos que podem quitar os tributos. E há os que sequer podem fazê-lo, mas tampouco devem ser esquecidos.
No dia do pleito, Murilo Badaró, hoje presidente da Academia Mineira de Letras, mas que já foi deputado estadual, deputado federal e ministro, evocou pela imprensa Drummond, em seu ½Triste Horizonte". Murilo conhece desafios.
Trazendo à leitura a poesia do poeta de Itabira, Badaró confessa preocupações sobre o futuro da capital, que completou 110 anos em 2007. É uma urbe nova para tantos problemas enfrentados, pelos que ora a avassalam e para os que tem à frente.
Verdade que a capital planejada por Aarão Reis não é a mesma que saiu de suas pranchetas. Desvaneceram-se sonhos e mutilaram-se esperanças. Sangue corre em suas artérias, o lixo se acumula nas esquinas, onde a população não está preparada para viver saudavelmente e prevenir-se.
Drummond perguntava: ½Por que não vais a Belo Horizonte? a saudade cicia/e continua, branda: Volta lá!/Tudo é belo e cantante na coleção de perfumes/das avenidas que levam ao amor./nos espelhos de luz e penumbra onde se projetam/ os puros jogos de viver/Anda! Volta lá, volta já".
A capital dos mineiros não corresponde mais à imagem descrita pelo poeta. Daí o poema intitular-se: ½Triste Horizonte". Daí, a decepção: ½E eu respondo, carrancudo: Não! Não voltarei para ver o que não merece ser visto,/ o que merece ser esquecido, se revogado não pode ser/.
Não o passado cor-de-cores fantásticas/ Belo Horizonte sorrindo púbere núbil sensual sem malícia,/ lugar de ler os clássicos e amar as artes novas,/ lugar muito especial pela graça do clima/ e pelo gosto, que não tem preço,/ de falar mal do Governo no lendário Bar do Ponto/Cidade aberta aos estudantes do mundo inteiro,/ inclusive Alagoas/Maravilha de milhares de brilhos vidrilhos".
Aquela Belo Horizonte não há mais, e o passado jamais é irrecuperável. São imagens e lembranças de um tempo falecido, embora jamais esquecido. O prefeito que assumir terá de enfrentar os fantasmas dos construtores e dos idealistas que a embelezaram, tentando minorar os tempos vindouros.
Até 2030, cerca de 60 por cento da população mundial viverá nas cidades, agregando problemas aos que já existem, que são muitíssimos. Relatório da ONU - ½Estado das Cidades Mundiais 2008/2009" -prenuncia consequências caóticas do êxodo rural desordenado, a favelização, a falta de acesso a serviços básicos.
Presentemente, Belo Horizonte sabe que 150 mil de seus habitantes não têm rede de esgoto sanitário. E faltam urbanização, habitação humana, saúde, segurança e educação. O itabirano que amou a capital mineira e a trocou pelo Rio de Janeiro, diz mais, recordando a Serra do Curral.
½Cassetetes e revólveres me barram/ a subida que era alegria dominical de minha gente,/ Proibido escalar, proibido sentir/ o ar de liberdade destes cimos./ proibido viver a selvagem intimidade destas pedras/ que se vão desfazendo em forma de dinheiro".


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Por Web Outros - 30/10/2008 11:06:05
Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

Famintos e sedentos

Neste final de outubro, lia as notícias procedentes do Norte de Minas. No distrito de Mingu, moradores retiravam a pouca água ainda restante do rio São Domingos, que de muito não corria pelo seu leito. É a seca de 2008, não a primeira ou a última na história de uma sofrida região.
A frase: predomínio de sol, enquanto a meteorologia era mais sem dó: sem esperança de chuva. Os ventos diminuíam. A umidade do ar era baixa. Temperaturas quase alcançavam os 40 graus. Nas Minas Gerais, não no Nordeste; nem no Sahara. A umidade do ar está em índice de atenção. Chega aos 8 graus.
Nas cidades maiores, para abastecimento residencial, os caminhões-pipa operam, mas não em número suficiente. Problemas na rede de distribuição geram novos problemas. Na periferia e nas áreas rurais, o jeito é buscar água com lata na cabeça, como nas favelas. As cisternas secam.
Espera-se ajuda governamental. O ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central anunciam medidas para irrigar... o mercado do crédito brasileiro. E o presidente não acreditava em crise.
A União anuncia que o crédito para a agricultura será elevado em cerca de 3,5 bilhões de reais. Da terra ainda vem grande parte da produção nacional. Veja-se o saldo da balança comercial.
Mas aqueles pobres coitados do recôndito interior mineiro mal sabem assinar o nome, quando sabem.
O tempo passa, os dias correm, há notícias pelo rádio ou pela televisão de chuvas próximas aqui e ali, no Sul de Minas - onde elas chegam primeiro, no Triângulo - grande produtor agrícola, em outras regiões do Estado, mas para o Norte as perspectivas assombram.
O gado morre, não tem o que comer, muito menos o que beber. Carcaças se vêem, a gente da roça lamenta, as mulheres fazem promessas, as crianças choram, para elas também a água rareia.
São Pedro não abre as torneiras. Estaria de mal com os homens? Principalmente com esses, que vivem quase à margem da sociedade?
Setembro chegou e para esse mês há sempre esperança de chuvas no sertão mineiro. Elas não chegaram, morrendo o gado e as hortaliças, mas resistindo fímbrias de confiança nos dias seguintes. Outubro veio e se vai, mas a natureza regateava o prêmio maior de que vasta região do Estado necessitava.
Sobrevivia-se de caminhões-pipa, para escassas áreas, porque ao morador da roça raramente eles lá chegam, e da resumida água das cisternas e das cacimbas. Mesmo em setores do Jaíba, em que se implantou um extenso sistema de irrigação, faltou água.
No Brasil, quando se fala em seca, invariavelmente a atenção se volta e se concentra no Nordeste brasileiro, que exporta para o Sul milhares e milhares de pessoas todos os anos, por falta de oferecimento de condições adequadas para manutenção do homem em sua área de origem.
O Nordeste manda seus homens e mulheres para o Sul, mas aqui também não há nenhum vale de Canaã. O cidadão que se esforça e se sacrifica, todos os dias, desde quando nascem os primeiros raios solares, enfrenta obrigatoriamente os desfavores e a inclemência das estiagens, longas e dolorosas.
O clima nordestino veio para cá. Há décadas e décadas, identificou-se a desertificação, que continua inexoravelmente, fenômeno que os governos não souberam ou não quiseram, ou não puderam?, conter. Recursos que sobram a atividades secundárias são consumidos, enquanto faltam para suprir necessidades vitais. Em verdade, ainda se morre de fome e de sede.


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Por Web Outros - 13/10/2008 10:25:16
Identidade cultural

Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

A despeito dos esforços de devotados pesquisadores, de conceituados historiadores, o que se sabe sobre a história de Minas Gerais é o mínimo. Talvez exagere, mas realmente apenas em tempo mais recentes se cuidou sistematicamente de rebuscar fontes, quase sempre precárias e dispersas. O que se aprende e se ensina sobre o período colonial se restringe muito à zona das riquezas minerais nobres, hoje congregadas na região compreendida pelo chamado circuito histórico.
Mas nossa história, ainda cheia de lacunas no circuito histórico, não inclui outras regiões de um Estado, singularmente rico em valores. Há muito a trabalhar para desvendar o resto das Minas e das Gerais e dos Gerais. Esta unidade da Federação tem dimensões da França e muito pode oferecer ao estudioso, mesmo ao curioso, quase só interessado em aspectos pontuais.
Para alcançar os territórios hoje de Minas Gerais, houve dois principais fluxos: o que vinha do litoral, de São Paulo, atravessando regiões do hoje Estado do Rio; ou no Nordeste, das capitanias da Bahia e Pernambuco, que outrora compreendeu extensas partes de Minas atual.
Ambos movimentos deixaram marcas profundas. Quando houve, em agosto, o furto de três imagens de santos em dois oratórios da matriz de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Matias Cardoso, a 266 quilômetros de Montes Claros, a cidade mais importante, houve pessoas que se espantaram com as datas.
Construído em 1675, o templo está tombado há 54 anos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Iphan. 1675? Perguntou-se. Porque a fundação de Mariana é de princípio dos séculos seguintes.
São duas histórias, que se encontram no tempo e no espaço. Quando a mineração entrou em decadência nas duas primeiras cidades que serviram de sede à governança das Minas, hoje Mariana e Ouro Preto, elas se mantiveram, principalmente com carne, procedente dos currais mais ao Norte.
Petrônio Braz, advogado, escritor, barranqueiro, nascido em São Francisco, participou em setembro, em Montes Claros, de espetáculo-debate em que se buscava resgatar, de forma simbólica, a crônica da região, a partir exatamente do povoado de Morrinhos, hoje Matias Cardoso, de cuja matriz se surrupiaram as imagens mencionadas, trazidas de Portugal.
Com coordenação de Cláudio Márcio e Nélson Bambam, e direção deste, com dramaturgia de Glicério Rosário, contou-se, de forma teatral, a evolução regional no período colonial, procurando fixar, como verdade histórica ou anterioridade de Matias Cardoso em relação a Mariana.
É uma digna tentativa de situar o problema, levada a efeito por gente moça, interessada em revelar o que se deveria saber: as lutas da conquista territorial e da afirmação de domínio.
Além de resgatar o termo catrumano, tão pouco conhecido ou mal interpretado, enaltece-se (com os atores: Ana Flávia Amaral, Antonella Sarmento, Gabriel Sanches também assistente da direção, Soraia Santos, Tassiane Figueiró, Tatiana Teles e Rita Maria), a cultura baiano-mineira. Mostram-se episódios do processo de colonização, entre 1613 e 1736, quando eclodiu a Conjuração do São Francisco. Para o grupo teatral-cívico, em que se alinha como orientadora Ana Lana Castelois, o trabalho é "início de ma nova trajetória, em que redescobrimos nossa identidade e assumimos nossa história".


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Por Web Outros - 27/9/2008 12:50:53
Nossos caminhos

Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

‘Urupês foi um dos livros mais apreciados por nossa juventude. Todos os moços estudantes queriam lê-lo e discutir algum de seus contos. O autor, Monteiro Lobato, em seu conteúdo, faz referência ao transporte de cargas ou de alguma encomenda por esse meio método.
Que evidentemente não constituía novidade. Isso vem de tempos imemoriais. Em Roma, quando o imperador partia de um lugar a outro, tudo se processava, em termos de comunicação, através de cartas, transportadas de algum para outro sítio do império onde quer que se localizasse.
E as cartas eram documentos valiosos. Os políticos tinham muito mais necessidade de escrever uns aos outros, do que os de hoje, como observou, Gastão Boissier. O procônsul, ao afastar-se de Rosa, carecia imediatamente de saber o que ocorria na capital. Não havia telégrafo, telefone, televisão, rádio, telex, e a parafernália de imprensa que presentemente põe o homem sabedor das coisas do planeta quase instantaneamente.
O cavalo e o mensageiro eram imprescindíveis. Cícero, como todos, mas mais assim do que qualquer um, desejava inteirar-se das acontecências em Roma: políticas, intelectuais, as amorosas, as pessoais, as familiares. E suas cartas se transformaram em literatura e história.
Manoel Esteves, autor de Grão Mogol, em livro lançado em 1958, conforme JJ Santos, se refere a outro tipo de correio, o primitivo, o chamado ‘próprio‘, que realizava este serviço sobre as pernas e pés. Era mais rápido do que o cavalo ou a besta. Costumava fazer uma viagem de 24 léguas em três dias, enquanto o ‘próprio‘ gastava apenas três dias.
O escritor mencionado declara: ‘A coisa se explica. É que o correio, que viaja escoteiro, como com o pé no caminho, não pára, do mesmo modo que aqueles soldados gregos, que passando pelo rio, bebiam água na concha das mãos e iam andando para frente. Ademais, quem viaja a cavalo somente pousa em lugar que tenha pasto para o animal, isso é condição precípua. O correio a pé viaja pela noite adentro e dorme em qualquer lugar, quando tem sono‘.
Estes recontos vêm calhar com a hora que vivemos. Quando, de uma parte a outra da cidade grande, se gastam horas para chegar ao local necessário, seria pelo menos aceitável a comparação entre os velhos tempos e os atuais. O homem que se beneficiou com a máquina, no caso o automóvel, tornou-se dele servo.
Há um século atrás, um “próprio” andava 144 quilômetros em três dias, percorrendo _ não boas estradas _ mas caminhos ínvios, na mataria difícil de ser transposta, além de outras dificuldades. Hoje, motorizados, moradores de São Paulo passando horas para ir do Centro à Mooca ou ao Ipiranga; os cariocas passam por sufocos para deslocar-se da velha Cinelândia ao Recreio dos Bandeirantes, à Tijuca. Enfrentando a tortura do trânsito, a irritação dos demais motoristas, ameaçados por bandidos e sujeitos a altercações.
São os caminhos do homem na cidade civilizada. Pergunta-se se valeu a pena a transformação, se a vida melhorou, com a relativa paz do passado.
O mundo não retroage. Seria curioso se alguém fizesse esses trajetos a cavalo. Ou a pé. Mas vale a reflexão.

Jornalista e escritor
colunamh@hojeemdia.com.br


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Por Web Outros - 20/9/2008 10:41:22
Um pedido de ajuda

Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

Numerosos fatos não mais surpreendem. Entre eles, a má qualidade do ensino, a despeito das iniciativas e propostas de governo e dos técnicos. Algo se teria de fazer vencer esse obstáculo ao nosso desenvolvimento, que se mede pelos resultados alcançados, que poderiam ser bem mais elevados.
Começa da educação. O país se transformou numa nação de pessoas mal-educadas, o que se avalia pelo vocabulário de baixo calão que se ouve nas ruas, nos recintos públicos, às vezes mesmo em sociedade. Não há mais respeito onde quer se esteja, usando essa linguagem de sarjeta mesmo as ½senhoras” e senhorinhas. Perdemos noções de recato, de refinamento natural, que existiam mesmo entre os rudes.
De liberdade, de novos tempos, assim se vê o momento em que vivemos. Os pais, alguns deles, ensinam aos filhos o palavrório obsceno, antes restrito ao círculo dos marginais ou dos bordéis. Talvez eu seja rigoroso na observação dos fatos ou pudico.
Aprende-se mal na escola, assimilam-se lições indesejadas na promiscuidade das habitações, que sequer constituem um lar, na verdadeira acepção da palavra. Da performance nos educandários, avalia-se pelo resultado de recente estudo, revelando que 64% dos jovens adultos brasileiros que chegaram à quarta série não sabem ler e entender textos extensos. Outros 12% continuam rigorosamente analfabetos, após o quatriênio escolar. Os dados foram fornecidos pelo Ibope. Entre as razões, salas de aulas lotadas, professores não especializados em alfabetização e falta de material que incentive e facilite o aprendizado.
No Paraná, eu não sei qual a cidade, propôs-se que as salas de aula fossem monitoradas com câmeras para registrar agressões contra os professores. Não exatamente por bandidos, os marginais que por ali rondam. Mas contra os próprios alunos, que desafiam os mestres e põem em risco sua integridade física.
Constrói-se uma catástrofe no país. Espero que minhas conclusões não correspondam à realidade futura. As perspectivas, todavia, me parecem sombrias. A agressividade mora entre os de tenra idade e temo pelo horizonte. Os que deviam estudar, na paz das escolas, não encontram muitas vezes o melhor ambiente, embora o sacrifício das queridas mestras, fadas de todas as épocas.
Não inventei: o Brasil é, presentemente, o terceiro maior consumidor de anfetaminas são só para os que têm dinheiro. Nos últimos 12 meses, os seus consumidores, tipo ecstasy, superaram os usuários de cocaína e heroína. Mas para os mais modestos em orçamentos ou os viciados crônicos, e pobres, e jovens, há outras drogas disponíveis. Lastimavelmente.
Leiam comigo a preciosidade de um anônimo, que teve acesso a computador, no dia 11 de setembro: "Eu estou aqui hoje para falar sobre um absurdo que está acontecendo no incino puplico...os professores e a diretora da escola estadoal simeão ribeiro dos santos entrarem em greve ja tem 2 semanas, e os alunos so vamos nos prejudicando... a materia fica atrasada e os professores começam a correr contra o tempo para dar pra aplicar toda a matéria do conteudo... e os alunos que fazem o PAES???”. "nos os alunos ligamos para a escola e eles dizem que ira ter aula nos acordamos cedo, pegamos as mochilas que nao e leve e vamos para a escola, ao chegar nao tem professores na ecola eles nao querem dar aula, e mais absurdo e que o professor de quimica (...) da aula e os outros professores dizem que quem NAO for para a escola eles irão dar pontos... eu so peço uma ajuda...”


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Por Web Outros - 9/9/2008 10:23:21

No meio do caminho

Manoel Hygino (jornal Hoje em Dia)

Drummond, o poeta maior de uma geração, disse haver uma pedra no meio do caminho, que no meio do caminho tinha - ele usa o verbo ter uma pedra. E, nos meios dos caminhos de nossa vida, sempre há pedras a nos estorvar e ferir.
Mas por estradas ínvias de Minas Gerais, do Brasil enfim, há também cruzes, para as quais outro poetas advertiu que merecem ser vistas e reverenciadas, quando a cavalo se percorrer o sertão. Há pedras e cruzes.
Existem ainda outros marcos de gentes que por aquelas vias passaram. Há monumentos desconhecidos, antigas construções de pessoas anônimas, que geralmente não deixam ou não fazem a própria história.
São pequenas igrejas ou capelas insuladas, em lugar ermo, outrora caiadas. Mas perderam a cor original, assim como a finalidade de servir a Deus e aos homens. Quedaram abandonadas, em algum alto do terreno e, diante delas, não mais se persigna ou se ora.
Assim é a igrejinha do Parque do Sapucaia, lá no sertão.
Apenas se fazem perguntas sobre sua origem, qual o seu santo padroeiro, porque foi esquecida, porque os devotos partiram e a condenaram à própria sorte e solidão.
Haroldo Lívio, natural da tranqüila Contendas (apesar do nome), hoje Brasília de Minas, não sabe muito sobre o pequeno e humilde templo. E ele é, segundo Paulo Narciso, uma enciclopédia regional. Apenas ouvira que a Ermidinha fora palco de festa anual, vigorosa, para a qual se deslocava a população.
Narciso, jornalista de velha cepa e que não pára de pesquisar, opina: a igrejinha, que sobregoverna a fé acima dos cimos que dão nome aos montes claros, está ali fincada e atenta aos nossos austeros píncaros serranos, há coisa de um século, talvez mais.
É a Igreja de São Marcos, no alto da Serra do Sapucaia, próxima à comunidade de Palmito. Há muito, vinha sendo destruída pelo tempo e por vândalos.
Recentemente, um grupo de treiereiros decidiu recuperar o sagrado imóvel sem dono. A jovem tribo faz ali festas para angariar fundos para consecução de seu objetivo. É o Enduro e Forró da Igrejinha de São Marcos, para cujo esforço se juntam grupos de outros municípios. Telhado e alvenaria foram concluídos, mas ainda e muito carece.
São Marcos, chamado no Novo Testamento algumas vezes de João, outras de João Marcos, parece acompanhar tudo à distância. Filho de Maria, da primeira comunidade de Jerusalém, foi colaborador de São Pedro e São Paulo. No simbolismo da arte cristã, é representado pelo leão, emblema do poder e da realeza.
Como são efêmeros os bens materiais, a humilde ermida no sertão, como tantas outras, arruinou-se. Até que os jovens a descobriram, e aí reside um grande simbolismo, para dar-lhe a aparência que os novos tempos exigem.
O jornalista Paulo Narciso irá confessar:
“Vou lá rever a igrejinha que conheci, montado a cavalo, na garupa de meu pai - Deus o tenha! Por ele, por todos, rezarei o Pai Nosso, justo na ermida tão parecida com a de São Damião, onde um certo Francisco ofereceu-se (“Senhor, que queres, que eu faça?”) e ouviu a voz, que ordenou:
- Vai, reconstrói a minha igreja.
E não exatamente a de pedra e cal”. Porque as ermidas do bem têm de ingressar e estabelecer-se no coração dos homens.


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Por Web Outros - 1/9/2008 10:53:12
Riqueza nas Barrancas

Manoel Hygino

No Norte de Minas, existem verdadeiros monumentos abandonados. Ou esquecidos. Só recentemente começaram a ser reconhecidos, se é que foram, porque aquela imensa região ainda está muito distante dos centros governantes.
Há anos, o sino, com mais de três centenas de quilos, que existia na igreja de Nossa Senhora do Rosário, foi furtado no silêncio da noite, sem que ninguém visse ou ouvisse ruídos. E as noites no distrito de Barro Alto é tranqüila, somente algum galo insone canta.
A igreja foi construída em 1688 e, segundo o engenheiro Levínio Castilho, nascido em Januária e estudioso da história, é a mais antiga de Minas e das Gerais. Levínio observa que o templo ‘é um dos raros exemplares de arquitetura jesuítica‘ no sertão, convindo observar que a freguesia de Januária fazia parte do Bispo de Pernambuco, a quinhentas léguas de distância.
O sino, com todo seu peso e massa, subverteu. Até onde sei, não foi localizado, nem identificados os ladrões ousados. Ainda é Castilho quem observa que para Rosa Januária, onde se encontra o Barro Alto, ‘representa a luta da lei contra os desmandos dos potentados que habitavam o sertão hostil‘.
Em agosto, primeira semana, Ladrões roubaram três imagens de Santos em dois oratórios da matriz de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Matias Cardoso. As imagens de Santa Maria, da senhora de Santana e de São Miguel, têm 50 centímetros e foram surrupiadas ao amanhecer.
O furto foi descoberto pela manhã, quando o zelador encontrou uma das portas de frente da matriz aberta. No interior do templo, considerado um dos mais ricos da região, encontraram-se no chão a chave de fenda usada no arrombamento. O Menino Jesus que estava no colo da mãe, a balança de São Miguel, um pedaço de um dos dedos de uma imagem e um toco de cigarro.
A polícia se pôs em campo e, depois disso, nada mais sei. A matriz é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, há 54 anos.
As peças referidas são de origem portuguesa, da época da inauguração do templo, atribuída a 1675.
Mais antiga que a do Barro Alto?
Em grande parte, o Norte de Minas sequer foi descoberto. Está na hora. Há riquezas imensas na região, que pode tornar-se um grande pólo turístico. Não se deve conforma-se com a devastação de extensos pedaços de seu território, de madeiras que estão acabando, devoradas pelos incêndios e pelos fornos de gusa.
Há espécies que rareiam e são preciosidades de nossa flora.
O São Francisco é mais do que uma região produtora de peixe e cachaça, como a de Januária, de largo consumo. Investimentos devem ser feitos em infra-estrutura para o turista, enquanto se protege a água, que diminuiu em volume e aumenta em poluição.
O sino sumiu, as imagens dos santos sumiram, mas não se há de deixar que mais se perca, definitivamente, inclusive o folclore e as tradições regionais. Tudo constitui patrimônio notabilíssimo e insubstituível.
Renato Almeida, há poucos anos, sublinhava a existência da grande quantidade de dados da região, de interesse antropológico, sociológico, psicológico, geohistórico, artístico, técnico e econômico que não se admitirá pereçam.
Não se considerarão apenas os aspectos econômicos, materiais. A região, ainda pobre e de desvalida, precisa crescer agora que tanto se propala sobre transposição. Fazendo-a ou não, o fundamental é que se desperta para o significado da região, como centro de convergência de bandeirantes e de vaqueiros do Norte, para os quais o São Francisco justificou o conceito de rio da unidade nacional.


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Por Web Outros - 30/8/2008 10:57:45
A vida vária de Godô

Manoel Hygino

No Palácio das Artes, homenageou-se, em agosto passado, Godofredo Guedes pelo seu centenário de nascimento. Nada tão justo. Nascido em Riacho de Santana, Bahia, Godofredo desceu para Minas Gerais e, em Montes Claros, construiu sua múltipla carreira. Além de intérprete instrumental, dedicava-se a outras atividades.
Desde que no campo das artes, dava-se bem. Fotógrafo e pintor, tem criações de grande expressão, expostas em casas de famílias e galerias. Fabricante de instrumentos musicais. Foi compositor de notadas virtudes, além de letrista de reconhecidas qualidades.
Cantores populares no Brasil cantam e tocam a música de GG, iniciais com que assinava seus quadros. Mas o nome do autor quase sempre ficava obscurecido pelo prestígio do intérprete.
Há os que cantam a ‘Ave Maria‘, sem saber que o compositor é Gounod. Como há os que apreciam ‘Serra da Boa Esperança‘, ignorando que o autor da letra e da música foi o alegre Lamartine Babo.
Viver de arte, principalmente no interior brasileiro, não é fácil. Mas Godofredo Guedes persistiu, abstendo-se de atender a insinuantes convites das capitais do Sudeste. Mesmo tendo de desdobrar-se em múltipla atividade, inclusive tocando saxofone à noite no Clube Minas Gerais, que a população conhecia como ‘o cassino‘.
O advogado e escritor Haroldo Lívio lembra que houve época em que GG se dedicava à música das dez da noite às cinco da manhã. ‘Tocava tanto no fidalgo Clube Montes Claros como nos cabarés afamados da zona boêmia, dos quais o romancista carioca Marques Rebello disse que ferviam como night- clubs da Broadway‘.
Em determinado período da vida, Godofredo achou que melhor seria ir para Belo Horizonte, depois de 27 anos em Montes Claros. O próprio Haroldo Lívio, em crônica na imprensa local há 45 anos, lastimava a partida. Porque o artista já era considerado um bem público de uso comum do povo, como a Praça da Matriz ou a capela dos Morrinhos, que cantara e decantara em telas famosas.
GG foi múltiplo, de fato. Para sobreviver aprendeu prática de farmácia, com um parente, um médico baiano diplomado em Paris. Imagine-se o menino de Riacho de Santana estudando nos livros de Química, escritos em francês. Não se acomodou ou intimidou. Também a ler, entender e trabalhar, sem professor, no idioma que consagrou Balzac, Dumas e Victor Hugo.
Nada o impedia de cumprir o itinerário de sonhos que se traçara e que esplendia em música e em telas. Enquanto não fazia algum dinheiro na pintura de paredes, em quadros a óleo, na interpretação de músicas, suas e alheias, ao violão, saxofone e clarineta, descansava.
Descansou, confeccionando uma marimba mexicana e um piano, ele que não era tocador do instrumento. Talvez os filhos, entre os quais Beto, e os netos, algum dia, se voltassem para aquela rara peça, que imortalizara Chopin. O prognóstico não funcionou. A descendência preferiu outros meios musicais de comunicação, de preferência o violão.
Agora que os dias escorregaram na folhagem do tempo, parece que toda esta reminiscência é inverídica. Que Godofredo sequer existiu. Mas existiu, sim. Tanto que faz cem anos que nasceu.


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Por Web Outros - 22/8/2008 09:28:19
Em nome do Brejo

Manoel Hygino

Tornaram-se usuais as festas pelas pessoas que, procedentes de suas cidades de nascimento, se reúnem periodicamente para confraternização. É costume saudável, que estabelece um elo entre famílias e gerações, cujas raízes se perdem ou se multiplicam sob o solo fértil de suas regiões.
É um encontro e um reencontro, entre os que partiram mas não morreram nos corações; um liame entre os de ontem, os de hoje e os de amanhã. Têm essas reuniões, assim, profundo sentido social, humano e sentimental.
São comemorações que transcendem círculo restrito. Através delas e com elas, mede-se o grau de identidade e de harmonia de um povo que tem compromisso com o futuro. É, no fundo, verdadeiro patriotismo, que emana do mais íntimo das pessoas, decorrente de suas tradições e aspirações.
Assim é alegria saber-se Francisco Sá se preparando para a festividade deste ano, sob coordenação de Maria Haidée Antunes Coelho e Mires de Fátima Soares Pena E. Silva, respectivamente presidentes do Clube Social que tem o nome da cidade e do Rotary Clube, em 6 de setembro.
O topônimo Francisco Sá homenageia um dos grandes estadistas que este Estado ofereceu à República. Mas a designação antiga não pareceu, pois de rara beleza. Drummond uma seleção de poemas _ ‘Brejo das Almas‘. Todos temos um pouco do Brejo dentro de nós. Os que lá nascem se diziam brejeiros, embora haja o brejalmino, que pegou pouco.
O escritor Haroldo Lívio registra, para fazer justiça, que os brejalminos ou brejeiros foram os únicos norte-mineiros que marcaram com uma placa de rua a passagem do naturalista francês Saint-Hilaire pelo sertão.
Mas, para compensar, quem muito ousou levando ao ápice o município foi exatamente o bardo de Itabira, ao dar título ao seu segundo livro: ‘Brejo das Almas‘. Fê-lo, evocando viagem à região, quando paraninfou o casamento de dois amigos: Cyro dos Anjos, funcionário público, advogado, escritor dos bons, e o engenheiro Joaquim Costa. Quem conferir encontrará os respectivos registros na velha ‘Gazeta do Norte‘.
O Brejo tem tradição de bravura e braveza, típica da região, e de gente que não temia, numa época em que a autoridade estava muito longe - em todos os sentidos. Ouvi conversas domésticas sobre personagens que não conhecia, mas cujos nomes eram pronunciados em voz baixa, em sinal de respeito ou medo.
Queria falar de muitos dali, ou que lá viveram, como as intelectuais Olyntho de Oliveira Silveira e D.Ivonne, e dos mais jovens que dão seqüência à história fabulosa da região. Fica para depois, porque desejei, hoje, fazer apenas a notícia da festa da gente do Brejo/Francisco Sá, os presentes e os ausentes.
De um filho dali recebi, este ano, as informações sobre uma reunião de antiga família brejense. Aconteceu, num pé de Serra de belo nome estival - Campo Alegre. Para lá se locomoveram gerações dos Dias.
Reagruparam-se no limpo terreiro de uma casa velha, sob a sombra de um velho cruzeiro que indicava uma capelinha. Restou somente o madeiro do modesto templo, ao lado de uma casa senhorial de numerosas portas e janelas, com mais de um século.
Por décadas, a ermidinha abrigou no seu chão (a abriga agora, no mato ralo) duas das maiores lendas do Norte de Minas, em todos os tempos: as cinzas de Alfredo Dias, precocemente morto, e seu pai, o líder Olímpio Dias, nascido em 1853, falecido em 1937.
O primeiro foi morto pela irmã, que queria impedi-lo de usar armas, como de seu feitio, para fazer justiça pelas próprias mãos. Era uma época em que cada um ditava sua lei e escolhia sua autoridade, para defender direitos.


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Por Web Outros - 18/8/2008 08:52:59
Os que escrevem

Manoel Hygino

Sublime e insidiosa patologia: escrever. Enfermidade congênita, de que não se consegue fugir. Meu amigo Abílio Machado Filho lia sempre, todos os dias, os livros eram seus amigos, como sugerira Eduardo Frieiro. Olhar distante, assistia o alvorecer, volume ao lado.
Há pouco, li aqui o artigo de Emanuel Medeiros Vieira, o excelente autor da Santa Catarina: ‘Começamos escrevendo para viver e acabamos escrevendo para não morrer. Para quem edifica palavras, mal rompe a autora, escrever é inadiável e urgente, mesmo que nada externamente nos obrigue. Mas a necessidade interna é visceral, orgânica, chama e fogo, flecha, algo colado à pele. A literatura é um apelo de fogo, onde mora meu desespero, a minha inquietação e o meu paraíso, escreveu alguém‘.
Escrever é preciso. Duas vezes Prêmio Esso, Paulo Narciso ama a profissão de repórter: ‘Gosto muito. Há notícia por toda parte, esperando quem as colha, feito margaridas‘. Enquanto não é repórter de tempo integral viaja.
Outro dia, foi ver um rio, que saindo da terra de Ayres e Edgar da Matta Machado irriga uma propriedade sua, com seus 100 metros de largura e areias brancas, de presépio. Fica em Augusto de Lima e se chama Pardo Grande. Ilustre desconhecido de nossa civilização, mas soberbo. ‘É nossa maravilha escondida. Caso contrário, acham um jeito de matá-lo‘.
Os que escrevem, por isto nascem. Os poetas nascem poetas, afirmava-se no tempo de Bilac, Alberto de Oliveira e outros fazedores de versos que enterneceram a elite do século XIX. Prosadores são assim também, qualquer que o gênero.
Henrique Chagas, que residiu em Belo Horizonte e edita um excelente site cultural no estado de São Paulo, me envia notícias de si: ‘Acordei cedo, ainda estava na cama quando desejei caminhar pelo deserto, como faz diariamente o escritor Amós Oz, apenas para captar as vozes. Diz ele que as vozes do deserto são pratos regalados para a sua escrita.‘
Medito, como concluiu a vida terrena Abílio, ao amanhecer do sábado, que o levou consigo: ‘Gostaria, mas eu não ouço as vozes do deserto, nunca as ouvi; mas procuro ouvir as vozes do vento, aprecio dias de ventania, pois o vento carrega o som do primeiro dia da existência. Procuro ouvir aquele vento que pairou sobre as águas no momento da criação do mundo.”
Quase sempre os que escrevemos, mesmo os menos aptos e tangidos por forças misteriosas, tentamos pretensiosamente talvez compor um hino à palavra, como observou, Emanuel Medeiros Vieira. Não sem razão, Samuel Titan Jr., lembrando Borges, comentou: ‘Se o mundo dos objetos palpáveis e vida prática não é mais real que o mundo das ficções, dos sonhos e dos labirintos, e então pode ser que o autor de artifícios verbais tenha mais direito à condição de demiurgo que qualquer outro candidato.‘
Comento seguidamente sobre o poder das palavras, que servem ao bem e ao mal. A repetição em Shakespeare adverte para sua importância: Palavras, palavras, palavras. A do sacerdote no altar, a dos parlamentares na tribuna, a dos candidatos nos comícios. Toda a humanidade passa por ela. No princípio, era o verbo.
Tudo pode depender dela. Na declaração de guerra ou nos acordos de paz. Paz? Uma simples palavras de três letras, de suma significância. Precisamos fazê-la valer. No livro que se lê, no rádio que se ouve, na televisão a cuja novela se assiste ou com cujo noticiário se tem o mundo à mão: Palavra.
A verdade, a mentira, o engodo, estão nas palavras. Mas a humanidade precisa de paz, e ela decorre também da palavra, do diálogo, da confiança.


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Por Web Outros - 30/7/2008 10:59:50
Um tema, três enfoques

Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

A morte está conosco todo tempo. Meu livro sobre Pedro Nava, me alertou para novos ângulos do problema, que é de todas as pessoas. Do meu trabalho, tive a surpresa de receber pedidos de mais exemplares, há poucos dias, o que constitui um estímulo para quem escreve. Desde a publicação, colho subsídios para uma segunda edição, ampliada. Haverá tempo ainda? Diz a questão.
Sobre a morte, comentei o livro de Evaldo Alves d’Assumpção, médico, tanatologista, dedicado permanentemente ao estudo da complexa matéria. Presidente da Academia Mineira de Medicina, integra outros prestigiosos sodalícios. Para ele, a morte não é problema para os que partem, e sim para os que ficam.
Então me veio às mãos ‘Morte‘, ensaio de José de Anchieta Corrêa, graduado em filosofia pela PUCMinas, mestre e doutor pela Universidade de Louvain, Bélgica, e professor aposentado na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, co-autor, dentre outros livros, de ‘A nossa casa de cada dia‘.
José de Anchieta analisa o problema de outros ângulos. Seu estudo, que me merecerá comentário posteriormente, observa, por exemplo: ‘Há ainda a considerar o fato de que o homem do século XXI vive anestesiado sob uma cultura de negação da morte, imobilizado e mantido calado diante da indústria da morte. Estamos nos referindo à escandalosa destinação de bilhões e mais bilhões de dólares, retirados da riqueza das nações, para a fabricação e a compra de armas de guerra visando exterminar os chamados ‘povos do mal‘ e se apossar de suas riquezas. Armas de guerra, consciente e sadicamente, dirigidas contra populações cujas vulnerabilidade humana e qualidade de vida são as piores do planeta. O velho ditado romano ‘se queres a paz, prepara-te para a guerra‘ foi, nos tempos atuais, mudado para pior. Sua versão agora é, escandalosa e cinicamente, ‘se queres a paz, faz a guerra‘.
Meditemos. O tema é extremamente sério.
O problema oferece outro ângulo. O apresentado pelo nonagenário amigo, operoso, membro do nosso IHGMG, Luiz de Paula Ferreira ao programar o futuro: ‘Ainda que não mereça, não gostaria de ir diretamente para o céu, quando chegar a minha hora‘.
E tece considerações:
‘Quero ficar por aqui durante algum tempo. Viajando. Para conhecer lugares que antes não pude visitar. E rever paisagens que me encantaram em outros tempos. Na suposição, é claro, de que as almas tenham direito de ir e vir. Sem gastar combustível, sem carregar farnel.
No primeiro dia acho que vou me sentar numa ponta de nuvem para examinar a situação. E pensar um pouco, já não direi sobre a vida, mas acerca do meu futuro.
Quero passear um pouco, aproveitando a facilidade de locomoção. Começarei por Minas, para rever e despedir-me dos campos natais: os vales do Rio das Velhas, do São Francisco, do Verde Grande e a Serra do Cabral.
Em seguida quero rastrear as pegadas do velho Rosa nos sertões e veredas do Andrequicé e do Urucuia. Na esperança de encontrá-lo a contar casos, juntamente com o Manoelzão, à sombra de alguma velha gameleira.
Depois subirei ao mais alto pico da Mantiqueira para sonhar ante a visão de meio mundo de povoados e cidades mineiras e paulistas. Mas não deixarei Minas sem antes ouvir serestas em Montes Claros, Diamantina e Santa Luzia.
Para visitar o Sul do país, o Nordeste, o pantanal mato-grossense e a Amazônia, reservarei tempo adequado. Sem me esquecer do Vale do Rio de Contas e da Chapada Diamantina, na velha Bahia, berço sagrado de meus antepassados maternos.
Percorrei o mundo detendo-me mais tempos na visita a Portugal, Espanha, Itália e França, coração da latinidade. Daí passarei ao Oriente, onde nasceram todas as grandes religiões do mundo. No final desse périplo irei pousar no topo nevado do Evereste, na Cordilheira do Himalaia, para um período de meditação.
Só depois irei bater às portas da eternidade.‘


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Por Web Outros - 28/7/2008 09:52:26
Além da Macedônia

Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

Adalmo Leão da Paixão era comerciante e nascido em São José do Jacuri. Com menos de 62 anos, pescava no São Francisco, entre Januária e Itacarambi. Cidadão tranqüilo e de sincero sorriso, equipava-se para o agradável esporte. No dia 30 de junho último, as grandes águas, quando a noite descia, o levaram consigo. Para sempre.
Quando a embarcação submergia, ainda salvou um amigo que o acompanhava. Muitas homenagens lhe foram tributadas, porque era um bom, dedicado a belas causas e costumes, que começavam no lar. Restaram lembranças e lembrancinhas, que entretanto não o trazem de volta ao convívio, a que muita falta faz.
O curioso no episódio é que, no colete protetor não utilizado naquele dia, de pescaria, havia um texto atribuído a Alexandre, o Grande. O filho de Felipe, da Macedônia, discípulo de Aristóteles, o filósofo, faz pensar, sobretudo diante das circunstâncias do infausto acontecimento do mês findo.
São os três últimos desejos do poderoso monarca. À beira da morte, ele convocou seus generais e seu escriba oficial, para revelar seus últimos desejos e anseios. Ei-los:
1 - Que seu caixão seja transportado pelas mãos dos mais reputados médicos da época; 2 - que seja espalhado no caminho até seu túmulo, seus tesouros conquistados (prata, ouro, pedras preciosas): que suas duas mãos sejam deixadas balançando no ar, fora do caixão, à vista de todos.
Quando um dos seus generais, surpreso com os desejos insólitos, perguntou-lhe a razão ou razões de seu testamento, Alexandre explicou:
1 - Quero que os mais eminentes médicos carreguem meu caixão, para mostrar aos presentes que estes não têm poder de cura nenhuma diante da morte; Quero que o chão seja coberto pelos meus tesouros para que as pessoas possam ver que os bens materiais aqui conquistados, aqui permanecem; Quero que minhas mãos balancem ao vento, para que as pessoas possam ver que de mãos vazias viemos, de mãos vazias partimos.
O cinema já mostrou Alexandre Magno em guerra contra povos adversários e povos contrários a seu planos. Por suas ações, é uma das figuras universais da história, pelo influxo extraordinário que a sua vida, obra e personalidade exerceram no mundo inteiro.
Não quis simplesmente ser o filho do grande Felipe. Sua inclinação se revela, ao convocar a seu lado Aristóteles, que lhe abriu e ensinou todos os ramos do saber humano. Ainda príncipe, guerreou contra os trácios, os gregos e os ilírios. A sétima arte recriou imagens da época, de seus costumes, das imensas regiões que percorreu.
Em assembléia, foi eleito chefe supremo dos helenos, submeteu os bárbaros do Norte da Mesopotâmia, arrasou Tebas de assalto poupando Atenas. Depois se encaminhou para a Ásia, com 5 mil ginetes e 30 mil homens a pé.
Desbaratou o exército persa e, atingindo o Górdio, cortou com a espada o nó célebre, que - segundo o oráculo - conferia o império da Ásia a quem o desatasse. Jamais estagnou. Entrou em Tarso, onde quase morreu, atravessou as portas da Cilicia, contornou o golfo de Issus e esmagou o exército que Dario lhe opôs, capturando a própria família do rei persa.
Entrou na Síria, cercou duas vezes Tiro, na Fenícia, durante sete meses, e Gaza, dali partindo para o Egito, onde fundou Alexandria. Granjeou o afeto do povo por sua magnanimidade e tolerância política e religiosa.
Continuava seu projeto, quando quase repentinamente morreu. Não consolidou a sua política, mas legou uma obra civilizadora sem par pelo desenvolvimento das riquezas, do comércio e da navegação, progressos extraordinários nas ciências na técnica e na indústria.
Sua figura se pode medir pelos três últimos desejos a ele atribuídos. Por seus atos e posições agigantou-se e toma as proporções de um dos gênios da humanidade.


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Por Web Outros - 27/7/2008 12:21:51
As sapatadas de D. Tiburtina

Manoel Hygino

Esta história caminha para oitenta anos. Aconteceu em 6 de fevereiro de 1930, quando uma caravana política da Concentração Conservadora, que apoiava Washington Luís na Presidência da República e seu candidato à sucessão Júlio Prestes, passava pela praça em que residia João Alves, um dos líderes da oposição em Montes Claros e favorável à Aliança Liberal.
Em meio ao foguetório, quando destilavam prestigiosas figuras da política federal, estadual e municipal, ocorreu um grave incidente, que resultou em mortos e muitos feridos. Pelo calor da campanha, pela significação dos visitantes, exaltaram-se os ânimos e o tiroteio alcançou as páginas dos jornais da capital da República.
Na comitiva oficial; dentre outros estava Melo Viana, vice-presidente da República e candidato ao Governo de Minas, que antes já ocupara. Assis Chateaubriand, contrário ao Catete, encontrou no episódio motivo para sua imprensa. Mais recentemente, Fernando Morais, conceituado jornalista e apreciado pesquisador, inseriu na biografia da chatô registros sobre o 6 de fevereiro.
Aparecem os nomes de João Alves, médico querido na cidade, sua esposa Tiburtina Alves, “fanática militante da Aliança Liberal”, e “a caravana foi atacada a tiros - supostamente por jagunços a mando da mulher do deputado”. Está no livro.
Segue o texto: “Em meio ao tiroteio, a mirrada Tiburtina aproximou-se do vice-presidente da República e aplicou-lhe sucessivas sapatadas, ferindo-o com violência no rosto e na cabeça”. Chateaubriand quis fazer de Tiburtina a Joana D’Arc do sertão, da Aliança Liberal, a Anita Garibaldi do Vale do São Francisco.
Morais observou: “Por maiores que fossem os desejos do jornalista, Tiburtina Alves eram apenas uma enfermeira gorducha que um dia, por mera casualidade, dera uma surra de sapato no vice-presidente da República.”
A agressão a sapatos, contudo, não existiu. Em muitos anos de trabalho, encontrei referência aos episódios de fevereiro, ouvi depoimentos de muitas pessoas da época, li artigos e livros, escutei comentários de meu pai, tudo demonstrando que o ataque enfurecido de Tiburtina Alves não houve. Em meio ao tiroteio, quem teria coragem de avançar na direção do grupo político recém-chegado, fortemente armado, para tentar ferir um ex-presidente de Minas e então vice-presidente da República?
De princípio, a versão seria simplesmente inverossímil. Os depoimentos no processo policial que se abriu nada revelou a respeito, confirmando as informações divulgadas e pessoalmente colhidas.
Há de advertir que Tiburtina não era “apenas uma enfermeira gorducha”, até porque não existia na época cursos de enfermagem em Minas. Apenas ajudara o marido-médico a levar assistência aos vitimados pela gripe espanhola, em 1918, visitando-os, de cada em casa, solidariamente.
Para um dos depoentes, inserido seu testemunho em livro de Milene Antonieta Coutinho Maurício, Tiburtina tinha “todos os dotes da mulher espartana. Quando jovem diziam que era de peregrina beleza”. E eu a conheci em Belo Horizonte, já idosa, mas uma mulher com traços de rara personalidade, bela ainda quando chegava a velhice.
Quando veio de sua cidade para Montes Claros, Tiburtina viveu dos serviços que prestava como costureira. Até que, encontrando-se com João Alves, começaram uma nova etapa de vida, que, pelo visto, entrou para a história.

Jornalista e escritor
colunamh@hojeemdia.com.br


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Por Web Outros - 11/7/2008 08:03:00
A família inacabada

Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

O título do livro é “A inacabada família humana”. O autor, Leonardo Álvares da Silva Campos; a editora, Armazém de Idéias. E estas não faltam no volume de 300 páginas em que sobre numerosos temas e pessoas se fala, com muita liberdade, porque sem preocupação em agradar ou desagradar.
O nome do escritor sugere procedência e origem, mas não há referências. O que se sabe é que Leonardo nasceu em 1953, foi membro da Academia Montes-clarense de letras, a que renunciou, foi editor de três jornais desativados na região, e colaborador, entre 1970 e 1980, na imprensa de Belo Horizonte.
Sua biografia indica que foi professor substituto de Introdução à Ciência do Direito da hoje Unimontes e sócio da Sociedade Orquidófila de Belo Horizonte. Mas também amante da Espeleologia e sócio-fundador do clube dos Amigos dos Pássaros do Norte de Minas e integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
O livro se lê com prazer, oferecendo uma série de indagações e quesitos, sobre coisas supostamente supérfluas, tanto quanto sobre questões transcendentais. Porque o autor é, antes de tudo, provocador. Provoca-se e aos outros a respeito de assuntos de que se trata nas mesas dos bares, tanto quanto em eruditas conferências.
A lei moral, religião, sociologia, antropologia, cinema, teatro, música, sexo, estética, o passado, o presente e o futuro. Diz Leonardo usar como tranqüilizante a leitura de obras sobre pensadores com suas reflexões imorredouras, como as de Aristóteles, Platão, Rousseau, Schopenhauer, Nietzsche, Descartes, Sócrates, Voltaire e muitos e muitos outros.
De Sócrates, nascido em 470 a.C, lembra que era muito feio e vivia na maior pobreza. O pai era entalhador de pedras e a mãe, parteira, mas da situação dizia orgulhoso. Elogiava o esforço da disciplina física e do trabalho, difundido a firmeza, o controle do sofrimento e a serenidade da alma. Jamais negou sempre divergir de sua desagradável esposa Xantipa, mas aprendeu a dominar-se. Consagrou o método de indagações e respostas curtas para bem conduzir um interlocutor a se contradizer da opinião inicial.
Espaço amplo no volume se dá à Mitologia. Evoca Jostein Gaarder, autor de “O Mundo de Sofia”, opinando que o autor optou por explicar o homem dentro da razão e da lógica, reduzindo a importância da mitologia:
“Visões míticas... existiam no mundo todo, muito antes de os filósofos começarem a questioná-las. Pois os gregos também tinham a sua visão mitológica do mundo, quando surgiram os primeiros filósofos... Os primeiros filósofos gregos criticaram a mitologia descrita por Homero, porque para eles os deuses ali representados tinham muitas semelhanças com os homens. De fato, eles eram exatamente tão egoístas e traiçoeiros como qualquer um de nós. Pela primeira vez na história da humanidade foi dito claramente que os mitos talvez não passassem de frutos da imaginação do “homem”.
E a história se vai confundindo com o mito. Helena de Tróia, a formosa; Páris, filho do rei Príamo de Tróia, que se conheceu a mulher do rei Menelau de Esparta e por ela se apaixonou e foi correspondido.
Numerosos personagens fluem do texto. Não só os antigos, mas também os de nosso tempo, os mitos da política do e cinema, a influência que exercem. O Carnaval no Brasil entra no contexto, assim como Menotti del Picchia, com seu poema “Máscaras” com força de teatro. Colombina explica-se a Pierrô: “Eu amo, porque amar é variar, e em verdade/ toda a razão do amor está na variedade”.
Esse livro de Leonardo Álvares vale a pena ser lido.


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Por Web Outros - 7/7/2008 08:00:45
A fazenda arruinada

Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

Era mais do que uma fazenda. O escritor Cyro dos Anjos, que chegou ao cume da carreira como membro da Academia Brasileira de Letras, descia do cavalo para, sob a copa de alguma árvores, devotar-se à leitura. O pai o vigiava de perto.
Quando em Montes Claros, Darcy Ribeiro buscava energia na fazenda, ele que também alcançara, por todos os méritos, a Academia. A cidade em que ambos nasceram ganhava a projeção de dois de seus filhos conquistarem a glória de duas cadeiras no sodalício maior das letras brasileiras.
Mais do que uma propriedade rural, a Fazenda das Quebradas se tornou um sítio histórico, descrito com saudade por quantos o focalizaram. Acontece que aquele lugar, conhecido em extensa região mineira, certamente com a melhor das intenções, foi objeto do decreto, de número 44.204, de 10 de janeiro de 2006, criando o Parque Estadual da Lapa Grande, com o que o prédio da Fazenda foi condenado ao abandono.
O Parque compreende aproximadamente 7 mil hectares de área, destinada à Unidade de Conservação de Proteção Integral, conforme descrito no texto original. Ficou claro: ‘O Parque Estadual da Lapa Grande objetiva proteger e conservar o complexo de grutas e abrigos de Lapa Grande, os principais mananciais de fornecimento de água para as comunidades de Montes Claros e dos municípios vizinhos, suas adjacências, bem como a flora e fauna locais‘.
O artigo terceiro define que compete ao Instituto Estadual de Florestas e à Copasa administrar o Parque, adotando as medidas necessárias à sua efetiva proteção e implantação e, no prazo de 360 dias após a publicação do decreto, elaborar o plano de manejo e constituir o seu Conselho Consultivo.
Outras medidas foram preconizada, como a Ação Discriminatória competente relativa à área do Parque, bem como a materialização de seus limites, nos termos de lei federal. Também foi autorizada a contratação, para esta Unidade de Conservação, do pessoal necessário à sua administração e conservação, observada a legislação aplicável.
Depreende-se a importância da iniciativa governamental visando à proteção de uma das mais belas e ricas áreas do norte-mineiro, que as populações cuidaram de mantê-las para uso de todas as gerações. Ademais, no Parque se encontram, como diz o decreto, encontram-se importantes mananciais de água, sobretudo se levar em conta que ali é sertão, sobremaneira sujeito às inclemências climáticas.
Não se sabe se o plano de manejo, a que alude o decreto, foi concluído, após esgotado o prazo estabelecido. Há natural descontentamento pela falta de notícias oficiais sobre a evolução do projeto, enquanto se sabe que a sede da histórica fazenda foi arruinada, entregue ao abandono.
Os que conheceram o velho prédio se sentem compungidos, diante da situação em que presentemente se encontra. Não é o que desejam as gentes da região, e evidentemente o que imaginara com o decreto.
Um conhecedor da situação se expressou sobre o fato, dizendo que sente como uma punhalada o que fazem com os donos dos imóveis, entregues a mãos estranhas e a outras vontades, enquanto as determinações do decreto, pelo menos ao que se conhece, seguem desobedecidas ou ignoradas.
Um dos problemas da administração pública brasileira reside exatamente na falta de cumprimento das ordens exaradas. O próprio presidente da República, falando em Belo Horizonte, na inauguração do Centro de Especialidades Médicas, o disse. Anos após expedir determinação para construção de uma unidade de saúde em Queimados, Estado do Rio, verificou que a obra sequer se iniciara. É tempo de mudar.


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Por Web Outros - 27/6/2008 07:47:39
Não há vagas

Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

Assinante deste jornal durante anos, meu leitor diário, o cônego Murta, educador, latinista e falante culto do francês, sempre perguntava como encontrava eu assunto para preencher este espaço todos os dias. No entanto, como lhe explicava, não há mistério ou segredo.
Os temas estão diante de nossos olhos, os fatos preenchem todos minutos das horas. O sol inclemente ou a chuva que destrói casas e sacia os campos; a mulher que apanha, em seus oitenta anos, restos de comida no lixo; os meninos que choram nos braços das mães; o tiro que mata um inocente no recesso do lar; o ônibus assaltado com dezenas de pessoas a bordo, a guerra pelos muitos lugares do mundo; o passarinho que canta na janela, a buzina estridente na via pública.
Os fatos aí estão, são o alimento de quem escreve, de quem se dedica à comunicação, seja pelos meios modernos e vertiginosos, seja pelos livros. Não falta assunto, mesmo que não se trate da morte de um homem de bem zelou pelos que estavam em seu convívio, sob seu aconselhamento, no norte de Minas.
Também os poetas, como os cronistas, são porta-vozes do tempo. Ferreira Gullar, sob o prosaico título de ‘Não há vagas‘, conta um pouco da epopéia humana do cotidiano: ‘O preço do feijão/não cabe no poema. O preço/do arroz/ não cabe no poema./Não cabem no poema o gás/ a luz o telefone/ a sonegação/ do leite/ da carne/ do açúcar do pão.
O funcionário público/não cabe no poema/com seu salário de fome/sua vida fechada/em arquivos./Como não cabe no poema/ o operário que esmerila seu dia de aço/ e carvão / nas oficinas escuras/
-Porque o poema, senhores,/está fechado: ‘não há vagas‘/só cabe no poema/ o homem sem estômago/ a mulher de nuvens/ a fruta sem preço
O poema, senhores,/ não fede/nem cheira‘.
O poeta não apenas curte, pois também, e mais que os outros freqüentemente, sofre. Foi o que disse Bandeira: ‘Eu faço versos como quem chora/De desalento...de desencanto.../Fecha o meu livro, se por agora/Não tens motivo nenhum de pranto. -‘Meu verso é sangue. Volúpia ardente.../Tristeza esparsa...remorso não...‘Dói-me nas veias. Amigo e quente,/Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca, Assim dos lábios a vida corre,/ Deixando um acre sabor na boca..Eu faço versos como quem morre.‘
Em ‘Nova Poética‘, o vate pernambucano que morava no Rio de Janeiro na Lapa, abre-se, com dolor: ‘Vou lançar a teoria do poeta sórdido./Poeta sórdido:/Aquele em cuja a poesia há a marca da vida.
Vai um sujeito, /Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó de uma nódoa de lama:
É a vida.
O poema deve ser como a nódoa do brim: /Fazer o leitor satisfeito de si, dar o desespero/ Sei que a poesia é também orvalho. /Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas/ as virgens/ cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade‘.
O dever de quem escreve, quotidianamente. Sofrendo, sorrindo, morrendo com os que morrem, vivendo com os que ainda vivem. Esta a missão, implacável mas indesviável. Os tempos mudam, mas pouco mudam os homens. A grande revolução do homem ainda não se fez ou não se consolidou. Resta apenas acompanhar.


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Por Web Outros - 17/6/2008 07:50:14
Meia volta, volver

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

A idade é um estado de espírito. Não só de espírito, certamente, porque os dias, contados em anos, também somam. E, especialmente, pesam os momentos de dor, de aflição, do estresse, que se tornou uma espécie de estigma dos períodos desalentadores ou especialmente exaustivos que atravessamos.
Há jovens envelhecidos, como há pessoas que, ingressadas na casa dos “enta”, continuam operosos, com elevado austral, prestando bons serviços, produzindo no ofício que escolheu para si. Mas o homem é vário, adjetivo que empregava a tradicional “Folhinha Mariana”, para dizer que determinado período climático poderia ser de bom tempo. Ou não.
Outro dia, comentei sobre o novo livro de Luiz de Paula Ferreira, não conhecido integralmente. Com seus 91 janeiros, em plena atividade literária e empresarial, LPF não dispensa o verso ou a música típica do sertão mineiro. Está de bem com a vida e feliz.
Poderia lembrar um bom número de pessoas com mais lastro etário que eu, que se mantém em honroso labor, desligado da idéia de dependurar as chuteiras, como prosaicamente o fez Jânio Quadros. O cônego Pedro Maciel, ex-deputado federal, escreveu um precioso trabalho, em que evoca nomes e homens que souberam somar idade sem abandonar suas atividades.
Outro dia, adentra-me a sala o coronel Affonso Heliodoro dos Santos, mineiro de Diamantina, morador em Belo Horizonte do Bairro de Santa Efigênia, por muitos anos, e onde começou humildemente a ganhar um dinheirinho para ajudar em casa e a sobreviver.
O coronel é um dos remanescentes da equipe de Juscelino no Palácio da Liberdade, no Catete, no Planalto, no Catetinho, no momento histórico da construção da nova capital. E vem visitar-me, lépido, em seus 91 anos, que não esconde e não demonstra. Sua faina em Brasília é conhecida e reconhecida.
Com a bagagem intelectual adquirida, com a experiência de décadas de vida, reformado na PM, exerce presentemente relevantes funções na capital que Juscelino inventou para o Brasil. Escreve para publicações diversas, edita seus livros, não deixa de comparecer a compromissos, que não são poucos.
Diretor da Associação Nacional dos Escritores (ANE), presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, é da cúpula da revista “Semana em Dia” e sua produção em prosa e verso continua.
Parece um toureiro no porte, gosta de andar a pé, não temendo, suponho, a malta de marginais que perambula por nossas vias públicas.
Agora, Affonso Heliodoro admite a possibilidade de regressar a Minas. Boa notícia para Belo Horizonte que o espera para continuar aproveitando sua operosidade em novos projetos. É retomar aqui o frio da meada que lhe fugiu das mãos, quando - acompanhando Juscelino - foi navegar em outras águas.
Ainda há tempo, muito tempo. Só espero que Brasília não fique sabendo dessa possibilidade e tente retê-lo por lá. Onde estiver, será cidadão prestante, como sempre se manteve. E há uma imensidão de cousas que se possa realizar por aqui.


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Por Web Outros - 14/06/2008
Um rio nacional

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

Quem te viu e quem te vê! O terceiro rio mais poluído do Brasil é, nada mais, nada menos, que o das Velhas, de longo percurso também na história do Brasil; em que se capta substancial volume da água consumida em Belo Horizonte, como Juscelino, presidente, formalizou numa reunião no Catete, presentes representantes do Executivo e do Legislativo da capital mineira.
No lugar denominado Bela Fama, extrai-se água, que passa sob a Serra do Curral, sendo aduzida ao grande reservatório do Morro Redondo, previsto para receber 30 milhões de litros, mas que ficou mesmo em 24 milhões. Por causa disso, dessa solução, Belo Horizonte não morreu de sede em momento crítico.
Agora o IBGE revela o índice de poluição do Rio das Velhas só superado pelo Tietê, em São Paulo, e o Iguaçu, em Curitiba. O trecho mais contaminado é o localizado entre os rios Jequitibá e Itabirito.
Ele nasce em Ouro Preto e corre até o São Francisco, desaguando na localidade de Barra do Guaicuí, um formoso local, com um templo católico raríssimo, em cujas paredes cresceu uma também belíssima árvore. Seu itinerário por Minas é o mais extenso de toda a bacia do Chico, que foi santo e beneficia grande região das Minas.
Pelos dados do Instituto, Minas Gerais está no topo dos estados que mais usam fertilizantes por hectare plantado, vetor de contaminação de lagos e cursos d’água. Não é tudo: é a umidade brasileira incluída entre as dez com maior número de queimadas no país.
Não nos ufanamos.
O Rio das Velhas está no coração de Minas... e dos mineiros. Deixou saudade a muitos, embora também marcasse a vida de famílias pelas tragédias causadas na época de enchentes, com bens destruídos e vidas perdidas.
Serviu de competição à gurizada de outros tempos, e ouvi do desembargador Hélio Costa, que - criança - saudou o rei Alberto, em visita a Minas, alguns casos. Daqueles que se apegam definitivamente à memória.
O Rio das Velhas, poluído mas ainda sumamente útil às populações ribeirinhas, já foi navegável. Há fotos excelentes de velhas embarcações, importadas dos Estados Unidos, ancoradas em Sabará, ponto de referência da grande artéria fluvial.
Descendo, o rio se incluía na crônica das regiões percorridas. Luiz de Paula Ferreira observa que, em sua cidade natal, Várzea da Palma, havia dois referenciais: a estrada de ferro, que era a Central do Brasil, e o rio. Corriam paralelos, distanciados cerca de um quilômetro um do outro. No espaço entre eles, crescia o povoado, de que trago lembranças amáveis.
O empresário-escritor comenta que a ferrovia era o veículo do progresso, a civilização. O rio era o grande parceiro das atividades rurais, e produzia peixes para a população.
Ali, personagem vivo das histórias de Luiz de Paula, havia criança que parecia nascida para viver no rio. Sozinha, aprendia a nadar, mergulhar, remar e pescar. Muitas se tornavam pescadores, ao invés de se encaminhar a outros ofícios.
Há os que, desde cedo, conheciam as manhas do rio. Onde se localizavam os remansos e as correntezas. Pelo ondular da águas, identificava os cardumes e, ali, atirava a tarrafa ou espalhava as redes.
Praxedes enfiava a mão na água e percebia a temperatura. Auscultava a força e a direção do vento. Mirava a superfície das águas. Conversa em voz alta espantava os peixes. E das pescarias, sobrava sempre o que contar. Ainda sobra. Mas a água está poluída e os peixes desaparecendo.


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Por Web Outros - 17/5/2008 10:43:42
A hora de transposição

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

As notícias são incompletas, nem completas poderiam ser, senão se tornariam relatório. Mas o Brasil, no fundo, não sabe exatamente de que se trata a transposição do São Francisco, cujas obras começaram com trabalhos preliminares pelo Exército. Segundo os que entendem do problema e o vivem, não se tem ciência efetivamente de qual é o projeto em execução, já que o original foi alterado muitas vezes, inclusive o apresentado em audiências públicas.
O escritor Petrônio Braz, presidente da Academia de Ciências, Letras e Artes do São Francisco, advogado com importante contribuição publicada no campo do Direito Municipal, convidado pelo professor Luiz Giovani Santa Rosa, fez palestra na Casa do Rotariano sobre o assunto. Especificamente, discorreu sobre o programa de desenvolvimento sustentável do semi-árido, projetado para atendimento às vitais necessidades da gente nordestina.
Nascido no município de São Francisco, Petrônio Braz conhece em profundidade a questão. Começou sua exposição por enfatizar que nós, mineiros, nada teríamos a ganhar ou a perder com a transposição, posto que as águas do rio já terão cumprido o seu papel em Minas. Sem embargo sublinhou que, sendo Minas fornecedor de 75% das águas que descem para a calha do rio, continuou tendo a ver com o projeto.
Mais do que isso, a menos de um quilômetro do rio, nas duas margens, o norte-mineiro passa fome e tem sede. Todos os anos, os municípios entram em regime de emergência ou de calamidade pública por falta de água e não há projeto conhecido visando melhorar o quadro.
O pensamento do palestrante é também o de milhões de mineiros: mesmo nada tendo a ver com transposição das águas, após elas deixarem o território de nosso Estado, como brasileiros temos o direito (mais do que isso, o dever, digo-o) de analisar os lados positivos e negativos do projeto.
A energia consumida com o bombeamento da água para o abastecimento dos dois canais no Nordeste, somada à uma energia que deixará de ser produzida pelo complexo Paulo Afonso, comprometerá a produção também da usina de Sobradinho.
Outros fatores foram alinhados. Assim, a evaporação do rio, até Sobradinho. Somente no lago da represa desta usina, ela corresponde ao volume de água lançado no São Francisco. Além disso, a infiltração absorverá apreciável quantidade de água bombeada, considerando que os terrenos das áreas de caatinga são de natureza sedimentar, com alta capacidade de absorção.
O rio da integração nacional corta terras de cinco estados, mas - com exceção do Alto Médio São Francisco, seja dizer, acima de Pirapora, as populações ribeirinhas são altamente sacrificadas, vivendo em estado de pobreza quase absoluta. Não são muito diferentes dos irmãos do Nordeste.
Ademais, embora apresentados projetos com vistas à revitalização do rio em Minas, em verdade não passam de micro-projetos, sem a força determinante de uma ação realmente efetiva e positiva.
Minas Gerais, onde nasce a grande via fluvial, continua exigindo um macro-projeto de revitalização. Carece de uma ação condizente com a realidade, com a situação que o rio atravessa, não somente com objetivo de despoluição dos afluentes, mas sobretudo para sua própria revivificação.
Em resumo: revitalizar é fazer renascer, dar nova vida. Isso é o essencial para Petrônio Braz e os mineiros. É o que interessa ao Brasil.


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Por Web Outros - 7/5/2008 09:36:25
O baluarte que cai

Manoel Hygino (Hoje em Dia)

Tenho duas coisas a contar; uma boa e outra ruim. Que dizer primeiro? Dúvida cruel, mas indesviável. Com resposta também imprescindível. Vamos à notícia benfazeja. Reivaldo Canela lança o primeiro livro. O inaugural? Suponho que sim, não conheço outro anterior.
O autor escreve bem, vem de longa e bem afortunada experiência nos jornais, pertenceu e pertence a grêmios literários, tem estirpe, vem conquistando manifestações favoráveis dos leitores, sobretudo os norte-mineiros, dos quais nasceu e junto aos quais convive.
‘Menino Pescador‘ é autobiográfico, valorizado pela fiel descrição de sítios e personagens, da flora e fauna de extensa e sofrida região. Sente-se o cheiro das flores e a cor das plumas das aves. Por conhecer esses quase mistérios, que escapam ao visitante desinteressado, ama o que vê e sente.
No berço, aprendeu a entender a significação da família, que se vai desagregando modernamente ao sabor do vento. A violência reinante é testemunho do esgarçamento do tecido social. Os pais viveram bem e tiveram filhos, soberanos até nos nomes: Reivaldo, Reinine, Reinilson, Reinice e Reinilde.
O alter ego de Reivaldo é Nivaldo, mas tudo flui da fonte ascendente, de Cândido Canela, o maior poeta sertanejo do Norte de Minas, e de Laurinda, casados a despeito das divergências políticas antigas. Viveram e foram felizes aqui e, depois, quando se mudaram para dimensões mais altas.
É espelho de uma época em que as pessoas do interior, desesperançadas dos poderes públicos, mantinham-se fiéis a tradições, lutando para sobreviver honestamente e deixar exemplo de probidade aos filhos. Recorda-se um período bravo, mas mais decente, quando se brigava por valores sociais e humanos maiores, e cuidava de preservar o meio ambiente, sem preocupação de campanhas e slogans, porque se sentiu o sertão se desfigurar, destruído por muitos e perniciosos interesses.
Nessas páginas que li, revigorei-me com o halo do sertão em que também nasci, e em que, quando a Justiça pública falhava, se lutava, ainda que impropriamente, para fazer prevalecer o bom e o digno entre os homens. Nozinho Canela, serventuário público, autêntico, defendia pela imprensa e na tribuna da edilidade o patrimônio maior que os avós legaram ao bem comum.
‘Menino Pescador‘ é uma demonstração da solidez de cultura de um povo. Nada faz esmorecer essa gente, de que Reivaldo Canela é porta-voz e que tão bem descreve os pássaros, as árvores, os peixes, a bonança da chuva e a inclemência das longas estiagens.
Enfatiza a importância da célula familiar para que a sociedade não se perca nos desvãos ínvios de uma época materializada e consumista, fomentada pelos meios de comunicação e incrementada ao desvario por perigosos agentes, como as drogas e toda ilegalidade a elas associada.
Em resumo, esse livro diz que não é difícil ser honesto e coerente, que é possível ser feliz e contribuir para a felicidade alheia.
Afora as belas lembranças da terra sertaneja e de sua gente, há muito a se aproveitar no trabalho do autor, inclusive sua boa poesia. Não são as veredas de Rosa. Mas é o cerrado, das terras mais fracas e ácidas, zona do pau torto, mas que - se intocado, se respeitado - é vivo e vibrante. Tem beleza e tem vigor.
A segunda notícia é a má. A casa da praça Honorato Alves, em que viveram Cândido e Laurinda, onde criaram filhos e netos, vai ser demolida para ceder espaço a um fruto do progresso. Cai uma baluarte do sertanismo em Minas Gerais.


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Por Web Outros - 28/4/2008 07:49:50
O filho do tropeiro

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

Sobre o escritor já comentei aqui. Também o cidadão, que - com 91 anos - não se julga realizado, entregando-se a metódico trabalho, todos os dias. É um homem simples do interior mineiro e se sente feliz em sê-lo.
O pai deixou a profissão de tropeiro em 1914, para estabelecer-se num povoado chamando Várzea da Palma, que contava, pelo menos, com um grande benefício: a comunicação, que ali chegara mediante construção da histórica Estrada de Ferro Central do Brasil. Tempos heróicos aqueles, quando se instalavam os dormentes e sobre eles se assentavam os trilhos que preconizavam o progresso. Era também uma grande esperança que deixava de ser um sonho.
Gerações aguardaram que o carvão das locomotivas substituísse a ração das bestas de carga, que vinham ou iam dos centros do poder: fosse Ouro Preto, depois Belo Horizonte, e Rio de Janeiro ou São Paulo. Muares se esfalfavam como os tropeiros para suprir o que faltava de um lado ou de outro do itinerário.
O tropeiro foi um personagem importante no processo de desenvolvimento mineiro. Ele conduzia alimentos às capitais e às cidades mineradoras, carentes de produtos para a população. Faltava comida na terra prodigiosamente rica em ouro. Para ajudar D. Pedro I, após a Independência, Dona Joaquina do Pompéu enviou grandes cargas de gêneros e carne desde o centro de Minas à capital federal.
O personagem de que falo está publicando seu terceiro livro, desta vez em jornal eletrônico: o montesclaros.com. O autor é Luiz de Paula Ferreira, compositor, poeta e empresário da indústria têxtil, com ramificações em outros países.
O título do novo livro é "Por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos”. Uma edição artesanal, de dez volumes, dedicada aos filhos e descendentes. Na apresentação, abre-se com sinceridade, o autor, que deixou o lar aos 18 anos para tentar conquistar seu lugar na vida. "Com muitas bênçãos...e pouco (nenhum) dinheiro”.
Humildes tempos, mas bonançosos naquele princípio de existência em Várzea da Palma. O escritor conta que a casa era limpa e o piso da cozinha, de chão batido. O telhado, de telhas caipiras, e não havia forro; os caibros de madeira roliça com ripas de tabocas.
O fogão se nutria de lenha e a água se buscava na cisterna; a luz, a querosene ou azeite de mamona. O café, adquirido em grãos, se torrava em casa, moído em pilão de madeira. Só existia para música um idoso gramofone, que - ligado - explicava um tanto fanhoso: "Casa Édson, Rio de Janeiro”.
Pois bem. Para chegar ao que é, Luiz de Paula percorreu estradas, conheceu pessoas e situações, vivenciou costumes, escutou e contou histórias. Não pensava escrever livros e já os tem publicado três.
O autor se sente habilitado a testemunha e protagonista da história: "Considerando o que ouvi de meus antepassados e minha experiência pessoal, soma-se tempo que vem de meados do século XIX até o início do terceiro milênio. Quase 150 anos!”
Modestamente: "Proponho-me a transmitir uma visão singela do que pude registrar do mundo nesse período. Com boas intenções, estou fazendo o de que sou capaz. Estarei mostrando o que tenho para mostrar. Estarei jogando a minha carta. Pode não ser um ás de ouros. Mas é a que tenho”.
Esse cidadão, que alguns identificam mais como sócio do vice-presidente José Alencar, da Coteminas, revela-se novamente, em prosa e verso, o poeta que é. Até porque a sua própria indústria é apenas um sonho que se consumou.


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Por Web Outros - 26/4/2008 12:09:11
Personagens do baú que guarda seis décadas de lembranças
Cyro Siqueira (jornal Estado de Minas)
Ao remexer no baú das memórias Acumuladas em seis décadas de Estado de Minas, não poderia deixar de me lembrar de Hermenegildo Chaves, um dos ícones do jornalismo mineiro.
Monzeca, como era conhecido, era admirado por todos aqueles que, como eu, estavam se iniciando na profissão, não só pela competência do seu texto como por sua figura humana. Era daqueles seres raros com que a vida nos surpreende, dono de uma espécie de fidalguia inata. Sempre respeitado, sempre amado, Monzeca– ninguém o chamava de Hermenegildo, embora alguns garantissem que detestava o apelido – teve uma trajetória ímpar na profissão. Cedo, o foca que eu era foi se encantando com a paixão que o ligava à palavra escrita. Como comecei escrevendo matérias e crônicas assinadas, acho que ele também começou aprestar atenção naquilo que eu ia fazendo. Daí nasceu uma amizade tímida, contida, entre o aprendiz de jornalista, menino ainda, e aquele homem modesto de natureza, sem maiores expansões, mas sempre debruçado sobre as laudas, que ia preenchendo a lápis, com a letra metódica, caprichosa que o acompanhou por toda a vida, pois jamais se curvou ao jugo da máquina de escrever. Com a perspectiva que somente a passagem do tempo dá, descobri que, mesmo sendo autodidata, Monzeca trazia consigo a musicalidade da frase bem-construída. Por certo terá saído com ela de Montes Claros, sua terra, cidade arraigadamente musical. O lirismo, aliás, estava no sangue do jornalista. Seu irmão, o advogado João Chaves, foi quem compôs uma das músicas favoritas dos seresteiros, Amo-te muito (“Amo-te muito, como as flores amam/O frio orvalho que o infinito chora./Amo-tecomo o sabiá da praia/Ama a sangüínea e deslumbrante aurora./ Oh! Não te esqueças que te amo assim./Oh! Não te esqueças nunca mais de mim…”).E o próprio Monzeca, assim como a irmã de ambos, Joaquina,também “cometia” lá as suas letras,em parcerias dos Chaves que ficaram célebres em Montes Claros.
A musicalidade de Monzeca era do tipo com que sonham os que se aventuram pelos atalhos
da escrita. Acredito que mais que a informação, mais do que a notícia, o que para ele tornava o jornal um produto encantatório era a lenta construção do texto bem-trabalhado.Na vigilância constante da qualidade de sua escrita, foi por certo um autor à altura da importância que este jornal ia adquirindo na imprensa mineira, naqueles tempos heróicos, tendo evidentemente a
seu lado Geraldo Teixeira da Costa,o Gegê, e Pedro Aguinaldo Fulgêncio.

(...)

Findo esse longo parêntese,volto a Monzeca. Certo dia, veio me mostrar uma notícia publicada no jornal sobre o “separamento” de um casal. “Esse casal devia brigar muito para provocar tão terrível ‘separamento’”, foi sua observação. Semanas depois, enquanto tomávamos café, ele assinalou o trecho de um artigo publicado pelo EM, “A maternidade é u mato solene na vida feminina”. Monzeca deve ter percebido que eu não estava entendendo nada. Então, perguntou: “Vida feminina em lugar de vida da mulher, isso é coisa que você escreveria?”.E acrescentou outra pergunta: “E esse solene? Não acha que existiria um adjetivo melhor, que o autor da matéria deveria procurar até encontrar?”. Foi a partir de 1965 que a saúde de Monzeca começou a acelerar seus sinais de alerta. Por causa deles, às vezes fazia seus editoriais em casa, mandando-os para o jornal. Mas, como ele próprio dizia, seus achaques foram piorando até o dia em que começou a se sentir mal na redação, queixando-se de “uma tempestade nos ouvidos”. Com aquele jeito peculiar, referiu-se às suas artérias: “Acho que estão muito escangalhadas”. Não saiu mais de casa. De lá, ele mandou o que seria seu último editorial, cujos originais estão entre os já tantas vezes mencionados guardados meus. No texto,Monzeca trata dos “desastrosos efeitos da inflação”, isso em 1966. Tomo a seguir a liberdade de reproduzir um trecho do editorial, eterno em forma e conteúdo: “Os maníacos do inflacionismo fizeram no Brasil o que fazem em toda parte: nivelaram na pobreza os que vivem de vencimentos e salários. E, acima dessa grande maioria, instituíram a casa privilegiada dos aproveitadores, que se iam tornando cada vez mais ricos, na mesma medida em que os outros iam ficando cada vez mais pobres.” Outra memória de Monzeca que guardo com carinho é de quando me disse uma frase que se tornou, de certa maneira,a sua profissão de fé. Com a paciência de um professor atento, certa vez me deu um recorte sobre um livro a respeito de Eça de Queiroz, com o fac-símile da correção que o próprio autor português havia feito nas provas tipográficas de Os Maias.Diante do meu olhar espantado, Monzeca observou: “Você pode dizer que Eça é o Eça, e eu sou apenas um pobre homem das margens do Rio Verde.” Com a sutileza que também com punha a personalidade desse homem das barrancas do Rio Verde Grande, que corta Montes Claros, acrescentou: “E está certo. Mas não deixa de ser comovente o cuidado com que certos pobres estão sempre remendando os seus trapos, para andar menos esfarrapados”. Essa foi uma lição da qual o menino jamais se esquece, enquanto continua remendando seus trapos pela vida aforam tentando andar menos esfarrapado.


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Por Web Outros - 29/03/2008
As lágrimas de Pedro

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

Dias atrás, lembrava aqui a provável princesa, filha de Pedro I, falecida e supostamente sepultada em Montes Claros, segundo a versão popular, acolhida pelo historiador Hermes de Paula. Para o professor Dário Teixeira Cotrim, da Unimontes, também historiador e integrante do Instituto Histórico e Geográfico local, há mais do que suposições. Ele o conta no primeiro número da revista do IHGMC.
A princezinha era filha do imperador e de uma mucama do paço real. Descoberta a ligação e o seu fruto pela imperatriz, esta queria que mãe e filha fossem para Angola. Sabedor do projeto, o jovem e impetuoso filho de João VI fez com que ambas partissem para o Tijuco. Como ali grassava um epidemia de varíola, deslocaram-se para as Formigas de Montes Claros, aos cuidados do sargento-mor Jerônimo Xavier de Souza, em meados de 1823.
Já enferma, a criança faleceu poucos dias após. Assim, o sargento-mor contou ao padre Feliciano Fernandes de Aguiar, que determinou o sepultamento junto ao antigo altar-mor da capela, hoje matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José. A mucama sobreviveu e se casou com Jerônimo.
Falta apurar mais: quando ocorreu o óbito? Qual o nome da mucama? Qual o da menina? Com que idade deu-se o falecimento, informações que certamente não foram destruídas e que lançariam luzes sobre o caso. Do casamento deve existir registro, assim como de prováveis filhos nascidos da união.
Dário Teixeira Cotrim cita “namoradas”, como se diz, do soberano: as francesas Noemi Thierry e Clemence Saisset; a brasileira Maria Benedita Delfim Pereira; a uruguaia Maria del Carmen Garcia; e a monja portuguesa Ana Augusta. Não há desdouro em desvendar os nomes da mucama e de sua filha, portanto.
A princezinha de cabelos louros e olhos azuis convivia bem com Maria da Glória e Januária e com o meio irmão Miguel, filhos da imperatriz com Pedro. Aquela, aliás, a tornaria a rainha D. Maria II, de Portugal, conduzindo a coroa por muitos anos.
Pelo falecimento da imperatriz, quando se encontrava em Rio Grande, RS, Dom Pedro sofreu um grande impacto. Mudou de gênio e comportamento, afastando-se de Domitilia de Castro e demais.
Viriato Corrêa registra que ficou arredio, silencioso, retraído. Sua dor teve sulcos de sinceridade comovente.
Ao receber a notícia, chorou abundantemente. O corpo tremeu e teve uma crise de nervos, segundo Carlos Seidler. Voltou imediatamente ao Rio de Janeiro, fechando-se por oito dias no palácio de São Cristovão. Escreveu um soneto doloroso, imperfeito na forma, mas pleno de ternura.
Com a morte de Lepoldina, caíra em si, arrependendo-se da vida escandalosa de conquistador de mulheres e de mancebia pública, roído de remorsos pelo que fizera à doce arquiduquesa, resignada e amiga.
A marquesa de Santos, que esperara que o passamento de Leopoldina pudesse levá-lo a aproximar-se dela, percebeu que acontecera exatamente o contrário. A crise se prolongou, e D. Pedro comunicou à amásia que já se procurava uma nova rainha na Europa.
Num banquete na Quinta da Boa Vista, o imperador fugiu e foi visto a soluçar num quarto, junto ao leito, abraçado ao retrato da falecida rainha. Domitilia quis consolá-lo em seus braços, mas ouviu duras palavras:
- Larga-me! Sei que levo vida indigna de um soberano. O pensamento da imperatriz não me deixa.


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Por Web Outros - 20/2/2008 09:02:28
Manoel Hygino
ColunaMH@hojeemdia.com.br
A guerra diante dos olhos

Gostaria de assimilar as informações sobre a redução de assassinatos, de violência enfim, no país. Não é exatamente o que a imprensa divulga, ela freqüentemente acusada de publicar o que não é rigorosamente verdadeiro ou de tomar partido em determinados assuntos. Aliás, aliar-se a uma causa é seu dever, principalmente se a causa é boa.
Em minha cidade natal, nunca se matou tanto como em 2007. Nos primeiros 25 dias de 2008, a morte pintou de sangue as suas vias públicas, no centro urbano e na periferia. Como nas megalópolis. Nada menos de oito assassinatos foram registrados em janeiro. São crimes que predominam entre gente jovem, brigando por droga, na mais das vezes. Mas, em várias cidades mineiras, rapazes matam moças, ainda adolescentes, por motivações amorosas. São duas vidas apenas iniciadas que se perdem, marcando toda a família.
Minas Gerais se situou como 11º estado mais violento, além de liderar a lista de execuções de jovens, como sublinhou o jornalista Jáder Rezende. Aliás é nesse contingente que se registra o maior índice de crescimento em homicídios, representando 31,3% no Brasil.
Belo Horizonte aparece como a quinta capital mais violenta, após Salvador. Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Aqui, em 2006, houve 1.168 assassinatos contra 1.298 em 2005. A maior causa de homicídios, em todas as partes do Estado, é o tráfico de drogas.
Estudo da Rede de Informações Tecnológicas Latino-Americana mostra que 73,3% dos homicídios cometidos no Brasil se concentram em 556 cidades (10% do total de 5.564), que têm 44,1% da população. Entre 1996 e 2006, o número de assassinatos cresceu 20%.
O pico foi em 2003, com 51.043 vítimas, com decréscimo após o Estatuto do Desarmamento.
Quem assiste pela televisão as reportagens sobre a violência no planeta, sobretudo no Iraque, Afeganistão, Paquistão, Quênia, Oriente Médio e, mesmo, na Colômbia, não tem idéia muito correta sobre o que ocorre junto a nós, aqui no Brasil, abençoado por Deus.
Terra de moleque bamba, que tem samba no pé e pandeiro (e muito luxo, como se mostrou no carnaval), o Brasil registrou, nos últimos 25 anos, quase 800 mil mortes em situações violentas. Encontramo-nos entre os mais violentos da Terra, com cerca de 28 homicídios para cada 100 mil habitantes.
A Editora Fundação Getúlio Vargas lançou, recentemente, o livro "Homicídios no Brasil", com um artigo de Daniel Cerqueira, Waldir Lobão e Alexandre Carvalho, chamando atenção para o problema. O artigo leva o título de "O jogo dos sete mitos e a miséria da segurança pública no Brasil".
Que mitos são estes?
"Segurança pública é caso de polícia", "é preciso uma polícia dura", "os direitos humanos deveriam existir apenas para os cidadãos de bem", "o problema social", "a polícia só pode enxugar gelo", "a questão é muito complexa", "depende de toda a sociedade", e "os governos pouco ou nada podem fazer", "o problema é meramente da falta de recursos", "com mais direito serão resolvidos", "com mais viaturas e policiais resolveremos" e "com o crescimento econômico o problema será resolvido".
Será?
Os autores do artigo não estão convencidos disso. Um deles observa: "É importante acabar com certos mitos e declarações equivocadas, sentidas em projetos que pregam a solução da questão do crime no Brasil".
Enquanto se fala, se escreve, mata-se e morre-se. Nos últimos cinco qüinqüênios, houve exatamente 794 mil assassinatos.

(O jornalista Manoel Hygino é montesclarense)


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Por Web Outros - 09/02/2008
O apagar de uma estrela

Manoel Hygino (Hoje em Dia)

No dia 20 de dezembro, faleceu Suzanne Pleshette. Praticamente ninguém sabia mais quem fora esta atriz do cinema. Chico Lopes, escritor e crítico, inspirou-se no fato para uma bela crônica sobre sua morte, mas também a dos velhos cinemas e de velhos sonhos.
Verdadeiramente não faleceu apenas a estrela de “O candelabro italiano” e de “Os pássaros”. Desde sua participação nesses filmes e sua exibição nos cinemas, muita coisa desapareceu entre nós e dentro de nós.
Suzanne tinha 70 anos e, após as mencionadas películas, só foi importante em seriados de TV americana. Os de ainda boa memória poderão recordar acordes de “Ai-di-lá”, que tangeram corações naquele período dos anos 60. No filme de Hitchcok, era ela a professora atacada e morta pelas aves.
Ah, como o tempo não pára e, impiedosamente, nos vai comprometendo!... Em suas doces remembranças, Chico fala do tempo de criança em sua natal cidade de Novo Horizonte, SP, quando começou a usar calças compridas, mas era impedido de entrar no cinema, porque não chegara ainda aos 14 anos.
Também nós, lendo a crônica, nos retrocedemos à época da meninice, quando chegados do interior, tínhamos de sair da rua Mucuri, na Floresta, (a casinha existe ainda) e, depois nos dirigíamos à casa de espetáculos com o nome do bairro, saboreando os caramelos comprados na Lalka, a meio do caminho.
Mais atrás no tempo, as lembranças muito vivas, mesmo hoje, do Cine Montes Claros, do São Luís e do coronel Ribeiro, que marcaram, principalmente os dois primeiros, aquela fase doce da vida.
Não tínhamos ainda os interesses aguçados pela adolescência. Mais nos praziam os filmes do faroeste, com Tom Mix, Hopalong, Cassidy, Buck Jones, que pareciam ter mais a ver com o clima turbulento Norte-mineiro. As casas de cinema fecharam as portas, encerraram atividades, as crianças de então não mais existem, nada praticamente resistiu ao tempo. A não ser alguns sobreviventes, recalcitrantes, entre os quais nos incluímos.
Os velhos caubóis sequer são lembrados nas exibições de filmes nos horários próprios do vídeo. O aprimoramento crítico, o despertar do gosto por produções mais sofisticadas só viriam muito tempo após, quando participamos, inclusive do velho CEC.
As crianças e adolescentes gostávamos, sim, da troca de tiros entre bandidos e mocinhos e torcíamos pela vitória destes. Apreciávamos muito os cavalos ensinados e obedientes, uma espécie de protagonista quadrúpede, auxiliando o homem na luta contra o mal.
Gene Autry - acho que assim se escreve - era um dos astros mais populares, cantando músicas “country”, que se modificaram com o correr do tempo e perderam a autenticidade das composições e letras originais. Velhos e bons tempos!
Sequer mais nos lembramos se as casas de exibição tinham ventiladores... As atenções eram outras e outros os interesses. Hoje, em Belo Horizonte ou Montes Claros, nem coragem têm os pais de autorizar a ida dos filhotes às matinês ou soares, diante da violência e do assédio da droga.
Estou certo de que os que viveram àquela época discernirão entre a alegria daqueles dias, os suaves mistérios apenas sonhados da vida que se abria. É lugar comum mas perfeitamente verdadeiro. Éramos felizes e não sabíamos!


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Por Web Outros - 3/2/2008 10:37:29
Como foi o Carnaval de outrora

Manoel Hygino (Hoje em Dia)


Com berço em família rígida em costumes do norte-mineiro, nunca me afeiçoei aos folguedos momesmos, que são a alegria - às vezes a tragédia - que marcam estes dias do calendário anual. Ademais, minha cidade natal tinha mais tradição das dolentes músicas e as amáveis letras das modinhas, que enterneciam pessoas nas noites quentes do sertão.
O Carnaval, parece-me, não foi o evento mais forte de Montes Claros. As serestas, sim, venceram décadas e encantaram corações, lembrando-se os grupos João Chaves e Minas Gerais, que já percorreram o Brasil exibindo a arte e a vocação seresteira, de que Lola hoje é herdeira maior.
Os seresteiros eram de estirpe. João Chaves formava com Maria de Lourdes Pimenta um dos mais prestigiosos escritórios de advocacia da cidade. Ruy Barbosa chamava de "meu mestre", o tio de João Chaves, Dr. Gonçalves Chaves, tio-avô de Lola. O grande advogado foi o responsável pela elaboração de grande parte do Código Civil de Clóvis Bevilacqua.
Mas, por imposição das circunstâncias, redijo estas mal traçadas linhas para falar de Carnaval, em que jamais fui "expert". Mas o curvelano Nélson Vianna, que se instalou em Montes Claros para ali viver mais de meio século, não deixou de julgar alegres as festas momesmas locais. Alegres.
Quando lá chegou, os festejos eram muito primitivos, com limões-de-cheiro, baciadas d`água com farinha de trigo sobre os foliões, mas sempre terminando em gargalhada. Nenhum incidente grave.
Por volta de 1932, quando apareceu o lança-perfume, o hábito se tornou epidemia. Travavam-se verdadeiras batalhas campais com esguichos de lança-perfume visando os olhos das pessoas, sem distinção de sexo, mais ainda assim sem conseqüências graves.
O próprio Nélson Vianna, personalidade singular na sociedade, conta um caso especial. O alferes Ovídio de Melo era delegado de Polícia, respeitado e até temido pelo rigor no exercício do cargo. Aconteceu que um grupo carnavalesco, sob influência do álcool, depois de um certo baile, resolveu percorrer em alvoroço, tarde da noite, as ruas centrais.
Esses elementos, munidos de caixotes, vasilhas de cozinha, latas de querosene e tudo mais que pudesse fazer barulho, puseram-se a produzir ruído ensurdecedor pelas ruas, quando as famílias já se tinham abrigado no lar. E os foliões na algazarra!
Avisado, o delegado, furioso, reuniu seus soldados, e partiu para o local onde se concentrara a ruidosa tribo. Ia fazer como sempre fizera, impondo a ordem e a lei. Ocorreu, todavia, o imprevisto. O bravo delegado empolgou-se com o ruidoso grupo e aderiu ao cordão com seus respectivos soldados.
Em outro ano, bancários que mantinham uma república organizaram um bloco, representando um casamento, com todos os atores vestidos a caráter, como o casamento na roça das festas juninas.
Mirabeau, fazendo o papel da noiva, fascinava pelo vestido branco, de tule e chantily, grinalda, enluvada, o longo véu. O noivo, de fraque preto, calças bem vincadas e de listas negras, um modelo de distinção. As testemunhas os seguiam respeitosamente à distância, graves, traje a rigor, naquele domingo gordo.
O sucesso se repetiu na terça-feira. O grupo voltou à cena. A ex-noiva carregava nos braços, embevecida, um bebê, que fitava com grande ternura. Ao invés de testemunhas... os padrinhos do batizado.


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Por Web Outros - 30/1/2008 10:34:36
O gás não utilizado das Minas

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

Continuo insistindo, como brasileiro nascido em Minas, na imperativa necessidade de as autoridades do setor energético voltarem a atenção para o Norte deste Estado. Lá se encontram preciosas e valiosas reservas de gás, não postas a serviço da nação, única e exclusivamente por omissão dos responsáveis pela área.
É um fato gritante. Quando Israel Pinheiro foi secretário da Agricultura, Indústria e Comércio de Minas, no já longínquo Governo Benedito Valadares, ele determinou que se perfurassem naquela região poços para captação de água à população. A seca não é invenção de agora.
Os sondadeiros, os homens que faziam a sondagem dos terrenos para definir os melhores lugares para os poços, enfrentaram um problema. A partir de determinada profundidade, a emanação de gases que subiam à superfície era tamanha que tonteava os perfuradores. O gás, como as escolas de samba, pediam passagem.
Transcorridos todos estes anos, nada se fez. Os homens da região apanham panelas e trempes e, em dias de passeio pelo campo, encaminham-se a estes lugares. Ali instalam o equipamento e cozinham arroz ou fritam seu peixe com o gás do interior da terra. O gás continua pedindo passagem, mas ninguém se importa com o apelo.
Apesar de tudo, importa-se gás, enquanto a riqueza natural de uma região sofrida com longas secas permanece inútil. Todos consideram inadiáveis os serviços de prospecção naquele território, que poderiam, demonstrada a presença de gás comercializável, contribuir para a redução da pobreza de brasileiros, coagidos a transferir-se às grandes cidades, hoje enfrentando o caos da superpopulação.
Até quando perdurará o menosprezo por esses brasileiros?
Recentemente, foi concedida uma ninharia para prospecções. Enquanto isso, a Associação Nacional dos Consumidores de Energia denuncia a falta de uma política para o setor. O Brasil não é auto-suficiente em gás e a importação da Bolívia enfrenta cotidianos. O Brasil volta a investir no país de Evo Morales, a despeito da nacionalização intempestiva de refinarias da Petrobras. É um desencanto para os que acreditaram e trocaram a matriz energética para gás natural, seja o dono de um táxi, ou a diretoria da Bayer.
O Brasil tem recursos para aplicar no setor energético na Bolívia, mas não no próprio território. Durante a visita do presidente Lula a Cuba, assegurou-se ajuda no refino e em pesquisas, inclusive firmando um memorando de entendimento para pesquisar petróleo em águas profundas cubanas.
O Norte de Minas, todavia, fica a ver navios, num Estado que não tem mar.
Há de se analisar o problema com isenção e visão desenvolvimentista. O Norte de Minas quer extrair o que a natureza lhe reservou, beneficiando expressivo número de pessoas, que vivem quase à margem da sociedade. É hora de se fazer algo valioso.
Após o anúncio da gigantesca reserva de petróleo da Bacia de Tupi, o presidente poderá ter ainda outra boa nova para o setor. A Petrobras deverá anunciar também em terra a descoberta de óleo. No que tange à região mineira, não é uma profecia. O gás existe. Falta ação do poder público.


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Por Web Outros - 27/12/2007
Tremores de terra em Minas

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

O que comumente não se sabe: caraíba tem também a acepção de “coisa sobrenatural”. A observação emerge após o tremor de terra na localidade de Caraíbas, no Norte de Minas, município de Itacarambi, uma região que me parecia muito distante em minha infância. Hoje, é próxima.
Mas também perto está a repercussão. De uma hora para outra, o lugar invadiu com seu nome as manchetes dos jornais brasileiros e chegou às emissões das grandes redes internacionais de televisão. Notícia ruim corre rapidamente.
Antigamente, mas não tão antigamente como se suporia, os tremores de terra se davam em Bom Sucesso, a amável cidade do Oeste mineiro, berço da poderosa família Guimarães. Era quase um privilégio no Estado: cismos, embora pequenos, eram naquela cidade, uma das poucas de menor porte que tinha também bondes.
Bom Sucesso perdeu um tanto de seu prestígio: ficou sem tremor de terra e sem bonde. Pelos dois motivos, principalmente pelo primeiro, era motivo de chacota e de brincadeira nas rivalidades municipais. Outro capítulo transferido ao baú do esquecimento.
O tremor de terra que abalou Caraíbas, porém, aos 15 minutos da madrugada de domingo, dia 9 de novembro de 2007, se situou muito acima dos pequenos abalos de Bom Sucesso, sempre identificados pelos geólogos como acomodações da crosta terrestre.
Caraíbas, numa região de muitas grutas - fala-se em 140 cavernas, além de solo instável em vários locais, deixou Itacarambi e municípios em clima de expectativa e de inquietação. Principalmente depois que o professor Lucas Vieira Barros, chefe do observatório Sismológico da Universidade de Brasília, declarou que, após um abalo como o daquele domingo, outros costumam acontecer. Só não sabe se seriam menores ou maiores. O que não produz tranqüilidade em quem quer que seja.
Os tremores de Caraíbas vieram muito depois dos de Bom Sucesso, mas as conseqüências foram evidentemente muito piores: uma criança de 5 anos morta sob os escombros. Houve feridos na família e outros no lugarejo, socorridos em Itacarambi, a cujo prefeito os moradores comunicavam a preocupação com a sucessão de registros sísmicos. As frágeis habitações ruíram, e agora se cuida de mudar os moradores para um lugar que ofereça segurança. Em casinhas, construídas especificamente para esse fim... certamente a toque de caixa, até porque a chuva de 2007 praticamente não chegara e 2008 já bate à porta.
No entanto, o professor Allaoda Saadi, do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais, não deixa soltas as idéias. Conforme o repórter Jáder Rezende, aqui mesmo, registrou há poucos dias, as regiões com maiores possibilidades de terremotos em Minas Gerais se estendem de Bom Sucesso , no Centro-Oeste e o Circuito das Águas como as mais vulneráveis.
Localizaram-se 70 falhas geológicas mestras, de onde procedem os abalos sísmicos, sem contar as falhas secundárias. O estudo é integrante do Programa Internacional da Litosfera que, via força-tarefa, mapeia as estruturas tectônicas em atividade no planeta, em busca de previsões de catástrofes naturais.
O professor explica:
“O Mapa de Falhas revela provas ou fortes probabilidades de produzir terremotos, por terem apresentado, em minha pesquisa, indícios de movimentação recente na escala de tempo geológico. Identificamos as falhas mestras, mas ainda há muitas outras pequenas fissuras”.
Para Saadi, não causam estranheza as ocorrências mais recentes em Caraíbas. Por ali, em 1993, houve um outro terremoto, que atingiu a área entre Manga e Encruzilhada, esta na Bahia. Poucos dias antes do tremor de Caraíbas, um geomorfólogo francês assistiu, bem de perto, um abalo de 3,5 graus na escala Richter.
No Brasil, os estudos não devem passar de cinco décadas. Na França, por exemplo, há registros de 2 mil anos.


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Por Web Outros - 26/12/2007
Deus te salve, ó Casa Santa

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

Curitiba é uma bela cidade. E moderna.
Avançada em termos de transporte urbano. E de educação dos motoristas. Prova-se pelo respeito às pessoas, reduzindo decibéis e mantendo a mão longe da buzina. E tem o Bairro Felicidade, com delícias do bem comer, a preços acessíveis.
Curitiba tem o chamado Castelo Encantado, antiga sede do Bamerindus. Pelo Natal, crianças se apinham em suas janelas iluminadas para cantar amáveis músicas.
Este ano, já se ouviram belas composições. Uma que, segundo li, emocionou foi o “Deus te salve, ó Casa Santa”, que os catopês norte-mineiros se ajoelham para entoar de cabeça baixa, há mais de 200 anos.
Há numerosas versões sobre as Folias de Reis, cantadas em distantes regiões do Norte de Minas. Muitas e belas, interpretadas com devoção sincera e grande respeito. Constituem tradição arraigada, sobretudo na Zona rural. Os foliões são homens simples, que têm devoção aos Santos Reis. Todos os anos saem a cantar, angariando esmolas e visitando os presépios.
Hermes de Paula relata que os foliões não tocam nas ruas ou em caminho, restringindo-se a andar silenciosamente. À porta da casa que visitarão, rompem o toque de uma vez, até surpreendendo o morador. O ritual é sempre noturno, o dia foi feito para descansar.
O grupo é de quatro a oito pessoas. Instrumentos, uma rebeca, violas e bateria. Roupa, a de sempre, chapéu invariavelmente na cabeça. Uma toalha comprida ao pescoço com as extremidades soltas à frente, por cima de paletó. Um porta-bandeira carrega a estampa dos Santos Reis e coleta as esmolas. A música da folia varia pouco, o que acontece também com as letras.
Beto Guedes fez composições apreciadas sobre o tema. Tavinho Moura adaptou-o à sua maneira e jeito, rastreado na tradição: “Ó Deus salve o oratório/Ó Deus salve oratório/Onde Deus fez morada, olá meu Deus/Onde Deus fez a morada, olá/Onde mora o Calix Bento/E a hóstia consagrada, olá meu Deus/E a hóstia consagrada, olá/De Jessé nasceu a vara/De Jessé nasceu a vara/ da vara nasceu a flor, olá meu Deus/Da vara nasceu a flor, olá/E da flor nasceu Maria/E da flor nasceu Maria/De Maria o Salvador, olá meu Deus/De Maria o Salvador, olá.”
Téo Azevedo, norte-mineiro radicado em São Paulo, instalou um quartel-general avançado (?) em Alto Belo, para celebrar anualmente a Folia e manter a tradição. Para comemorar os 25 anos da Folia de Alto Belo, fez uma publicação resumindo o assunto.
Conta que a Folia veio de Portugal. Lá, por volta do século XIV, os estudantes, na noite de Natal, com alguns instrumentos musicais, criaram o costume de se reunir para cantar e saudar o nascimento do Menino Jesus nas portas das casas.
Os donos das habitações convidavam os cantantes a entrar e entoar as letras na sala. Quando havia uma imagem do Menino Jesus, os foliões faziam uma saudação, com cantos festivos alusivos à data. Serviam-se bebidas e comidas e, depois, repetiam a cena em outras residências para quem quisesse recebê-los. Os donos das casas davam dinheiro ao grupo, para aplicação nas festividades de 6 de janeiro, Dia de Reis. Mas nada obrigatório.
Diz-se que a primeira viola veio de Portugal trazida por Anchieta, que teria ensinado como tocar o instrumento. Primeiro, aos índios e, depois, aos negros. Embora disseminado por vários estados, no Norte de Minas o costume mais se aprofundou. Delicia os homens e mulheres dos grotões, que se sentem felizes vendo os filhos aprendendo as letras e assimilando a melodia.
Cândido Canela e Téo criaram o “Umbu Lundu”, cujo texto é o seguinte: “Fruta Azeda é umbu/ Dança doce é lundu - Quem deseja pissuí/ Amô de muié alêia/ Tá cum pé na simpurtura/ E outro é na cadeia.
Duas coisa nesse mundo/ Acho feio aqui vos falo/ É homi carregá troxa/ E muié puxá cavalo - Batom no beiço de moça/ Um belo gosto disperta/ No palitó dos marido/ É pé de briga na certa”.


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Por Web Outros - 24/12/2007
Rastros do crime no país

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

Convido o leitor a acompanhar comigo a exposição que ora inicio e depois raciocinar sobre os fatos relatados. Apanho a primeira página de um jornal do Rio de Janeiro. O que encontro?
1- A Guarda Municipal tirou da Lagoa os flanelinhas que cobravam R$ 20 pelo estacionamento próximo à Árvore de Natal. A região virou um point noturno;
2- A Polícia Civil prendeu 22 pessoas e desbaratou uma quadrilha responsável por roubo e adulteração de gás na Baixada Fluminense;
3- Na Favela Pára-Pedro, na Zona Norte, 11 pessoas ligadas ao tráfico, incluindo dois PMs, foram presas.
Ainda na página de abertura do diário: Foi anunciada a deflagração de um ofensiva contra ONGs estrangeiras que atuam na Amazônia. Dados da Polícia Federal e da Abin detectaram a espionagem sobre biodiversidade, compra de terras e minério, além de interferência em tribos indígenas. Em negrito: o Governo admite que estas entidades se encontram sem controle.
Mas o quadro sombrio percorre todo o país. Nem me quero referir ao caso da moça atirada à sanha de criminosos na prisão de Abaetetuba, no interior do Pará. É algo tão grave, tão cruel, tão horripilante, que ainda busco a melhor forma de focalizar o assunto.
Acho que o Governo tenta cumprir o seu papel. Mas a situação é muito mais grave, ampla e complexa do que se suporia, porque o crime se enraizou poderosamente na sociedade. A própria sociedade o pratica; na melhor das hipóteses, com ela convive.
Tornou-se difícil dizer quem é honesto, porque, incessantemente, pessoas supostamente puras e intocáveis aparecem nas páginas de polícia. O especialista Luis Flávio Sapori, que já foi secretário-adjunto de Defesa de Minas Gerais, lançou um livro com o título “Segurança Pública no Brasil: desafios e perspectivas”.
O próprio Sapori atribui ao aumento do uso de crack em Uberaba e em Montes Claros a intensificação da ação criminosa. Somente na segunda, registraram-se 73 assassinatos neste ano, até o momento em que escrevo estas mal traçadas linhas. E o fim do ano apenas se aproxima.
Belo Horizonte, a cidade que era dor de cabeça para os jornalistas dos anos 20 do século passado, não é mais a mesma. Antes, não havia o que o repórter averiguar na área policial, e escrever. A situação é completamente outra, agora, faltando espaço para tantos crimes. Afora aqueles que, de tão comuns, sequer merecem mais a atenção do jovem escrevinhador.
No dia do aniversário da capital, um professor universitário aposentado morreu, depois de golpeado na cabeça e no peito com uma pedra de mármore por três assaltantes que lhe invadiram a casa no Santa Mônica, em Venda Nova.
No mesmo histórico dia dos 110 anos de inauguração, quatro pessoas foram assaltadas por apenas um indivíduo, ao ousarem conversar tranqüilamente, no bairro Coqueiros, na Região Noroeste. Tiveram sorte: a arma falhou, exatamente quando o delinqüente apertava o gatilho contra a cabeça de uma das vítimas: uma jovem de 16 anos.
Este é o país em que vivemos, que todas as condições de ser uma das maiores potências do planeta. Tamanho não é documento, e há muito a fazer para se chegar a melhor sorte: para que possamos ser a nação do futuro, como tantos estrangeiros cultos preconizaram.
Será que, até lá, teremos de conviver com tão lamentável, degradante, estado de coisas? Parece que sim e os registros diários o demonstram, à suficiência. Mas, enfim, há um novo ano entrando no calendário. É hora de esperança. Esta não se pode perder.


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Por Web Outros - 05/12/2007
A briga antiga de facções

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

Na inauguração do Centro de Especialidades Médicas da Santa Casa de Belo Horizonte, no passado 7 de novembro, pude ouvir o chefe da Nação. Aparentemente, sem dar atenção às críticas de adversários, “não está nem aí”, na expressão popular, Lula está encerrando o primeiro ano do segundo quatriênio.
Em sua palavra, o antigo torneiro mecânico usou de metáforas e fez comparações. Ele disse da necessidade de os homens que fazem política no Brasil seguirem o exemplo dos jogadores de futebol. “Quando tem um jogo aqui no Mineirão, em que o Atlético joga com o Cruzeiro, em que os jogadores do Atlético vão com brutalidade no Cruzeiro, e o Cruzeiro com brutalidade no Atlético, vocês não pensem que aqueles jogadores passam o resto da vida um com ódio do outro.
Possivelmente, na mesma noite, eles estejam jantando juntos; na semana seguinte, estão fazendo atividades juntos, se encontram, comem churrasco, fazem um monte de coisas juntos. A política poderia ter esse ensinamento para que as coisas pudessem ser facilitadas.
O fato de a pessoa “A” disputar uma eleição com a pessoa “B” não está determinando que eles serão inimigos pelo resto da vida... Mas na política não é assim, porque muitas vezes na política se semeia ódio, se semeia mentiras.”
As observações do presidente me lançaram a dois artigos - ou crônicas - de Ruth Tupinambá Graça, que guarda propagáveis lembranças dos seus verdes anos, conservados agora nos seus mais de 90. Ela evoca o tempo da cidade natal, governada e dividida por dois partidos: o dos moradores das ruas de Baixo, os Estrepes, e os das ruas de Cima, os Pelados.
Uma tradição que atravessou décadas. Havia rivalidade entre ambos, na política, nas celebrações religiosas e nos acontecimentos sociais. Os rapazes só podiam namorar as moças do mesmo partido. Em tudo dominavam fofocas e fuxicos, intrigas não faltavam.
Quando se aproximava o Carnaval, acirravam-se os ânimos. Cada um queria fazer melhor que o outro. Os foliões de Baixo faziam valer seus conhecimentos, organizavam blocos, carros alegóricos, desenhavam fantasias, criavam canções e promoviam ensaios. O mesmo ocorria com a turma de Cima. Moços audaciosos vestiam roupas femininas, como nas capitais, punham um sutiã improvisado e rebolavam desajeitadamente, ao som do conjunto musical, o bumbum sertanejo. Admiração e escândalo. As beatas fechavam as janelas e se persignavam. E havia pierrô apaixonado, que vivia só cantando, por causa de uma colombina, e acabou chorando, chorando.
A animosidade era histórica. Os habitantes da parte de Baixo eram os mais antigos da cidade, de famílias tradicionais, chegaram primeiro, assistiram ao desenvolvimento local. Os de Cima eram pessoas que chegaram mais tarde, procedentes das fazendas, lugares vizinhos. Construíram casas melhores, modernas, instalaram pensões, farmácias e lojas na cidade florescente.
Os de Baixo não toleravam os de Cima, e a recíproca era verdadeira. Uns se julgavam superiores aos outros e a rivalidade, acirrada, atravessou décadas, produzindo incidentes políticos graves.
Em âmbito social, as arestas e desavenças resultaram em fugas de donzelas para juntar- se ao amado do outro grupo. Ocorreram raptos, e mortes se registraram, em grande número. Elza, 18 anos, linda, morena de olhos castanhos e farta cabeleira ondulada, apaixonou-se por um jovem, belo e educado. Mas pertenciam a partidos políticos adversos.
Ruth Tupinambá escreve que a moça fugiu para o aconchego amoroso e o inocente encontro virou escândalo. Sentindo-se humilhado e traído perante a sociedade, o pai castigou a menina com uma grande surra, de que todos tomaram conhecimento. Desesperada, ela se suicidou, com soda cáustica.
O Romeu da história não fez o mesmo. Pragmático, deixou a água correr sob a ponte. Anos após, casou-se com uma bela moça, de seu partido é claro, e foi feliz por toda a vida, como nos velhos contos.


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Por Web Outros - 26/11/2007 08:45:11
A capital em que a paz pontifica

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

O que mais encanta os turistas que vão a Santiago é o ambiente de ordem e tranqüilidade que ali se respira. Pode- se transitar sem temor pelas ruas, não há a sensação sombria de possíveis balas perdidas, de espectros disparando armas de detrás das árvores e nas esquinas.
Depois de tudo que ocorreu, e não foi pouco em termos de violência, os fantasmas vingativos estão desaparecidos. A truculência, a tortura e a traição são registros passados, que se confia não mais voltem.
Os quartéis, com seus generais, que fizeram movimentos e deram golpes, estão silenciosos. Sua função é manter a ordem e assegurar que os chilenos gozem da alegria de viver, de liberdade, de trabalhar conscientemente para o bem coletivo e a felicidade de cada cidadão.
O jornalista Paulo Narciso, que por lá esteve, trouxe a melhor das recordações, mercê desse clima de paz, compreensão e solidariedade. As vias públicas são pacíficas e as pessoas se sentem bem nelas.
Carmen Netto (e não a artista plástica Helena Netto) trouxe a mesma impressão, após os primeiros contatos com a capital andina. Santiago lhe pareceu encantadora, com suas avenidas e largas ruas, limpas, arborizadas, parques e jardins, prédios imponentes. As imagens de hoje lhe evocaram as de ontem: o palácio em que se suicidou Allende, a ditadura de Pinochet, os desaparecidos, os fuzilados no Estádio Nacional, a catedral a Santiago, o apóstolo, e à Virgem del Carmen.
Em resumo: Santiago é uma cidade onde nos sentimos em casa. Povo bonito, civilizado, e que pode andar pelas ruas à noite, sem medo, tal a segurança. Tal o respeito que os cidadãos têm entre si e aos visitantes.
Quando Neruda, que ainda não era Neruda, lá chegou, em março de 1921, para ingressar na Universidade, a cidade não tinha mais de quinhentos mil habitantes. O poeta mesmo a descreveu: cheirava a gás e a café. Milhares de casas estavam ocupadas por gente desconhecida e por percevejos. O transporte urbano era em pequenos e desconjuntados bondes, que se moviam dolorosamente, com muito ruído de ferros e campainhas.
Carmen Netto, da Rua Quinze, atual presidente Vargas, é da família Dias, mudou-se para Belo Horizonte, professora aposentada. Escreve com esplêndida espontaneidade, como demonstra em suas cartas de Santiago, como se poderia alcunhar suas memórias. Perto da capital em que Neruda viveu, hoje percorrida por gentes de todo o mundo, sente uma certa nostalgia, como sentiria das paisagens de sua cidade natal, tão próximas ao coração.
Há uma linha de aproximação, quando não de união, entre as pessoas em diferentes épocas, em situações diversas, em lugares distintos. Parece estabelecer-se um liame misterioso. Sinto-me, lendo estas reminiscências tão doces, novamente em Montevidéu, falando a mesma língua, - a amável comunicação, engrandecendo o espírito de solidariedade, que tanto falta em nossos dias.
Na rua Maruri, 513, Neruda escreveu seu primeiro livro. Redigia de dois a cinco poemas por dia. Ao pôr-do-sol, assistia ao magnífico espetáculo diário da natureza, que não perdia por motivo algum.
O livro recebeu o título de “Os crepúsculos de Maruri”. Ao longo de sua agitada vida, jamais alguém lhe perguntou o que significava Maruri. Mesmo entre os residentes na capital chilena, poucos sabiam que se tratava de uma humilde via pública, visitada diariamente pelos crepúsculos mais extraordinários da terra.
Havia poesia em Santiago, porque ela estava no coração e no espírito dos que faziam versos ou dos que, não fazendo versos, traziam-nos dentro de si mesmos.


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Por Web Outros - 23/11/2007 09:51:32
1930, uma revolução sem tiros?

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

Hélio Silva, entrevistado por Paulo Narciso, há bom número de anos, disse que a Revolução de 1930 nasceu em Minas, com o tiroteio numa praça, em 6 de fevereiro, em Montes Claros. Sem conhecer a opinião do historiador, sempre achei o mesmo. Ainda que contribuísse para o movimento o assassinato de João Pessoa, em Recife, o 6 de fevereiro consolidou a idéia com mortos e feridos.
Há idéia firme de que revolução só se faz com sangue. Sem cadáveres, ela não se processa. Nos escritos políticos do século XIX, a palavra “revolução”, quando empregada sozinha, se referia à revolução política.
É por isso que a idéia de revolução evoca geralmente nos espíritos a de violência, quando os sistemas não se mostrem tão flexíveis que sejam quando capazes de mudanças fundamentais por meio da legalidade. A ilegalidade comumente exige o uso da força.
Em moderna visão, todavia, não se enquadra a idéia de revolução com a insurreição política e conseqüente concepção de violência, e os fatos aí o demonstram nos Estados modernos. E há os golpes, que são a substituição de um sistema por outro, de um grupo por outro, quase sempre solertemente e sem derramamento de sangue.
A respeito, acaba de ser publicado “Soldados da Pátria”. Trata-se de extenso relato sobre o Exército brasileiro, desde o fim da Monarquia até 1937, em plena República e sob Getúlio, em seu primeiro Governo.
O autor é o pesquisador norte-americano Frank D. McCann, que se dá ao cuidado de detalhes, inclusive os nomes dos militares homenageados postumamente. Para o pesquisador, a Revolução de 1930 é a única que merece este nome no Brasil, embora tenha sido uma revolução sem tiros.
McCann acha que a desintegração do comando militar resultou na facilidade com que Getúlio chegou ao poder. Acha que o grande articulador foi, não um general, mas um tenente-coronel, Pedro Aurélio e Góes Monteiro. A partir de então, ela estará presente em todos os momentos importantes da vida brasileira, não só em termos de Exército.
Outro militar, que não se distinguiu como estrategista político, mas por fiel cumpridor de ordens, foi Dutra, que chegou a ministro da Guerra (denominação e o titular do Ministério, hoje do Exército) e conseguiu eleger-se presidente da República, após a deposição de Vargas.
Para o autor norte-americano, Góes Monteiro e Dutra deram sorte em momentos decisivos. Estavam no lugar certo, na hora certa, e o mais importante, ao lado de amigos certos, e não perderam a oportunidade, como definiu o escritor Ivan Soter.
As coisas, porém, não se passaram assim tão simplesmente. Vencedora a chapa oficial de Washington Luís à sua sucessão, com Júlio Prestes, governador de São Paulo à testa, os candidatos derrotados, Getúlio Vargas e João Pessoa, a presidente e vice, alegaram fraude, e se começou a articular o impedimento da posse e a derrubada de Washington Luís.
Lindolfo Collor, deputado gaúcho, teve papel importante numa fase, buscando atrair a cúpula militar para a revolução. O general Tasso Fragoso, que fora chefe do Estado-Maior, confessou (ver Hélio Silva: “1940-A revolução traída”); “Se... em vez de um mero levante militar, como os que já vimos nos últimos tempos, sobreviver uma revolução em todo o país, só posso assegurar que não ficarei neutro, mas tomarei a atitude que o meu patriotismo me indicar”.
A deflagração da revolução foi adiada três vezes pelo menos. Finalmente, ocorreu em 3 de outubro. As notícias dos combates constituíram uma surpresa para a oficialidade no Rio de Janeiro. De todo modo, pode-se dizer: se não foi uma guerra, chegou a revolução. Com mortos, feridos e prisioneiros.

*Jornalista e escritor
colunamh@hojeemdia.com.br


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Por Web Outros - 2/11/2007 09:55:57
Tempo e seu escritor

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

No Automóvel Clube de Montes Claros, lança-se, em 7 de novembro, um livro de curto nome: “O Tempo”. Em sua longa gestação, o título variou, mas restou o essencial: as memórias de um jornalista que não se curvou diante das circunstâncias adversas, das ameaças, das perseguições de adversários ou inimigos que queriam silenciá-lo.
O autor, Oswaldo Antunes, em seu bem elaborado volume não se cinge ao relato de sua experiência, desde a infância no interior, à formatura e formação na capital e ao retorno às origens, para pregar idéias. Para a elas chegar, buscou conhecer a si mesmo, como ensinavam os antigos, para melhor compreender-se e a seus sentimentos.
“O Tempo” faz lembrar Macombo. Gabriel Garcia Marques soube contar, em minúcias e marcas do gênio, histórias imperecíveis, a partir de vivência com os problemas mais candentes da vida de sua pátria e de sua aldeia. Tornou-se universal, como imaginara Tolstói.
Oswaldo Antunes é respeitado no norte-mineiro, mercê do jornalismo sério que fez em Belo Horizonte, ao tempo em que também estudava Direito. Nas suas áreas se tornou admirado, por suas qualidades e pelo comportamento independente diante dos fatos, jamais de subserviência aos poderosos.
Quis saber quem eram os Antunes em cujo meio nascera e formara seu caráter. Procurou identificar-se desde a origem, desde o pirralho que experimentara a angústia solitária de ouvir a mãe gritando, altas horas da noite, em crise nervosa. Logo a mãe, serenidade, segurança e amparo. Chorou convulsivamente, no quarto escuro, a cabeça suarenta enterrada no travesseiro de paina.
O menino fez-se mais triste, quando o pai teve de vender a loja, cerca de 1929, coincidindo (?) com as conseqüências do “crack” da Bolsa de Nova York. A crise parecia chegada ao distante país e à recôndita cidade em que nascera.
De busca em busca, descobriu raízes judaicas, resultado de pesquisas em autores até do século XVII. Os Antunes vieram de Portugal e, na origem do patronímico, alcançou o ano 991. Ana Rodrigues, ou Roiz, mulher de Heitor Antunes e ancestral maior da família no Brasil, foi levada para Portugal, onde morreu na prisão, sem condenação, por judia e desobedecer à religião oficial. Condenada após morta, seus despojos foram desenterrados e cremados, para a condenação atingir os descendentes.
Na grei, o bispo Dom Lúcio Antunes de Sousa, nascido na fazenda de Santo Antônio do Brejo dos Mártires, então pertencente ao Distrito de Lençóis do Rio Verde, hoje Espinosa, em 1863. Ao morrer, deixou em testamento a afirmação de que “absolutamente nada tem ou possui, não deixando, portanto, bens de qualquer natureza ou espécie...”
Mas também há Antônio Antunes de França, de coragem insubmissa, o bandoleiro Antônio Dó. Por 50 anos trabalhou duramente para construir patrimônio e prestígio social, mas não participando de política e de administração pública viciada, imperante no São Francisco. Foi perseguido por vizinho, que requereu a força policial a serviço da politicagem. Em sua sepultura, está inscrito: “Pôs-se fora da lei procurando a Justiça que a prática perversa da lei não permitiu. Esse homem de gênio forte, com a capacidade de indignação dos Antunes, tinha o instinto da luta contra o errado e a inconformidade com as injustiças, tudo deixado um legado precioso de gerações insubmissas”.
A insubmissão é a palavra que predomina nesse livro, relato de fatos sobre um homem que não quis, e que não era de seu feitio e formação, inclinar-se ao poder. Sua vida como jornalista e advogado o demonstra, no livro o autor aparece na terceira pessoa.
Durante quase 40 anos, o jornal que criou e dirigiu se pautou por divulgar acontecimentos em todos os âmbitos com honestidade, rigorosa isenção e independência. No último número, o “Jornal de Montes Claros”, que viveu 38 anos, publicou:
“Entendemos não se justificar a existência de um órgão de imprensa, jornal, rádio ou televisão, pela ganância moral do dinheiro, por benesses que possa encontrar junto ao poder ou pela facilidade de viver sob a tutela de grupos econômicos”.


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Por Web Outros - 29/10/2007 08:04:38
Cair de posição é até bom

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

Restrinjo-me a receber informações, analisá-las e a manifestar-me. Os fatos relatados são incontestáveis, disponibilizados pelos meios de comunicação todos os dias.
Quando se fala em violência, lembra-se primeiramente do Rio de Janeiro e São Paulo, onde há mais visibilidade. Mas as outras capitais não sofrem menos o problema, e tamanha violência, nunca antes registrada, assusta e inquieta também os municípios de porte médio, mesmo até os pequenos.
Segundo dados da própria PM, nos três primeiros meses do ano, o número de assassinatos em Montes Claros cresceu 50% relativamente ao período anterior, com 18 mortos. Em compensação, em Juiz em Fora, a quarta maior cidade do estado, com o dobro de população, registraram-se nove mortes, também 50% mais do que em 2006. Em Varginha, foram 13 homicídios, com elevação de 30%.
Não são simples mortes, são execuções em série, que em outubro somavam 64 vítimas, o mais violento de todos os tempos em Montes Claros. Bem verdade que aproximadamente igual aconteceu em outras regiões mineiras, mas no Norte a situação se tornou terrivelmente agravada.
Extremamente grave, sim, porque não se trata apenas de agir à mão armada, à plena luz do dia, nas ruas centrais do maior centro demográfico da região. São ainda furtos, roubos, assaltos, estupros, repetidamente sem possibilitar à vítima tentar salvar-se. Reagir não se aconselha.
Poderoso núcleo formado ao longo de uma crônica de bravura, mas também de bravez muitas vezes, Montes Claros, que foi a quinta cidade de Minas em população, caiu para sexto lugar. Maior do que ela, Belo Horizonte (2 milhões e 410 mil pessoas); em segundo posto, Contagem (com 608 mil e 650 habitantes); em terceiro Uberlândia (com 608 mil e 369); em quarto, Juiz de Fora (com 513 mil e 348); em quinto, Betim (com 415 mil e 98) e Moc (com 352 mil e 384 habitantes), em sexto.
Um veículo de comunicação montes-clarense descreve um desses homicídios: dois homens, numa moto preta e usando roupas escuras, mataram um rapaz e feriram outro. Entraram num bar, atirando. Uma das vítimas tinha 20 e outra 19 anos, com três passagens pela polícia. Um dos mortos foi atingido por dezoito tiros.
Tudo segundo o modelo carioca ou paulistano, ou algum filme da época dos gangsters e da lei seca. No velho oeste de Tio Sam, as brigas eram mais decentes, talvez mais civilizadas, se é possível empregar o adjetivo.
Mas aconteceu na cidade, que é a sexta colocada no “ranking” populacional, uma terra em que os homicídios se faziam em legítima defesa e ou da propriedade, em flagrante, coisas assim. Para o jornalista Paulo Narciso, entendedor do fenômeno da violência, experimentado e consciente, cair na classificação criminal foi positivo. Explica:
“É até uma vantagem (salvo o critério dos políticos, e do mundo político, que vêem a superpopulação pelo ângulo de vantagens materiais no que pleiteiam, como salários, proporções, etc: significa que, por um momento, a cidade perdeu o ritmo do “inchaço”, que a transforma numa das mais turbulentas de Minas, nas áreas de violência, desemprego caos urbano, desagregação familiar, etc)”.
O que se sabe é que os governos dormiram enquanto o comércio das drogas se assenhoreava de amplas regiões, protegido por poderosos grupos de supostos empresários, sob o manto diáfano, e criminoso, que fazia questão de omitir-se diante de fatos concretos, insofismáveis. Chegamos ao ponto mais agudo de uma crise, longamente anunciada e acompanhada, enquanto se fazia ouvido de mercador e se fechavam criminosamente os olhos.
Agora, não há mais cadeia suficiente para os criminosos. Prendê-los não é a solução, segundo alguns. A pena capital é horripilante e descartada por numerosos. Fazer, então, o quê? Só o Comando Vermelho tem um faturamento anual de R$ 36 milhões. É receita fantástica, para numerosas cidades que vivem à míngua.


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Por Web Outros - 19/10/2007 07:50:00
Na Casa do poeta Alphonsus

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

Na posse da poeta Yeda Prates Bernis na Academia Mineira de Letras, em setembro, assentei-me, no auditório Vivaldi Moreira, ao lado de Ângelo Oswaldo. Trocamos idéias rápidas antes e depois, porque em solenidade muita conversa seria imprópria.
Lembrei que, em agosto de 2006, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos se empossara na cadeira nº 39, da Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes, saudado pelo acadêmico José Anchieta da Silva.
Praticamente um ano após, Ângelo Oswaldo assumiu a cadeira nº 3 da Academia Mineira de Letras, sucedendo a Oscar Dias Corrêa, sendo ali saudado por José Bento Teixeira de Salles, que também pronunciou o belo discurso para saudar Yeda.
Naqueles momentos, meditei sobre a importância desses sodalícios, de que comumente se tem idéia equivocada: mero ponto de reunião de pessoas realizadas na vida, no exercício de cargos públicos, bem aquinhoadas financeiramente. Mas as academias, embora contem com todos esses homens e mulheres a que a existência deu alento e privilégios materiais, são também de expressões de saber, de ideais, de devotamento aos jogos da inteligência e das artes.
Naquela noite, estávamos ali, sob a presidência de Murilo Badaró, ex-parlamentar e ministro, dentre outros títulos, os mencionados acadêmicos: Ângelo Oswaldo, de intensa atividade cultural e administrativa, a que tantas iniciativas e bons serviços se devem; neto de poeta, José Oswaldo, empresário, acadêmico, ex-prefeito de Belo Horizonte; belo-horizontino de nascença, orgulho do pai, o advogado Cristino Teixeira dos Santos, que não está mais entre nós.
Para saudar Yeda, José Bento, de uma estirpe ilustre da gloriosa Santa Luzia, tão bem representada nos grêmios intelectuais, assim como nas serestas de que a montanha é herdeira e permanente cultora. Seu discurso foi uma obra-prima sobre o ofício do poeta, que é muito mais do que um ofício, porque uma religião e uma destinação.
Yeda, viúva de Ney Otaviani Bernis, jornalista e advogado de fulgor nas Minas, é da grei dos Prates, de Montes Claros, embora nascida em Belo Horizonte.
Sua origem deita raízes a terra de homens bravos nos embates da política partidária, valentes nas armas e na defesa da honra e do direito. Mas se alia a Santa Luzia no amor à arte, ao som moreno das valsas e modinhas, que deram enlevo às noites de sucessivas gerações.
O prestigioso jornalista de outros tempos, Newton Prates, deu ênfase à divisão nos grêmios políticos de MOC: no começo, eram os Ximangos e os Cascudos, ou seja, os Liberais e Conservadores, que estiveram em guerra durante todo o Segundo Reinado. Depois, vieram os Estrepes e os Pelados.
Os Estrepes moravam nas ruas de Baixo e lá mandavam. Nas ruas de cima, habitavam os Pelados. Até as bandas de música, sem as quais não sobrevivem as cidades interioranas, eram duas: a Euterpe e a União Operária.
Os três irmãos Prates vieram da Holanda, nos fins do século XVII. Um se instalou em São Paulo, outro preferiu o Rio Grande do Sul e Hermenegildo elegeu Minas para formar família, nascendo de seu casamento com Maria Carlota, nove filhos. Grei numerosa a dos Prates, na qual estava Camilo Raul Prates, casado com Vera Santoro Felício dos Santos; que gerou Carlos Felinto Prates; que gerou, entre outros, Yeda, única com esse nome na parentela.
Yeda é poeta de excelsa qualidade, provada em seus próprios livros e em muitas antologias, que circulam no país. Seu trabalho mais recente, em bela edição, é “Viandante”, uma espécie de lírica confissão sobre a transitoriedade da vida.
Este volume é, vamos dizer, uma confissão de amor ao esposo: “Com Churchill conversas sobre tua admiração por ele. Com Milton Campos, falas de justiça. Com Chico Xavier, indagas da espiritualidade. A propósito: já terás dado um abraço em Jesus?”


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Por Web Outros - 3/9/2007 07:35:01
Um tempo que passou

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")

Agosto não é apenas o oitavo mês do ano, o malsinado por acontecimentos tristes, trágicos, na vida brasileira. Em agosto, Jânio simplesmente deixou a presidência da República, e deu no pé, largando atrás de si o possível risco de um cataclisma político, que deu no que deu, e gentes deste país ainda sabem. Ainda.
Veio Jango, depois chegou o último dia de março de 1964, anúncio do adeus do presidente gaúcho à chefia da Nação. E houve o suicídio de Vargas, 10 anos antes da queda de Goulart, e a morte de Juscelino, sobre a qual suspeitas de atentado se levantaram.
Mas, agosto não é só prenúncio de tempestades, mau agoiro, o fogo nas serras e encostas, extensas áreas calcinadas depois das longas estiagens. Nas cidades sem calçamento, a poeira se levanta e o vento a espalha, erguem- se redemoinhos, que espantam as crianças a suas casas.
Há as festas de agosto, que entram no coração e na lembrança de quantos a elas assistiram, ou delas participaram. Estão inscritas entre as manifestações artísticas, tradicionais religiosas, culturais condenadas ao esquecimento. Grupos de catopês, marujos e caboclinhos, de que sequer mais quedam vestígios nas grandes cidades, fazem suas demonstrações, marcam o ritmo nas ruas e junto a praças dos templos, evocando costume centenário.
Em minha terra natal, 160 dessas comemorações já se realizaram, representados em fotografias, pinturas, filmes e no relato de livros de autores que não queriam que tudo isso o fosse atirado a resíduos do passado, como algo dispensável.
Em texto inspirado, o jornalista Paulo Narciso comentou mais um agosto transferido ao pretérito. Os catopês, seu batido ancestral, constituem um firme liame da gente da terra, fazendo o rebroto de sentimentos tidos como esquecidos, mas ainda muito fortes, porque têm raízes na alma.
Não se trata de bairrismo, de saudosismo, mas algo resiste no íntimo das pessoas. Há tempo, há muito tempo, Geraldo Ataíde já temia o funeral desse velho costume, quando se referia ao coro entoado de uma cantiga, quebrando o silêncio na hora final, meia-noite, no último dia de festa.
Recordava o ruflar das caixas, com algo de místico e bárbaro, o tilintar dos pandeiros, o coro lamentoso das violas, rabecas, gaitinhas de bambus, um som profundo sem forma, uníssono, soturno, expressando a alma simples do homem semi-civilizado do sertão.
Os cidadãos evoluídos, pra frente, se rebelavam contra dançantes, o que depunha contra os foros de cidade grande. Entanto, eles são gerações transportadas, ex corde, para os dias de hoje, carregando consigo o que herdaram, trazendo de recônditas épocas a rude e o belo da natureza na região em que nasceram e viveram, como nasceram e viveram pais e avós.
A Festa de Agosto tem elevado papel social e humano. É demonstração de solidariedade, de aproximação entre os homens, prova de cortesia, de arte e de educação. A cidade se revela, nestes parcos dias, ser mais do que um entreposto de compra e venda de produtos e mercadorias.
Em 1839, Marcelino Alves pediu licença para tirar esmolas para as festas, sem dizer exatamente quais eram. Para comemorar a coroação de Pedro II, foram permitidos alguns desses divertimentos, com os grupos preponderantemente de pretos dóceis e alegres. Depois, os mestiços, os brancos, se foram acercando. Virou confraternização.
O poeta da região, o mais vigoroso barco sertanejo, Cândido Canela, não está entre nós. Nasceu em 22 de agosto de 1910, comemoraria seu centenário com as festas deste período do ano.
Eu me recordo com Paulinho Narciso: Quando os tambores estrondam, há os que choram, quando o mestre, no meio do cerimonial, ordena que se ajoelhem. Todos o fazem, cabeça baixa, repetindo: “Deus te salve Casa Santa, onde Deus fez a morada, onde mora o Cálice Bento e a Hóstia Consagrada”.


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Por Web Outros - 19/7/2007 10:34:13
A terra e suas palmeiras


Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia")


Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, enaltecia Gonçalves Dias em versos declamados em todo o Brasil. Mas esses pássaros da família dos turdídeos talvez não cantem com a alegria e vigor de antigamente, na terra em que nasci, porque palmeiras há menos para abrigá-los e acarinhá-los.
Longe a infância, mais longe as origens de minha terra, cidade que fez 150 anos em 3 de julho, dia em que festejou também o nome que hoje ostenta. No princípio, foi o Arraial de Nossa Senhora da Conceição e São José de Formigas, elevado a vila por decreto imperial de 1831.
Foi época aprazível aquela, também trabalhosa, porque em criança já começava a fazer algo de útil. Ajudei a plantar mudas de laranja no sítio do Melo, hoje região incorporada à área urbana. Aprendi a conhecer donos de vendas em lugares menores, que iam à loja do avô comprar o que necessitassem: de botinas ringideiras a arame farpado, sal grosso e açúcar, sabão em barra, ferraduras, pregos, panos para fazer compras, fitas de muitas cores e meadas, carretéis de linha, novelas de lã, perfume também, e tanta coisa mais de que homem e mulher não abrem mão.
Um começo de vida produtivo, porque de menino se torce o pepino, mas sem perder as matinês no cine Montes Claros, depois de a sirena anunciar que a sessão não demoraria a ter início. As imagens das ruas e das pessoas estão na memória, guardadinhas, como as dos santos na igreja da matriz, como padre Marcos oferecendo a santa hóstia. Mas também havia leilões na porta do templo, em noites quentes, alegria, levantamento de mastros e foguetes. Nada a reclamar, só a agradecer.
Presépios pelo Natal, andar a cavalo aos domingos (tão pequeno era, que me prendiam à sela), aulas no jardim de infância Dom Bosco, no Instituto Norte-Mineiro de Educação, ouvir o rádio censurado dos tempos de Vargas, caboclinhos, marujos e as festas juninas, a Folia de Reis com muita lenha para amenizar o frio(?) da época, a sensação colorida e cheirosa do velho mercado aos sábados, no prédio que não sobreviveu.
Imensidão de reminiscências, que o tempo, inclemente, não apaga. Fatos que os cronistas locais evocam, como se algo perdido na escuridão da noite dos tempos. Mas tudo se mantém vivo e forte, iluminado pela luz do amor à terra em que nascemos e em que abrimos os olhos para o mundo e os homens.
São lembranças tão poderosas que se sobrepõem às noites e aos dias, o misticismo que retroage à própria natureza divina do homem. O sertanejo, que venceu dificuldades de toda espécie para construir uma cidade, em região que integrou uma capitania nordestina, está consciente de seu papel e de seu futuro. Conhece as adversidades de agora e antevê as do futuro, mas está cônscio de que tem histórica missão a cumprir. Cada um oferecerá o seu quinhão, dará o seu óbolo.
Foram 150, inicialmente, os cidadãos lembrados para simbolizar o esforço de erguimento desta cidade, plantada no sertão: 150 homens para 150 anos de existência. Depois, chegou-se à conclusão de que mais 150 mereceriam a honrosa distinção de sociedade, neste julho de efeméride.
Acho que muitas centenas de nomes poderiam ainda ser agregadas aos até agora lembrados. Montes Claros é fruto do trabalho, persistente, tenaz, incessante, de muitos e muitos milhares de homens e mulheres que atravessaram dezenas e dezenas de anos para dar sentido à razão humana de viver e sonhar.


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Por Web Outros - 13/7/2007 08:33:43
Saudade em pérolas

Manoel Hygino (jornal "Hoje em Dia)"

Com a sensibilidade de jornalista que nasce jornalista, e com a acuidade e o alto nível de qualidade de seus textos, Roberto Elísio escreveu, há meses, interessante artigo dominical, dando-lhe o título de “Serenata, a alma sonora de Moc”. E tem razão. Nenhum lugar se devotou tanto à serenata como a grande cidade norte-mineira.
Outras podem ser consagradas por esse gênero de manifestação artística. Mas a cidade que serviu de berço a Cyro dos Anjos e Darcy Ribeiro (ambos registrados com Y) não perde para nenhuma em termos de serenata, que efetivamente é “a alma sonora” de sua gente.
Há uma tradição, que se obriga preservar, e os mineiros dali o fazem com todos os méritos. João Chaves perenizou sua criação com as serestas. Sua filha, Maria de Lourdes Chaves, Lola, segue a vocação paterna, e, recentemente, lançou excelente coleção de páginas inesquecíveis, a que denominou “Pérolas de Saudade”. Uma preciosidade!
Seresteiros até a morte. Quando o boêmio Silva Reis faleceu, no sétimo dia de seu sepultamento, um grupo de seresteiros foi ao cemitério para cantar ao som de flauta e bandolim, músicas imperecíveis. Na paz dos que partem deixando saudade, João Chaves cantou, pela primeira vez, a modinha “O bardo”, de sua autoria, em homenagem ao amigo.
Anos depois, houve a segunda serenata no cemitério. Sob a regência de Hermes de Paulo, cantou-se por João Chaves, junto ao seu túmulo e no sétimo dia de seu passamento. Nascia outra tradição.
Em todas as apresentações do “Madrigal Renascentista”, cujos cinqüenta anos se comemora, se estou presente, o maestro Marco Antônio Drumond presta-me uma homenagem, com seu coral interpretando o “Amo-te muito”, de João Chaves. Ele, companheiro de Maria de Lourdes Pimenta, minha prima, em escritório de advocacia.
Aconteceu assim, em minha posse na Academia Mineira de Letras, fazendo o coração voltar à terra em que nasci, cidade agora sesquicentenária. Quando se ouve esta música, há um silêncio religioso.
Pois agora, como informa Paulo Narciso, um símbolo e uma glória de Montes Claros viajarão pelo Brasil, pelo mundo, em companhia dos que apreciam a serenata. É que as empresas que fornecem toques musicais para celulares acataram pedido para disponibilizar a modinha “Amo-te muito”.
As pessoas serão despertadas ou alertadas com o toque de “Amo-te muito, como as flores amam, o frio orvalho que o infinito chora...!”
A letra é bela e simples, como a gente de lugar distante. Assim surge, mais uma vez, na recente gravação que Lola fez das músicas de seu saudoso genitor: “Amo-te muito, como as flores amam/ O frio orvalho que o infinito chora./ Amo-te, amo-te como o sabiá da praia/ Ama a sangüínea e deslumbrante aurora./ - Oh! Não te esqueças que te amo assim./ Oh! Não te esqueças nunca mais de mim.”
E as duas estrofes finais: “Amo-te muito como a onda à praia e a praia à onda, que a vem beijar.../ Amo-te tanto como a branca pérola/ Ama as entranhas do infinito mar.
Amo-te muito, como a brisa aos campos/ e o bardo à lua derramando luz. / Amo-te tanto quanto amo o gozo/ E Cristo amou ardentemente a cruz”.
É o hino de modinha nacional.


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Por Web Outros - 11/7/2007 09:17:23
O nome de Darcy

Manoel Hygino dos Santos

Não são segredos, mas fatos pouco conhecidos. A história está cheia deles. Permanentemente se encontram revelações maiores ou menores sobre lugares e pessoas. O grande fascínio do pesquisador reside precisamente em encontrar um desses magníficos veios ou a revelação do desconhecido, por múltiplas razões.
Aconteceu, por exemplo, com Darcy Ribeiro, grande personalidade deste Brasil e das Américas, com idéias claras, corajosas, que manifestou pessoalmente, pelos meios de comunicação, em todas as formas, sobretudo em livros de superior conteúdo.
Sobre ele, publiquei um pequeno livro, ‘Darcy, o ateu‘; Amelina Chaves aqui semelhantemente, e muito ainda se falará e se contará a respeito do desabusado - ou abusado? - filho do casal Reginaldo Ribeiro e Fininha Ribeiro, professora, esta nome de importante via pública, na cidade do mortal escritor e etnólogo.
Recentemente, Haroldo Lívio desvendou o que poucos possivelmente sabiam: o verdadeiro e completo nome do ex-chefe da Casa Civil de Jango. Haroldo, advogado, escritor, autor de ‘Nelson Viana, o personagem‘, tem verve e pesquisa, conscientemente tudo que existiu e existe no norte de Minas.
Ao ensejo do sesquicentenário de Moc, do ser perguntado, Haroldo Lívio respondeu, tranqüila e imediatamente: o nome completo e verdadeiro era: ‘Marcos Darcy da Silveira Ribeiro‘, o que causou surpresa, quando não estranheza.
A dúvida foi levada ao secretário de Cultura, que tampouco ouvira a respeito e considerou a informação equivocada. Ligou-se, para esclarecer, para Paulo Ribeiro, autoridade no município, sobrinho do autor de ‘Maira‘, com o qual convivera muitos anos. Paulinho igualmente negou a versão de Haroldo Lívio, com base ao que sabia. Darcy sempre fora Darcy e jamais receberá outro prenome.
Ocorreu o seguinte, segundo Haroldo Lívio, fundamentado no esclarecimento de Hélio de Morais, cidadão do mais alto conceito e ligado à própria família Ribeiro, por casamento: os pais levaram a criança à pia batismal na igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José, para receber o nome e Darcy.
Acontece que o sacerdote, celebrante do ato, cônego Marcos Van In não aceitou o nome escolhido pelos pais, sob a alegração de que não era de santo. Diante do problema, apelou-se para o ‘jeitinho‘. Foi batizado como Marcos Darcy, com o que se seguia o costume, homenageava o cura e se agradava aos genitores. É o que deve constar do batistério, embora do registro civil possivelmente ser apenas Darcy.
A versão agora tornada pública foi confirmada por Roberto Plínio Ribeiro, primo em primeiro grau (carnal se diz lá, no norte de Minas) de Darcy. E não há nisso novidade maior. O próprio autor do relato (esclarecedor ou suscitador da dúvida), lembra que fato semelhante acontecera consigo mesmo.
Quando levado à matriz de Contendas, o padre Manuel Callado não silenciou. Exigiu outro nome para o batismo, sob argumento de desconhecer algum santo chamado Haroldo. Por outro lado, porém, o registro civil assim já fora feito pelo escrivão Chico Pinto.
O pai não se conteve: ‘Sou eu que escolho o nome de meus filhos e não vejo autoridade com poderes para impor outro nome. Se a criança não pode ser batizada com o nome que lhe dei, eu a levo de volta para casa. E não se fala mais nisso!
Diante de uma conversa ao pé do ouvido, entre os padrinhos e o sacerdote, resolveu-se: o menino saiu com o nome que hoje tem.


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Por Web Outros - 01/07/2007
Retrato de Melo Viana

Manoel Hygino (Jornal Hoje em Dia, 01 de julho de 2007)

Anuncio o lançamento de “Jornal Amoroso”, edição vespertina, de Pedro Rogério Moreira, pela Thesaurus, de Brasília. O autor é um dos escritores da conceituada grei mineira, que tão bons frutos ofereceu a Minas e ao Brasil.
Houve tempo, e o próprio Pedro Rogério comenta, que tantos eram os parentes na Academia Mineira de Letras, que os maliciosos diziam que, com mais “propriedade”, deveria o sodalício chamar-se Academia Moreira de Letras.
Foi graças a um Moreira, o Vivaldi, que a entidade conquistou expressão maior, em termos de independência, inclusive com relação à sede, reivindicação de todos os intelectuais do Estado. Fazia gosto e merecia solidariedade o seu esforço peregrino para conseguir realizar o projeto pelo qual tanto se esforçaram seus antecessores na presidência, sem lograrem o bom sucesso.
Vivaldi foi pertinaz na luta por seus desígnios. Refiro-me à Academia e, também, à sede do Tribunal de Contas do Estado. Que, se é hoje o que é, e está onde está, muito deve a seu denodo. Sou testemunha pessoal.
O livro de Pedro Rogério, outro Moreira na Academia, deve ser lido, com o mesmo interesse com que o foi o “Jornal Amoroso”, o anterior, a que recorro para consulta. Porque o bom livro não é para se ler às pressas e ser empoleirado na estante da biblioteca.
Livro, como ensinou Eduardo Frieiro, com sapiência, é o nosso amigo, a que se deve buscar nas horas incertas, como ensina a máxima latina. Assim, tenho quase todas as obras de Vivaldi comigo e, já agora, também, os de Pedro Rogério e do irmão, José Maria, autor de útil trabalho sobre Roma, um guia inteligente, seguro e bem elaborado à disposição de quem deseja conhecer efetivamente a capital dos romanos.
Pois Pedro Rogério dedica um dos capítulos de seu livro a um personagem muito mineiro e cuja vida está ali bem exposta, para conhecimento dos brasileiros, tão pouco familiarizados com a história de Minas e de seus grandes homens. Falo de Melo Viana, nascido em Sabará e que alçou importantes cargos na vida política e administrativa brasileira.
Os montes-clarenses temos especial e natural interesse sobre Melo Viana, protagonista de um dos episódios mais marcantes na campanha política de 1930. Foi quando Washington Luís quis eleger seu sucessor, Júlio Prestes, pela Concentração Conservadora, enquanto as oposições se batiam por Getúlio Vargas.
Em 6 de fevereiro de 1930, quando a noite descia sobre a princesa do sertão mineiro, houve uma escaramuça entre partidários dos dois grupos, resultando em muitos mortos e feridos. Tornou-se acontecimento de repercussão nacional, porque os ânimos se acirraram em face do pleito que se aproximava.
No tiroteio na Praça João Alves, este uma das mais fortes lideranças da Aliança Liberal, Melo Viana recebeu um tiro, que até hoje merece dúvidas e reparos dos que descreveram o episódio.
A verdade é que a passagem de Melo Viana por Montes Claros se inseriu definitivamente na sucessão. Assis Chateaubriand, líder dos Associados, em artigo duro, classificou o tiroteio como uma “Emboscada de Bugres”.
Era, então, Melo Viana vice-presidente da República, e já ex-presidente de Minas. Restou na lembrança dos aliancistas uma imagem quase negativa, embora Melo Viana não tivesse responsabilidade nos trágicos acontecimentos.
Pois em seu livro, no capítulo em causa, Pedro Rogério transcreve um conceito do ex-presidente estadual, que ajuda a compreender sua posição sobre fatos de seu tempo e sua posição na vida pública:
“A autoridade não deve ser a tirania. A autoridade é um mecanismo dinâmico que, nas democracias, não pode dispensar o contrapeso da soberania da Nação, exercida por meio de leis, para moderar-lhe o impulso dominante, que é, fatalmente, arbitrário”.


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Por Web Outros - 26/6/2007 08:56:19
Manoel Hygino
Uma dívida não quitada

O descaso dos governos pelo Norte de Minas vem de longe, sendo uma tônica de sucessivas administrações. De década em década, surge uma iniciativa louvável, como se ela resgatasse a imensa dívida, econômica e social, que o Estado, como instituição, deve à região.
Aconteceu com a Sudene. A força revitalizadora, tornando Montes Claros, Pirapora e Várzea da Palma pólos de trabalho e centros aglutinadores da economia, foi uma dessas iniciativas fecundas. Mas o organismo foi perdendo vigor, diminuindo e poder multiplicador, até que se defez, embora legando resultados que o povo seguiu impulsionando com denodo nesses núcleos geradores de riquezas.
O projeto Jaíba, que representou tantas esperanças para a região, não deslanchou convenientemente. No campo rodoviário, Andreaza ligou Montes Claros a Salinas, Francelino ligou Montes Claros à Jaíba, Hélio Garcia e Eduardo Azeredo construíram a tão sonhada ponte sobre o Rio São Francisco, entre Maria da Cruz e Januária.
Mas o grande liame entre regiões privilegiadas não se consumou ainda. Impõe-se a continuação do projeto, mediante a ligação da ponte entre o São Francisco e a rodovia asfaltada para Montes Claros-Januária-Brasília. É a chamada Estrada do Gás, porque ali a Petrobras tem detectado fortíssimas emanações do gás, que irá transformar a economia regional, retirando-a do estado de pobreza atual e direcionando-a para um futuro venturoso, que pode não estar distante.
Tudo dependerá do poder público, do Governo, do efetivo interesse em encerrar a longa espera. Populações inteiras aguardam a agilização do processo, para que saíam da penúria. E que, também, diminuirá ou, quem sabe, livrará a nação da dependência na importação de produto essencial ao desenvolvimento nacional e ao consumo doméstico.
Esperar até quando?
Voltando ao plano rodoviário, há de se raciocinar que o trecho de estrada que falta concluir, entre Januária e Arinos, é de 180 quilômetros. É de fácil construção, dividida nos subtrechos Januária-Pandeiros, com 60 quilômetros; Pandeiros-Serra das Araras, com 40 quilômetros; e o subtrecho também de 80 quilômetros de Serra das Araras a Arinos, esta já ligada por aslfato a Brasília.
Bom enfatizar que, de Serra das Araras, chega-se com facilidade à Chapada dos Gaúchos, área agrícola excelente, que poderia expandir-se, mediante o escoamento da produção por uma estrada asfaltada, plana, de fácil utilização. Seria importante elo econômico e social, um liame sob todos os títulos valioso para regiões unidas sentimental e historicamente.
São espaços de notáveis potencialidades, ainda estacionados em progresso, como parados no tempo. Daí, a desesperança que habita os corações de sua população, renovadamente atraída à tentativa de melhor sorte nos grandes centros urbanos.
Cícero diria: até quando abusarás de nossa paciência?
Quanto ao turismo, dispensaria comentários. Poderia ser incrementado em Januária, nas lindas praias do São Francisco, na construção de hotéis que atendam à demanda atual dos visitantes, sempre mais exigentes. Não faltam atrações em toda a margem do rio da unidade nacional, que mais poderá sê-lo, se convenientemente explorado. Para isso, imprescindíveis investimentos do poder público e do empresariado.
No caso específico de Januária, importante pólo econômico e produtor no passado, dir-se-á que lá estão as atrações de Brejo do Amparo e da primeira igreja construída em Minas e no Vale do Peruaçu.
A grande obra espera ansiosamente o Governo.


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Por Web Outros - 18/6/2007 21:21:48
Tião Martins
smartins61@hotmail.com


Lílian sem Calcinha (outra vez?)


Nossa correspondente exclusiva em Buritizeiro e Pirapora, Valéria M., que escreve como quem respira, ou seja, do jeito mais espontâneo e livre que se possa imaginar, pela primeira vez está ligeiramente incomodada.
E seu incômodo tem tudo a ver com a reação de um político à história (fictícia, notem bem) de que vereadores de Montes Claros teriam discutido acirradamente o caso “Lílian Ramos sem calcinha”.
Por conhecer Montes Claros e gostar da cidade (mas não de certos homens que, segundo ela, têm o péssimo costume de se juntar em um café de esquina para falar mal da vida alheia e, principalmente, jogar lama em mulheres), ficou ainda mais aborrecida:
- Não entendi como é que criar personagens e histórias de determinada cidade pode desmerecê-la. Para mim, o que desmerece o legítimo representante de um município não são as fantasias do ser criativo, mas a forma como o político se apresenta ao seu eleitorado. O papel de um vereador é ter pressa, sim, mas para sacar a pena e o papel e se compadecer dos seus semelhantes.
Valéria M. parece ser pessoa gentil, de bom coração, mas algo na manifestação do vereador doeu nela mais que mordida de cão bravo. Tanto que tem um conselho cruel para oferecer aos políticos em geral:
- Ao falar em brio, deviam corar de vergonha e se sentir feridos, quando a cidade é levada às telas e às manchetes e representada por vereadores algemados e levados a prestar depoimento na Polícia Federal, sob a acusação de saírem dos trilhos. E também não entendi o que a formação universitária dos vereadores tem a ver com delicadeza, interpretação de textos, racionalidade e sensatez.
Nossa correspondente nas barrancas do São Francisco lembra ainda que houve reações mornas, quando a novela “Cobras e Lagartos”, da Rede Globo, associou o nome da cidade à idéia de um fim de mundo qualquer, classificação mais do que injusta para uma terra de pessoas educadas, gentis, inteligentes e cheias de brio.
- Falta-me imaginação diz Valéria para conceber o que seria de Jorge Amado, Ariano Suassuna, Clarice Lispector, Mário de Andrade, Bernardo Guimarães, Fernando Sabino e tantos outros escritores brasileiros, sem os seus personagens, criados a partir de tipos brasileiros. Onde descansaríamos nossas mentes? O que seria de nós?
Na opinião dela, os brasileiros de verdade, seja de Montes Claros, Buritizeiro ou Belo Horizonte, são aqueles que riem da própria desventura de morar em país tão cheio de corrupção e de impostos. “Gente obrigada a se esconder em casa e ver a cidade assolada pela violência da fome, da agressividade e da falta de dinheiro”.
Para concluir, Valéria M. deixa sua opinião de mulher adulta, livre de preconceitos e cheia de idéias:
- Como viajante desta nau, gostaria de lembrar aos que não entendem de literatura que a fonte da informação conhecida como crônica é a imaginação, descompromissada com regras, livre de censura e capaz de brotar em qualquer cabeça que saiba ver o mundo sob a ótica da criatividade. Para os cultos, a crônica é conhecida como arte.
Mas antes do ponto, que fecha as cortinas, ela deixa a vocês um sorriso:
- Enquanto aqui falta tanta coisa, a própria Lílian Ramos, dona da “calcinha ausente”, pode se esbaldar na fartura dos braços de um amor, lá na Europa.
The End.


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Por Web Outros - 6/6/2007
Lílian sem Calcinha (outra vez)

Tião Martins (Jornal Hoje em Dia, 06 de junho de 2007)

Os velhos mestres ensinavam que ler é o caminho mais curto para aprender a escrever.
E se as pessoas aprenderam o nome das letras e sabem decifrar o significado de algumas palavras, mas na verdade não sabem ler? Aí, diria você, é um caso perdido. Talvez seja, talvez não. Afinal, tudo neste mundo se ajeita.
Tais considerações inaugurais vêm à propósito de missiva eletrônica enviada por um cidadão chamado Ildeu Maia, que se apresenta ao distinto público como vereador à Câmara Municipal de Montes Claros. O insigne edil, que não se distingue pelo senso de humor, leu neste espaço um texto sobre a calcinha de Lílian Ramos (ou a falta dela).
Leu, mas não leu. Se lesse de verdade, perceberia claramente que era tudo uma brincadeira explícita e quase infantil, feita para divertir outros leitores. Não tendo lido, o homem assumiu como verdade aquilo que era deslavada ficção. E, apressado, como costumam ser os representantes do povo, sacou pena e papel e fez candente defesa do Poder Legislativo em Montes Claros.
Segue o texto do excelentíssimo senhor vereador, com todos os acentos, pontos e vírgulas no lugar em que os colocou. A concordância ou discordância também é dele. Se algum cultor da língua pátria discordar, que se queixe ao bispo. Ou ao presidente da Câmara.
O nosso Professor Helinho, que nos dá lições semanais de respeito às regras da gramática, fica dispensado de ler o que se segue.
“Senhor Jornalista. Com referência a notícia veiculada na edição de quarta-feira, dia 23 de maio corrente, no Jornal Hoje em Dia, em que V. Sª faz alusão a acontecimento no plenário desta Casa, citando fato com o ex-Presidente Itamar Franco e a modelo Lílian, no Sambódromo do Rio de Janeiro, em que a modelo se encontrava, na oportunidade, sem calcinha e que Vereadores da Câmara Municipal de Montes Claros, em plenário, tomaram a defesa do então Presidente, quero refutar o seguinte:
1º - Tal fato nunca aconteceu no Legislativo de Montes Claros e não faz parte dos anais de nossa história, já que consultando as atas anteriores, nada encontramos nesse sentido;
2º - Montes Claros tem um Legislativo composto por legisladores capazes e que grande maioria deles tem formação universitária;
3º - Montes Claros é uma cidade pólo, com mais de 350 mil habitantes, com várias universidades e com um legislativo composto por Vereadores capazes e conscientes de seus deveres, e que não cometeriam tal fato pitoresco, conforme faz alusão o noticiário desse jornal.
4º - Tal notícia desmerece a capacidade deste Legislativo e compromete a dignidade dos membros desta Casa;
5º - A fonte que forneceu tal informação, não é fidedigna e procurou desmerecer o legítimo representante desse município, que é o nosso Legislativo, composto por pessoas sérias e comprometidas com os interesses de nossos munícipes.
Nestes termos e ciente de que V. Sª foi infeliz nas colocações expostas na coluna desse importante veículo da imprensa mineira, espero ter esclarecido a verdade dos fatos e ter retratada a realidade. ILDEU MAIA Vereador”.
Satisfeito, Senhor Vereador?


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Por Web Outros - 17/5/2007 10:06:22
Encanto de maio

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 17-05-07)

Agora já é maio, belo mês do ano, que talvez já o tenha sido mais, em tempos idos e vividos, mês de Maria, das coroações nas igrejas do interior e mesmo nas capitais, mês das Mães. São inspirações muito adequadas a este período de evocações. Todos têm o seu maio, no calendário do coração, ainda que muitos prefiram guardá-lo no mais recôndito silêncio.
Nas pequenas cidades de nosso antanho, cultivava-se o mais puro amor sob todas as representações. Mas mesmo quem na capital vive, nesta que é de Minas Gerais, se olhou o céu por acaso no princípio de maio viu uma das mais lindas luas cheias da vida.
Em site de suas emissoras, Paulo Narciso, premiado nas lidas e lides de imprensa, mas poeta no fundo, lembrou, antes de mim - que pena! - os versos de Augusto de Lima, que é nome de praças e ruas e cidades e avenidas neste pedaço de território maior que a França.
Eis que, passando-me para trás, o aluno de D. Yvonne Silveira pôs no vídeo os versos do augusto Augusto, nascido em Vila Nova de Lima, ex-Congonhas do Sabará, dez anos antes de Artur Lobo, o vate de Coração de Jesus de Montes Claros.
Em 1892, Augusto de Lima publicou “Símbolos”, em que fulge o poema - “Serenata”, “no qual temos a paisagem brasileira, dentro de um descritivismo que é parnasiano, mas da vertente nacional do movimento”, na opinião de Sânzio de Azevedo.
O próprio Sânzio comenta: “Ressalte-se, nesse luar que se perfuma e nesse aroma que se sutiliza em languidez sonora, a introdução da sinestesia, que vai conferir tons de subjetivismo ao soneto, e dar razão aos que quiserem ver traços simbolistas no poeta:
Filigranas à parte, extasiamo-nos: “Plenilúnio de Maio em montanhas de Minas! /Canta, ao longe, uma flauta e um violoncelo chora./Perfuma-se o luar nas campinas,/sutiliza-se o aroma em languidez sonora.
Ao doce encantamento azul das cavatinas,/nessas noites de luz mais belas do que a aurora,/as errantes visões das almas peregrinas/vão voando a chegar pela amplidão afora...
E chora o violoncelo e a flauta, ao longe, canta/Das montanhas, cantando, a névoa se levanta,/banhada de luar, de sonhos, de harmonia.
Com profano rumor, porém, desponta o dia/e na última porção da névoa transparente/a flauta e o violoncelo expiram lentamente.”
Não é mais linguagem do século XXI, do terceiro milênio. Outras motivações impelem os jovens, enquanto os entrados em idade respiram recordações de tempos defuntos. Mas a lua é a mesma, e o amor permanece vívido, embora fustigado pelo furacão de sentimentos dispersos ou malsãos, que invadem a alma jovem, que supõe conhecer o bem e o mal, distinguir o belo do feio.
Mas todos descem em ímpeto fremente, porque descer é sempre a sorte da corrente, meditaria Augusto de Lima em outro poema. Nascido na montanha, lá viu cedo a beleza da lua cheia, como se viu no princípio de maio de 2007.
Se todos mais contemplassem a lua, menos violência, acredito, existiria entre os homens, ignorantes do que a natureza - ou Deus - lhes doou. As coroações, que eram o adorno musical das festas desta época, nas pequenas igrejas interioranas, parecem condenadas ao silêncio e à recordação dos que ainda recordam.
Maio é poesia. Na retina dos olhos que não mais vêem, desfilam imagens que ficaram no passado. A lua cheia esteve aqui, voltará algum dia, se os homens não decidirem sua extinção.
No mais, é repetir com Mello Cançado, mestre no Direito Romano, e defensor de todos direitos. “A vida é fideicomisso./Obrigado por tudo isso.”


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Por Web Outros - 23/4/2007 09:38:32
Fazendo história

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 23/04/2007)

A modéstia, uma das marcas impressivas da gente destas bandas do Brasil, fez com que Carlos Lindenberg intitulasse seu livro de “Quase História”. Sem bajulação, a que nem ele nem eu nos afeiçoamos, antes a condenamos, dir-se-ia que se trata de “verdadeira história”.
Porque a crônica de um povo, de uma região, não nasce inteira e inteiriça, numa síntese única a ser lida pelos interessados e estudiosos. A história se constrói como um edifício, demandando tempo e materiais diversos e apropriados: pedra, tijolos, cimento, madeira, ferro, uma pá de cal, e água que está em toda a composição.
Recordo a “Gesta Danorum”, os “Feitos dos Dinamarqueses”, a portentosa obra com que o sábio frade presenteou a Europa, no Século XII. Pretendia perenizar as façanhas e ações de um povo com singular destinação.
Na Idade Média, chamavam-se “canções de festa” - do latim gesta, tomado em sentido de relato histórico. Na França, apareceram, à época de Carlos Magno ou de seu filho Luís, como assunto da época, os feitos heróicos. Inicialmente em versos, as composições passaram à prosa. Seus resíduos foram preservados em abadias e mosteiros, em louvor e honra de seus fundadores e protetores.
As gestas integram a história, relatando nomes e fatos que interessaram a uma região e a um povo. Lindenberg, assim, ingressou num terreno da mais elevada importância, para expor não aquilo que oralmente se aprende ou é incluído nos compêndios escolares. Ele descreve episódios que permanecem velados nos escaninhos da política ou aparentemente se resguardavam de público conhecimento.
São, contudo (e o leitor terá ensejo de constatar), documentos e informações preciosas que ajudam a compreender os homens que praticaram a política brasileira em determinado período e contribuíram, de algum modo, para que sejamos o que hoje somos.
Teve o autor a iniciativa de buscar, em anos de produção jornalística, o que achou mais indicado para a formação desse acervo de centenas de páginas. Narram episódios que, em seu tempo, tiveram ampla divulgação ou praticamente nenhuma, mas de singular significação.
Não se esquecerá que a própria história é a descrição, mais ou menos sistemática ou pormenorizada de um caso, de um fato, de um ato, de um sucesso de interesse geral ou particular. Muitos deles se conservaram na poderosa memória popular, outros se guardaram nos templos, como algo merecedor de proteção e respeito.
Em Roma, os pontífices mantinham um registro, não só de acontecimentos religiosos, mas também de fatos políticos que lhes pareciam importantes. Ora, a forma mais comum da historiografia medieval foi a crônica. E foi com base na sua produção diária, nelas se buscando o que de maior realce tinham e têm, transcorridos anos, que Lindenberg extraiu o material de seu livro.
Pela sua sensibilidade aos problemas políticos, pelo discernimento que adquiriu em torno do jogo, às vezes pesado, dos gabinetes e da tribuna, soube discernir o que de mais valioso é para a história.
Minas Gerais constitui um manancial fantástico na crônica política brasileira. Não sem razão, tem participação de alta significação no Brasil, aqui se registrando acontecimentos que geraram repercussão nacional, desde a colônia. Fugindo à concepção formal de história, como se aprende nos bancos escolares, o arguto jornalista selecionou o material que mais intimamente poderia interessar ao brasileiro, para que não se ratifique a idéia de tratar-se de um povo que não tem memória.
Tem, e muita. As revelações de Lindenberg contribuem eficazmente para medir a relevância de determinados momentos, episódios e personagens. Este “Quase História” ajuda a entender nosso tempo e nossos costumes e atitudes políticas.


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Por Web Outros - 8/4/2007 19:26:43
Serenata, a alma sonora de Montes Claros

Roberto Elísio*

Na quinta-feira da semana passada, noite da posse de Manoel Hygino dos Santos como o mais novo integrante da Academia Mineira de Letras - justa distinção a uma vida dedicada ao jornalismo e à literatura - reencontro o velho e querido amigo Paulo Narciso, também jornalista e também literato. Ele acabava de chegar de Montes Claros para abraçar o conterrâneo, depois de realizar a façanha que representa hoje percorrer a abandonada rodovia que liga aquela cidade norte-mineira à capital do Estado. Estende-me a mão, na qual carregava com o maior cuidado um CD: “A Lola recomendou-me que entregasse pessoalmente a você, seresteiro de Santa Luzia, amigo de Montes Claros”.
Maria de Lourdes Chaves - a Lola - é filha do grande compositor João Chaves e sobrinha de meu saudoso companheiro de imprensa Hermenegildo Chaves - o inesquecível Monzeca. Formou, em seqüência a uma tradição local, um conjunto de serestas que é o retrato vivo da alma sonora da Montes Claros eternamente boêmia e romântica, apesar de toda a evolução do tempo, como nas palavras de abertura do CD ressalta Luiz de Paula Ferreira, outro admirável cultor das mais puras manifestações do espírito.
O pequeno disco viaja ao passado com o que há de mais belo no cancioneiro lírico brasileiro, a começar do consagrado “Amo-te muito”, carro-chefe das composições de João Chaves. Seguem-se, do mesmo autor, “Volta”, “Bardo”, “Segredo”, “Perdão”, “Eterna Lembrança”, “Palmeira Antiga”, além de várias outras canções como “Sertão” e “Ter Mãe”, de Dulce Sarmento, “Montes Claros Centenária”, do já citado Luiz de Paula, “Gondoleiro do Amor”, de Castro Alves, “Meus Tempos de Criança”, de Ataulfo Alves, e “Saudades”, de Cassimiro de Abreu, entre outras pérolas musicais produzidas em tempos passados, mais remotos ou menos remotos, porém sempre presentes nas formas discretamente singelas do sentimento humano.
Pérolas de Saudades foi o título escolhido para o CD do Grupo de Serestas “Lola Chaves”. Percorre as marcas da sensibilidade anteriormente fixadas pelo Grupo de Serestas “João Chaves” e pelo Grupo de Serestas “João Vale Maurício”, que sempre insistiram em não deixar morrer um tempo em que era mais simples o ato de ser feliz.
Em meio às celebrações da Semana Santa, em convite permanente às reflexões, sobretudo acompanhando procissões pelas ruas serenas da minha velha e também seresteira Santa Luzia, ouvir a seleção enviada por Lola pelas mãos de Paulinho Narciso é quase escutar a música infinita do silêncio, como dizia o poeta luziense René Guimarães. É realimentar a saudade, esse “doce mal que se bendiz, que fere mas não deixa cicatriz”. Se possível, sem chorar. O que é difícil.


(* Jornalista e escritor, aos domingos escreve no Hoje em Dia, BH)


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Por Web Outros - 31/3/2007
Um Discreto Passageiro

Tião Martins(*)

Bons políticos mineiros aprendem desde o primeiro dia (ou até antes) que não devem bater à porta de ninguém sem antes indagar se serão bem recebidos. E essa indagação nunca é direta. Solicita-se ajuda a amigos competentes e de confiança. E estes, quando se aproximam do alvo, falam de mil assuntos diferentes, antes de chegar ao que interessa.
Esse jeito de agir causa estranheza em paulistas, gaúchos ou baianos, que têm o costume de ir direto ao ponto e criam o maior tumulto, como ocorreu na recente eleição para a presidência da Câmara. O estilo mineiro é lento, mas evita desgastes, não queima pontes e abre caminhos, pois as partes não se zangam e nem ficam ressabiadas.
Políticos paulistas, gaúchos, baianos ou alagoanos teriam muito a aprender, se passassem um tempo aqui, mas eles já sabem tudo. Por isso, nem vale a pena lhes apresentar o ex-deputado e ex-prefeito Antônio Dias, agora meio afastado da política, mas grande mestre na arte sutil de conquistar amigos, aproximar pessoas e produzir consensos, em lugar de divergências.
Não confundam o passageiro de hoje com outros Antônios Dias que entraram na História do Brasil. Um deles foi mestre das emboscadas contra holandeses, no século XVII, e é patrono das Forças Especiais do Exército. O segundo, no mesmo século, veio de São Paulo para o Vale do Tripuí e viu nascer a primeira Vila Rica. E o terceiro, natural da Paraíba, é dos artistas plásticos mais importantes no cenário brasileiro e mundial.
O nosso Antônio Dias, que foi duas vezes prefeito de Brejo das Almas (é assim que até hoje prefere chamar o município de Francisco Sá, por respeito ao passado e a Carlos Drummond de Andrade), não é homem de emboscadas, jamais se deixou seduzir pelo ouro dos tolos e nem ousaria competir, nas artes plásticas, com a Conceição Melo, que sabe tudo de cores, formas e pincéis.
Boas e más línguas asseguram que Dias cultiva diariamente sua arte de cavalheiro à moda antiga, elegante e de respeito, como já não se vê nas safras recentes da política nacional. E há quem diga que, para não ser deselegante, às vezes é escorregadio. Significa que herdou a habilidade de José Maria Alkmin, guru dos bons políticos mineiros. Aliás, um dia desses o Eustáquio D. - passageiro eventual - sugeriu uma campanha em prol da gentileza, por entender que é das melhores qualidades de um ser humano. Se insistir na idéia, ele pode convocar o Dias, a gentileza encarnada.
Não esperem que Antonio Dias enfrente boi bravo em trilha estreita, mas também não se surpreendam caso o encontrem, minutos depois, sentado à beira do caminho e dando bons conselhos à alma bovina, que ouvirá quieta e mansa. Bem mais difícil é usar a voz da razão e da sabedoria para convencer os humanos, e Dias já provou que faz esse milagre.
Por admirar esse cavalheiro discreto, de fala mansa e bom trato, conhecedor de coisas belas, amante da língua francesa e capaz de fazer cara de ingênuo para ocultar sua perspicácia (nos melhores momentos, chega a fingir de matuto), as meninas de Montes Claros amam o Antônio e colaram nele o apelido de Gatão. E uma delas apresentou petição reivindicando para Dias um lugar ao sol e à lua, neste barco. Reivindicação desnecessária, mas aprovada, pois ele teria lugar reservado até numa simples canoa. De preferência, arrastando com ele o amigo e conselheiro Paulo Narciso, bom piloto e ótimo companheiro de viagem. Sejam bem-vindos, os dois.

(*)Colunista do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte


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Por Web Outros - 23/3/2007 08:50:58
Difícil enquete

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 23/03/2007)

Postos em fuga, expulsos pelas polícias das capitais, os bandidos invadiram o interior brasileiro, e mineiro, especialmente. Aqui se está perto de fontes supridoras de tudo o que precisam e dos centros consumidores de drogas. Aqui se situa a maior malha rodoviária do Brasil e, geograficamente, se está próximo às duas megalópoles.
A série de reportagens publicadas sobre o crime disseminado pelo interior do Estado teve sua síntese dramática inserida na edição de 11 de março. Carlos Calaes, Jacqueline Lopes, Margarida Hallacoc e Ana Lúcia Gonçalves relataram pormenores dessa indesejada invasão e das imensas dificuldades para se opor aos bandidos bem informados, bem armados e com quantitativos de ação superiores aos da polícia.
No Norte de Minas, a situação é de extrema inquietação. Viu-se o caso dos criminosos que assaltaram bancos na região de Bonfinópolis e que exigiram 400 agentes da polícia, viaturas e helicópteros, sem o resultado esperado. O crime foi modernizado e se sofisticou, não sendo mais o mesmo dos personagens de Rosa, Petrônio Braz e outros historiadores ou ficcionistas.
O jornalista Waldyr Senna Batista, comentando o alarmante crescimento da criminalidade em Montes Claros, a atribui ao tráfico de drogas. A cidade, por sua localização geográfica, foi incluída na rota do narcotráfico, atraindo bandidos que obedecem a ordens dos presídios nos grandes centros.
Roubos, furtos, arrombamentos, desmanche de veículos, assaltos a mão armada, delinqüência de menores, homicídios, execuções sumárias decorrem da ação desses perigosos marginais na maior cidade da região. O fim da industrialização, trazida pela Sudene, deixou milhares de pessoas sem qualificação profissional, e é outro fator considerável. A soma dessas causas levou à intranqüilidade, quando não ao desespero e medo da população.
Os números ajudam a esclarecer. Com a 13ª execução do ano ali, o índice de criminalidade alcançou a média de 1,45 homicídio por semana. No mais recente, um cidadão foi abatido a tiros na presença da esposa. Embora o esforço das autoridades, viver se tornou tão perigoso, ou mais, no interior, quanto nas grandes cidades.
Para o antropólogo e cientista político José Eduardo Soares, “temos um sistema de segurança que não atende à sociedade com respeito à legalidade dos direitos humanos e com eficiência”. Em entrevista, declarou que “o avanço institucional, representado pela abertura política no país, não chegou à segurança pública”.
Ex-secretário Nacional de Segurança Pública no princípio do atual governo da República, observa que o setor funcionava bem no regime autoritário militar, sob o arbítrio e voltada para a segurança do Estado, mas não do cidadão. Hoje, vive-se uma situação “catastrófica”. E se tem agravado.
Para ele, “as esquerdas progressistas estavam à frente do processo de democratização, mas lavaram as mãos, porque consideravam polícia coisa feia, tema da direita. Não estava na agenda da esquerda. As esquerdas consideravam essas instituições desprezíveis, porque as verdadeiras instituições seriam aquelas que lidavam com as grandes causas”.
A situação, inquietante, não oferece soluções, sequer propostas de solução a curto prazo. O povo, o cidadão tem medo. Teme até recorrer à autoridade e sofrer represálias. Agora, desconhece-se até quem ainda tem as mãos limpas.
A campanha do desarmamento deu em nada e, se deu resultado positivo, foi mínimo. Em minha cidade, o jornal eletrônico montesclaros.com fez uma enquete durante 15 dias, com a seguinte pergunta: “Para conter a violência que explode em todo o Brasil, com repetidos crimes cruéis, qual dessas medidas seria mais eficaz?” A maioria (42,21%) optou pela “pena de morte”; em 2º lugar (18,34%); “eliminação dos benefícios da pena”; a seguir, “penas mais duras”, com 17,45%; e “prisão perpétua” (16,14%). “Deixar como está” foi a última colocada, com 5,86%. Há de se meditar sobre tudo isso e como ajudar em soluções.


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Por Web Outros - 5/3/2007
Seguindo pegadas

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 05/03/2007)

Já comentei que algum organismo overnamental, em nível federal ou estadual, ou entidade cultural importante, deve estar programando o centenário de nascimento de João Guimarães Rosa, no ano que vem. Embora desconheça qualquer iniciativa a respeito, evidente é que não se perderá a oportunidade única de celebrar como merecido uma data de tamanha relevância.
Observo que uma das preocupações ou propósitos de estudiosos é identificar entre personagens reais as que se supunha mera ficção de Rosa. À medida que o tempo passa, verifica-se que não são poucas, entre aquelas que compuseram a dramatis personae de sua portentosa obra, com ênfase “Grande Sertão”: Veredas”, cujos cinqüentenário de lançamento se registrou em 2006.
Na preciosa Revista da Academia Mineira de Letras, número XXXII, Marco Antônio de Sales Coelho publicou texto, de título “As diversas vidas de Rotílio Manduca”, referindo-se a um personagem de Rosa no “Grande Sertão”. No número seguinte, quem discorre sobre o fascinante tema é Levínio Castilho, engenheiro, pesquisador do ficcionista de Cordisburgo.
Pois bem. Já em 1972, Levínio Castilho tinha redigido um valioso ensaio sobre Rotílio Manduca, para identificá-lo com Zé Bebelo, da obra maior de Rosa. Examinar-se a descrição física e a maneira de ser e agir das duas figuras - a da saga e a da realidade, para enfim o ensaísta afirmar peremptoriamente: “Zé Bebelo e Rotílio são duas personagens distintas e uma só erdadeira, que é o Cel. Rotílio Manduca, da Fazenda Baluarte”, citada nominalmente em “Grande Sertão”.
Quando criança, ouvia eu em minha cidade e região falar em Rotílio Manduca, de vida curiosa e cuja nota biográfica, extensa, Milene Antonieta Coutinho Maurício insere em seu “Emboscada de Bugres”, inclusive com foto. Nascido em 3 de maio de 1885, em Remanso, Bahia, por lá fez o primário. Inteligente e viajado depois, diz Milene, escrevia poesia e freqüentava as rodas elegantes das cidades visitadas.
Fez amigos importantes na política e na literatura, no Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Belo Horizonte e Salvador. Era amigo de Lampeão e com ele andou todo o Nordeste. Dele se separando, radicou-se no município de São Francisco, onde se tornou conhecido e temido por seu senso de justiça, como se fazia à época.
Cito o que diz a historiadora, para que o leitor compare com o Zé Bebelo, de Rosa: “Percorreu o Urucuia, o sertão bravo da Serra das Araras, onde imperavam os desmandos, a prepotência e o crime. Ali foi duro, austero, respeitado. Chefiava um pequeno e temido “bando”, fazendo justiça e ameaçava por onde passava.
Aprendera a tática no meio ambiente em que vivia. Adquirira, por força da necessidade, o mimetismo de camaleão, que muda de cor, segundo a conveniência”. Era um verdadeiro artista no disfarce, como estes que se vêem em filmes de cinema. Com notável rapidez, trocava de roupa, alterava as feições, colava um bigode postiço, barbicha e outros sinais de identificação.
Escapou da polícia envergando uma grossa batina preta e, de outra feita, usando uniforme de oficial. Com todo esse cabedal, tornou-se famoso e até lendário. Teve uma vida aventuresca, de que se guardam fragmentos na crônica regional.
Em 1925, foi preso e levado a julgamento em Montes Claros, acusado de mandar matar à traição os irmãos Neco e Cassimiro, de conhecida família. O júri foi presidido pelo dr. José Bessone de Oliveira Andrade, pai do grande advogado e escritor Darcy Bessone e avô do ex-deputado Leopoldo Bessone.
O clima era de guerra, mas, prudentemente, graças ao magistrado e ao acusador, promotor Alfredo Coutinho, evitou-se uma tragédia no julgamento. Os partidos “de Cima” e de “Baixo” estavam ali representados por jagunços armados até os dentes.
Por falta de provas, Rotílio foi libertado. Em 3 de maio de 1930, dia de seu aniversário, foi assassinado com uma facada nas costas, em um vapor no São Francisco.


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Por Web Outros - 27/2/2007 09:38:43
Caçados no sertão

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 27/02/2007)

Os assaltantes que atacaram, na primeira quinzena de fevereiro, a agência do Banco do Brasil em São Romão, tomando rumo de Riachinho, entraram numa área histórica, em que muitos grupos, durante largo tempo, travaram vultosos embates. O esforço, agora, da polícia mineira para prender os novos bandoleiros foi dos mais desafiadores, por ser uma região de difícil acesso e locomoção.
Mais de 400 policiais, civis e militares, numerosos veículos, inclusive dois helicópteros, foram acionados para localizar e prender os bandidos, que chegaram a trocar tiros com agentes da lei. Fizeram reféns e feridos entre batalhões da PM.
Não faltou empenho policial. A região de Riachinho, Bonfinópolis e Santa Fé se tornou área conflagrada. Três carros foram roubados e abandonados em face da pressão policial. Trabalhadores rurais temeram mais que a seca ou as intensas chuvas: a ação da bandidagem, que estende tentáculos até o Noroeste mineiro.
Não houve Carnaval na região. A polícia embrenhou-se na mataria, caçando os criminosos sob pontes e em cavernas. Os mais antigos ouviram falar da passagem por ali dos revoltosos de Prestes e os que os combatiam, homens do Governo ou por ele pagos, mesmo jagunços.
O próprio Prestes contou sobre a façanha na região, quando sua gente passou entre duas colunas inimigas. Uma guarda permaneceu em Riachão dos Machados, recuando posteriormente para proteger a retaguarda da coluna. Um contingente chegou a Rio Pardo. Nas proximidades de São Romão, na beira do São Francisco, houve sangrento confronto entre os legalistas de Bernardes e a tropa de Prestes.
O professor Dario Teixeira Cotrim, conhecedor da região, autor de muitos livros sobre a matéria - terra e homens, descreve os avanços e retrocessos dos seguidores de Prestes, desde que deixaram a Bahia em direção ao Sul. No alto das serras que dividem Minas e o vizinho do Norte, houve o primeiro combate.
Dario cita Domingos Meireles: “A região de Rio Pardo (Montezuma), em Minas Gerais, onde a tropa está acampada, recuperando-se do desgaste sofrido pela campanha do Nordeste, oferece novo alento aos rebeldes. O campo aberto, cheio de pastagens, é inadequado para o tipo de combate preferido pela jagunçada”.
“Todo o percurso da Coluna foi feito pelas colinas, sempre nos topos das serras, para evitar as grandes cheias dos rios, pois o ano de 1926 foi de muita chuva no sertão da Bahia”. Oitenta anos depois, repetia-se o fato.
Então como agora, a aflição da população era idêntica à de outras localidades, e é ainda o professor Dario quem observa: “Até mesmo integrantes do exército revolucionário denunciaram por escritos os abusos - incluindo-se aí estupro de senhoras indefesas (...); em vez de aguardar em festa a Coluna, moradores de vários lugarejos fugiam apavorados com a proximidade das tropas”, como registrou Consuelo Dieguez, à revista Veja, em 9 de junho de 1999.
Os tempos são outros e a autoridade tem hoje instrumentos de ação que, naquela época, não existiam. Apenas a região é a mesma, impondo dificuldades numerosas, e o medo da gente simples do interior.
A diferença de forças é enorme. Agora são centenas contra 7 (supõe-se) criminosos, embora armados convenientemente para assaltos, não para uma guerra que passaram a enfrentar. A Coluna conquistava adeptos ao longo de sua marcha; os bandidos ficaram sós, numa região inóspita e que não conheciam suficientemente.
Os jagunços deste princípio de século estão cercados, encurralados, possivelmente famintos e ameaçando a população para que lhes forneça alimento. As condições são completamente diferentes. Não têm meios para matar uma vaca para tirar a carne para comer. Não podem cavalgar em retirada. Quem se der ao trabalho ou prazer de voltar à leitura de “Grande Sertão: Veredas” encontrará minuciosas descrições de combates naquele pedaço do Brasil.


21422
Por Web Outros - 25/2/2007 15:33:42
Crianças do Brasil

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 25/02/2007)

Tão cedo não se apagará a memória dolorosa da morte de João Hélio, a criança sacrificada nas ruas da Cidade Maravilhosa. O bispo-auxiliar do Rio de Janeiro, Dom Antônio Augusto Dias Duarte, chamou-o “mártir-mirim da vida”. Admitindo que o assassínio poderá transformar-se em “pizza”, com rigorosas comissões de sindicância e inquéritos abertos no país, o prelado ainda espera, contudo, que as crianças sejam respeitadas e consideradas, merecendo amor dos pais e do país.
Num recorte que guardei, sem assinatura, encontro a explicação, dentre tantas: o menino João Hélio Fernandes é a mais recente vítima da falência do sistema, do descalabro moral do Legislativo, da sociedade emparedada nas jaulas gradeadas das casas e apartamentos.
Nélson Lott vê a favela como a nova Califórnia, lugar em que a maioria é de pessoas de fora, acreditando que sua permanência será passageira. Não têm vínculos, não os cria. Pela própria topografia e geografia, com seus becos, vielas e desordem geométrica, a família perde até o contato visual com os seus integrantes.
Paredes de tijolo aparente, esgotos a céu aberto e a cumplicidade geral com os malfeitos. Para os garotos, vale o tênis da grife anunciado na televisão, o celular mais incrementado, a roupa da marca, a terra de Marlboro, a paz das estradas vazias para o carro último modelo, mulheres apaixonadas por cerveja. Bicho solto, no meio das feras soltas.
Um mineiro que foi à Itália, nos dias antecedentes ao Carnaval, enviou de Assis, terra de Francisco Bernadoni, uma comovente mensagem, mais uma confissão. Fê-lo a partir da ermida, em que, em 1208, o pobrezinho de Assis ouviu os Evangelhos e tomou o burel de eremita, quando tinha 20 anos.
O autor dessa mensagem tão especial também tem o nome de Francisco, e fala de Francesco e dos que passaram a acompanhá-lo, pobres voluntariamente, sujos, quase nus. Nasceram para apanhar, jamais bater.
Em Grecio, em 23 de dezembro de 1224, Francesco instalou o seu presépio na pedra, o primeiro do mundo. No Monte Alverne, recebeu os estigmas, que carregou consigo até a morte. Ali pereceu, aos 44 anos. Nu, foi estendido sobre a terra, chamou a irmã morte e cerrou os olhos em 4 de outubro. Há 781 anos.
O Francisco brasileiro, de que só conheço o primeiro nome, não sei quem é, envolve-se no ambiente santo de Assis, da igrejinha de Santa Maria dos Anjos - Santa Maria Angeli. Lembrou palavras de Francesco: “Assis, quantos se salvarão por ti!” Voz clara, cegos os olhos.
O brasileiro se condoeu com o que acontece no Brasil. Soube que um menino de 6 anos foi arrastado pelas ruas de uma das mais belas cidades do mundo. Agora, cruel.
Lembra que já tinham feito semelhante com patriotas das Minas Gerais. Felipe dos Santos, em 1720, arrastado por cavalos nas ruas íngremes de Vila Rica. Mas era um adulto, um homem feito, conhecedor das cousas, das bondades e maldades da vida, com projetos e sentimentos rebeldes. Agora, arrastam um menino de 6 anos, na cidade que serviu de palco ao enforcamento de Joaquim José.
A todos os homens de bem, aos que crêem, esse conterrâneo faz um apelo: “Atendei ao meu pedido. Voltai comigo a esta igrejinha de Santa Maria dos Anjos. O ano é 1208. Faz frio e neva. Procuramos por Francesco Bernadoni. Ele nos curará esta dor, imensa dor”.
Há algum tempo, transcrevi o final de uma bela crônica de Rubem Braga, texto que me parece válido agora: “E protegei sobretudo os meninos pobres dos morros e dos mocambos, os tristes meninos da cidade e os meninos amarelos e barrigudinhos da roça, protegei suas canelinhas finas, suas cabecinhas sujas, seus pés que podem pisar em obra e seus olhos que podem pegar tracoma - afastai de todo o período e de toda maldade os meninos do Brasil, os louros e os escurinhos, todos os milhões de meninos deste grande e pobre e abandonado meninão triste que é o nosso Brasil, ó glorioso São Cosme, glorioso São Damião”.


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Por Web Outros - 21/2/2007 09:32:03
A missão do jornal

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 21/02/2007)

No dia 24 deste mês, a imprensa de Montes Claros comemora 123 anos de existência. É uma data marcante, por vários motivos, a começar porque se trata da maior cidade em vasta região de Minas, importante do ponto de vista social, econômico, político, literário e artístico.
No dia 23, o curso de Jornalismo das Faculdades Unidas do Norte de Minas, Funorte, pretende organizar palestra para focalizar a significação da imprensa local para toda a vasta região. Muitos atos marcarão o acontecimento, com apoio do HOJE EM DIA e a participação direta de Girleno Alencar, da Sucursal Norte.
Dois projetos predominam: o início de campanha para construção da Casa do Jornalista, em área doada pela Prefeitura; segundo, a preservação do acervo da história da imprensa local, mediante digitalização de jornais e revistas, a ser viabilizada, como se espera, pela Unimontes e Fapemig.
Falar no assunto não é bairrismo, embora haja contentamento e orgulho neste escriba. Enfim, lá dei os primeiros passos, datilografando linhas para um dos jornais prestigiosos da época, a Gazeta do Norte, de propriedade e sob direção de Jair de Oliveira, filho do fundador José Tomás.
Onde há imprensa, há liberdade e consciência de deveres a cumprir e direitos a respeitar. Os núcleos urbanos exigem imprensa, e esta há de ser livre, para elogiar ou criticar. O jornal constitui uma atalaia, uma fortaleza das causas da coletividade. Indivíduos “alterius macrescet rebus”. A virtude aterra os perversos e o porta-voz da virtude deve ser a imprensa independente, informativa, corajosa.
O primeiro jornal de Montes Claros foi o “Correio da Noite”, que publicou em 22 de fevereiro de 1884 a folha inaugural. Era um semanário político, literário e noticioso, sob responsabilidade de Antônio dos Anjos e Antônio Augusto Veloso.
Jornal, à época, não era bom investimento. Muitos se abriram e muitos cerraram as porta nestes 123 anos.
Era a voz da cidade, de suas lideranças, do cidadão, a divulgação cultural, social e artística, a produção literária, o instrumento de anseios e causas da população. Tornaram-se, no correr de anos, o berço de jornalistas que se destacaram ou se consagraram em âmbito estadual e nacional.
A maioria teve vida efêmera e não era exceção, num tempo em que a imprensa procurava afirmar-se como instrumento de comunicação e, mais do que isso, de afirmação da cidade, do município, de uma região muito relegada pelos poderes públicos, surdos aos reclamos da sociedade.
A imprensa incomoda. Não poucos jornais no mundo foram empastelados, destruídos seus prelos; a censura quase sempre violenta, amordaçava ou degolava.
No caso da “Gazeta do Norte”, em que vi publicado, orgulhosamente, o meu primeiro escrito, focalizando a morte do Mahatma Gandhi, a grande alma, houve sempre muita expectativa diante das contendas políticas que agitavam Montes Claros à época.
O fundador, José Tomás de Oliveira, era um pernambucano do Recife, que decidiu montar um negócio perigoso: editar jornal. Ao nordestino, não faltava tenacidade. Com o tempo, cada edição se transformava em festa.
Impressa a última página, saudada por banda de música, fogos espocando nos ares, ceiava-se. Depois, os participantes do ágape cívico-etílico-gastronômico, embora moderados, saíam às ruas nas funções de jornaleiros. Ao cantar triunfal dos galos, a “Gazeta” era distribuída aos assinantes, por baixo das portas, como se fossem documentos de grupos revoltosos.
A “Gazeta” foi de luta em campanhas memoráveis. Assim são os jornais.


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Por Web Outros - 16/2/2007 11:02:30
Entre os escombros

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 16/02/2007)

Em política, quase sempre as denúncias e rigorosas comissões de inquérito terminam em pizza. A expressão já se vulgarizou e, mais do que isso, se tornou uma espécie de axioma, verdade incontestável no Brasil, abençoado por Deus. Ou não é mais?
O cidadão é desrespeitado, todos os dias e horas, em qualquer lugar, por atitudes de múltipla natureza. No trânsito, cujos sinais nem sempre são obedecidos, mesmo com os dispositivos eletrônicos; nos bancos, onde as filas permanecem e nem os idosos escapam enquanto os gatunos esperam os aposentados à porta, monitorados pelos comparsas lá de dentro. Não me vou estender, senão teria de ocupar laudas e laudas e espaço de jornal também tem limitação.
Em termos de drogas e sexo, tampouco há fronteiras. Não que o escrevinhador desta diária coluna seja pudico. O rapto das sabinas, na época em que Roma começava, é brincadeira, diante do que ocorre presentemente. Aliás, drogas e sexo andam juntas e faturam enormidade.
A ação da Migdal, uma empresa que já negociava com empréstimo e venda de mulheres no princípio do século passado, mesmo bem antes, trazendo-as da Europa devastada pelas guerras para o Novo Mundo, tornou-se insignificante diante do que hoje ocorre e ninguém ignora.
Sexo consome as pessoas e as pessoas são consumidas por ele. Em volume, não terá comparação em qualquer época da história. O recato deixou de existir e há anúncios de motéis em todos os meios de comunicação, e os e as jovens, adolescentes, tratam do tema com amplo conhecimento. Não entro no mérito de vantagem ou desvantagem. Não pretendo pregar moral.
Ao receber carta de Pirapora, encontro a repulsa de um brasileiro que visitou a igreja jesuística de Barra do Guaicuí, onde o Rio das Velhas despeja suas águas no São Francisco. O turista, sabedor de ali estar uma grande relíquia do Norte de Minas, tão importante quanto a igreja do Brejo do Amparo, em Januária, e da igreja de Matias Cardoso, se espanta. Enfim, são construções muito antigas, do século 16, talvez 17.
O visitante descreve o que encontrou: ruínas, telhas remanescentes caindo e o rasto dos depredadores nas pedras seculares. Nomes, palavras obscenas, dúzias de preservativos, espalhados por todos os lados.
E é um sítio histórico, em que belíssima árvore esbanja vitalidade dentro do templo, como se fossem uma peça única. Naquele local belíssimo, no encontro dos dois rios que cortam Minas e constituem uma síntese de nosso passado, o desrespeito.
O missivista estranha que assim aconteça, pois, no Rio Grande do Sul, há proteção completa ao que sobrou das reduções jesuísticas, que hoje formam o sagrado território das Missões, também com muita história de sangue e heroísmo, de religiosidade e fé.
Consta que o corpo de Fernão Dias Pais esteve sepultado por ali. A verdade não é tão exata assim, mas há liames. De fato, dando seqüência a suas provações, o bandeirante veio a falecer, com muitos dos seus homens, inclusive índios, em decorrência de uma peste.
Em determinado tempo, falava-se que os restos de Fernão Dias teriam ido para Santos, onde se achavam enterrados. Não é verdade, como atesta Salomão de Vasconcelos, confirmado por austeros historiadores, entre os quais Luiz de Paula Ferreira, que nasceu em Várzea da Palma.
Morto, o bandeirante foi instalado num barco para tomar caminho de São Paulo. Mais uma vez, a sorte não contemplou o desbravador. Houve o naufrágio da embarcação e o corpo levado pelo Rio das Velhas. Foi encontrado muitos dias após, procurado tenazmente pelo filho Garcia Rodrigues.
Resgatado, foi sepultado nas proximidades de Guaicuí, como confirma Simeão Ribeiro Pires. Aconteceu num cemitério, ou na velha igreja de pedras, erguida pelos jesuítas no governo Tomé de Souza. Eschwege diz que o local ficou assinalado por modesta cruz de madeira. Depois, tudo se perdeu.


20204
Por Web Outros - 20/1/2007 10:12:32
Universidade Grande Sertão

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 20/01/2007)

No próximo ano, comemora-se o centenário de nascimento de um dos maiores escritores brasileiros, por sinal nascido em Minas e na boca do sertão. Para não poucos, Guimarães Rosa, como ficcionista, supera o notável Machado de Assis, uma de nossas glórias.
Assim sendo, não pode ser uma celebração como outra, principalmente para os que mourejam nesta parte do grande território. Há de se fazer algo memorável, como as circunstâncias impõem. Somente uma única vez acontece um fato dessa dimensão e, como evento, deve ser registrado.
Rosa levou aos mais distantes lugares do planeta a palavra de Minas, sentimentos arraigados secularmente às gerações que aqui habitaram e se formaram, tradições, história, cultura, todo esse peculiar caldo que faz de Minas o que é, e que decorre de fatores múltiplos. Catrumanos ou não, são generosos, bravos, infalíveis e ajudaram a construir uma gente especial numa terra única, castigada pelo sol forte e por longas estiagens, as secas.
O mundo criado por Rosa é o mundo sertão mineiro, de que Euclides deixou registros perenes, mas incompletos e não suficientemente definidos. Não era esse o propósito, resumido nas reportagens sobre Canudos para o Estadão. Não fez ficção, não construiu o mundo, a um só tento fantástico, mas também autêntico, pitoresco, que Rosa - e o nome é da flor e de cor - legou “ad perpetuam rei memoriam.”
Muitos falaram desse sertão antes dele, escritores imensos, mas nenhum atingiu o nível de perfeição narrativa do homem de Cordisburgo. Daí a preocupação que os mineiros sentem por uma comemoração nacional, brasileira, digna, pelos cem anos de Rosa, a mais viva, lúcida e fiel voz do regionalismo deste pedaço do Brasil.
Através da Secretaria de Estado da Educação, procurei informar-me se há uma comissão pela elaboração de uma programação para a efeméride. Não obtive resposta. Talvez haja uma agenda em nível nacional, da qual tampouco tenho conhecimento.
E sabê-lo julgo conveniente. Porque há também uma postulação de quase uma dezena de anos para se dar o nome de Universidade do Grande Sertão à Universidade de Montes Claros, a Unimontes, que presta à pátria de Rosa os mais relevantes serviços à cultura e à inteligência. A proposta objetiva vincula a instituição, e toda universidade deve ser casa de humanismo, devotada à cultura da região.
Mais do que homenagear o admirável escritor, que lançou ao mundo afora a cultura do sertão, sobretudo do nosso, o que se pretende é vincular de maneira permanente, eterna, a universidade pública à essência de nossa cultura.
Recentemente, consumou-se o projeto “Noites do Sertão”, em que duas dezenas de municípios do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha foram visitados por dezenas de brasileiros. Eles conheceram a intimidade do Grande Sertão, que ninguém melhor do que Rosa soube descrever, com os seus moradores, seus bichos, plantas, suas cousas, costumes e música.
Na excursão, ficou constatado, de forma vívida e categórica, que a cultura da região permanece fiel ao passado, fincada nos valores de que partiu. Para um grande jornalista local, o nome Universidade do Grande Sertão, se adotado, ajuntará, reunirá as prudentes partes cordiais que seguem dispersas por este acampamento de bravura, modéstia, dissimulação e recolhimento, de solidão.


20129
Por Web Outros - 18/1/2007 11:09:35
Preservar o patrimônio,

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 18/01/2007)

Tem-se despertado e alertado, recentemente com mais ênfase, sobre a preservação de nossos patrimônios: vegetal, animal, mineral, histórico, cultural, arquitetônico. Não falta o quê preservar, notando-se já interesse por zelar pelo que temos.
Na praça da matriz de minha cidade, por exemplo, há o sobrado dos Oliveiras (ou dos Prates), que mereceu bela crônica de Haroldo Lívio, em dezembro. A manutenção de imóveis antigos é dispendiosa e os herdeiros quase nunca têm condições de defendê-los da ação do tempo e das intempéries, quando não dos vândalos.
Ao poder público cabe, assim, cuidar dessas construções como o referido sobrado, erguido em local histórico da cidade. Foi o que fez a administração pública do município, graças ao prefeito Athos Avelino Pereira, que não quis que o casarão falecesse por generalizada falência de órgãos, no que encontrou estímulo do secretário João Rodrigues, da Cultura.
Para se avaliar a importância da medida, bastaria lembrar, como o fez o cronista, que a mansão, de dois pavimentos, serviu de inspiração ao grande ficcionista brasileiro, Cyro dos Anjos, localizando ali o cenário de seu romance “A menina do sobrado”.
Se o livro de Cyro, da ABL, permanece como uma das obras de ficção mais queridas do público, mercê do estro de um autor de primeira água, não se poderia permitir que o imóvel simplesmente se arruinasse, quando se aproximam os 150 anos de sua construção.
O segundo andar era residência; o térreo serviu de estabelecimento comercial e sediou a “Gazeta do Norte”, jornal que lutou bravamente pelas melhores causas da cidade, do município e da região, e no qual comecei a publicar mal traçadas linhas, em tempos imemoriais.
Com extensa história, o sobrado, na Vila de Montes Claros de Formigas, no perímetro urbano, foi erguido pelo coronel José Rodrigues Prates. Como era de norma, para fazê-lo requereu licença à Câmara Municipal em sessão de 16 de julho de 1856, não no local inicialmente projetado, mas de todo modo em logradouro privilegiado.
Nélson Vianna, nascido em Curvelo, engenheiro formado em Ouro Preto, descreveu o imóvel como o viu nas dezenas de anos radicado na cidade: “É solar altaneiro, imponente, de estilo colonial”. Em certa crônica, recamada de recordações de coisas dos tempos idos, publicada há anos passados, o deputado Milton Prates afirmava que aquela respeitável mansão representava um marco na história montesclarense.
De fato, não só foi ela construída na época da transição do povoado de Vila de Formigas para a cidade de Montes Claros, como em seus salões se realizaram tertúlias e se celebraram datas íntimas, com festivais de elevada espiritualidade. E o cronista Newton Prates, também como Milton, descendente do criador do sobrado, escreveu que “outrora, por noites enluaradas, dali saíam as encantadoras serenatas que iam espalhar a harmonia das velhas e eternas modinhas pelas ruas adormecidas de antanho”.
Por tantos e numerosos outros títulos, cumpriria preservar o sobrado em nome do passado e do futuro. Dir-se-á que, mesmo com todas estas nuances, é uma construção relativamente simples nas linhas e nos espaços. Mas no que tange a patrimônio, há a Carta de Veneza, que define: “A noção de monumento histórico estende-se não só às grandes criações mas às obras modestas que adquirem com o tempo significado cultural”.


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Por Web Outros - 9/1/2007 11:07:16
"Perenes Momentos

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 09/01/2007)

Luiz de Paula Ferreira é singular no que faz. E bem. Na bela idade que ostenta, moureja projetos, com cuidado, prazer e conhecimento, que o tornam digno de admiração. Nele se poderá encontrar aquele sertanejo, que Euclides identificou, de fato, um forte.
Pelo Armazém de Idéias, lançou, no último quadrimestre de 2006, um volume raro, pelo conteúdo e iconografia. Naquele se achará o texto escorreito, conciso, simples, contando casos, evocando episódios históricos, tecendo considerações e filosofando, porque, afinal, seus 89 anos o permitem.
Há poesia, que o autor a extrai das cousas singelas que vêm da infância e perpassam a vida de realizações. Menino acostumado à venda do pai em Várzea da Palma, convivendo com personagens simples, começou ali a construir-se como ser humano, alicerçado na boa formação herdada dos pais e rebocada com exemplos dignos. Assim se fez empresário, advogado, escritor, jornalista, líder no setor econômico, sem se desligar das raízes. Estas se alimentavam na boa água da região revitalizante e fortalecedora, bacia do São Francisco.
Mauro Santayana, uma das expressões da imprensa brasileira, redator fulgurante, faz apresentação, e sua opinião coincide com a minha: Luiz de Paula é um singular ser humano. Ivana Ferrante Rabello comenta o sentido de “Momentos”, ao confirmar a forte inclinação do autor para as letras, com “fiat” próximo à estação ferroviária de Várzea da Palma. Reafirma-se o conceito que de Luiz Paula tenho e, com alegria, porque o ano findo foi próprio a lembrar e admirar Rosa, como os pastores adoraram o menino nascido em Belém de Judá, há mais de 2 mil anos.
Não há muito a falar de “Momentos”, além do já dito. É algo para se ler, mas do que sobre ele opinar. O projeto gráfico é de excelente qualidade, por sinal do próprio escritor, que também deixa a marca de sua produção fotográfica em páginas inesquecíveis.
Os escritores Giselle Fagundes e Nahilson Martins, com textos e fotos engalanam a primorosa edição, que também deve a Edgar Antunes Pereira, Paulo Narciso, Anderson de Vasconcelos Chaves, Joelmar Santa Rosa, Antônio de Ló, Ulisses Mendes Fulgêncio, que possibilitaram, pela disponibilização de material, que o livro atingisse seu alto nível.
Se a iconografia é riquíssima, não menos precioso é o texto, que o autor redigiu ou selecionou, e fez constar, com cuidado para oferecer um retrato verdadeiro do norte-mineiro. Sobre o homem, tendo ao lado uma fantástica visão do antigo distrito de São João das Missões, no município de Januária, o autor afirma: “O homem é a melhor prova da existência de Deus. Porque o homem é o seu maior milagre”.
Depois, o texto “a Casa de Deus”:
“Meu filho, de 5 anos, perguntou-me se a igreja era a casa de Deus. Eu respondi:
- É, sim, filho. A igreja é casa de Deus.
E acrescentei:
- A igreja é uma casa de oração. Na igreja as pessoas se reúnem para orar. Não só nas igrejas de nossas religiões mas também de outras crenças, em todo o mundo. Olhando para meu filho e vendo a atenção com que me ouvia, conclui: - A casa de Deus, meu filho, é o mundo”.


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Por Web Outros - 6/12/2006 10:53:22
Em Rosa, os mistérios

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 06/12/2006)

Há inexplicáveis coisas em torno e dentro das pessoas, algo além de nossa vã filosofia, como disse o bardo de Straford. Pois Luiz de Paula Ferreira, prosador, poeta, compositor e industrial guardou um recorte de um jornal da capital, edição de 26 de novembro de 1967, com o artigo de Guimarães Rosa, “Vida-Arte-e mais?”
Aparentemente, nada demais. Mas acontece que a publicação do artigo ocorreu no sétimo dia da morte do escritor de Cordisburgo, o que chamou a atenção e o espírito investigativo do jornalista Paulo Narciso. Quando teria sido redigido? Bem antes, certamente.
São indagações que surgem e dúvidas que persistem. Rosa fora talvez, como cidadão, um homem comum. Mas, na verdade, demonstrou pairar sobre sua personalidade algo superior. A própria morte, três dias após a solene posse na Academia Brasileira de Letras, provoca uma indagação sobre o inexorável e sua consumação.
Sabe-se que foi eminentemente religioso, como escreveu o também imortal Dom Marcos Barbosa. Eduardo Almeida Reis, autor de vários bons livros, carioca de nascimento, que passou parte da vida no Rio, conhece, de fontes fidedignas, fragmentos da biografia de pessoas importantes e confirma o ilustre prelado sobre Rosa.
Eduardo me contou que Guimarães Rosa costumava telefonar para determinada senhora, também muito crente em Deus, e os dois, ligados a seus aparelhos, rezavam o rosário à noite. Há ainda fatos e gestos curiosos, contados num belo e excelente livro editado pela Giordano, que o editor gentilmente me enviou autografado.
Tudo isso é, como disse Paulo Narciso, um grande mistério que desafia o homem e seu pragmatismo. Caber-lhe-á, talvez, aprofundar-se no fascinante tema, que merecerá maior atenção da comunidade literária ao se aproximar o centenário do nascimento de Rosa: em 2008.
Pois no seu artigo, o autor de Cordisburgo faz confissão inequívoca: “Tenho de segredar que - embora por formação ou índole oponha escrúpulo crítico a fenômenos paranormais e em princípio rechace a experimentação metapsíquica - minha vida sempre e cedo se teceu de sutil gênero de fatos. Sonhos premonitórios, telepatia, intuições, séries encadeadas fortuitas, toda a sorte de avisos e pressentimentos. Dadas vezes, a chance de topar, sem busca, pessoas, coisas e informações necessárias”.
Teria pressentido a morte?
Na publicação de quase 30 anos, Rosa confessa que sítios, personagens, episódios de suas narrativas pareciam ter-lhe sido prontas, como se dizia das composições de Chopin. O autor de “Sagarana” confessa mais:
“No plano da arte e criação - já de si em boa parte subliminar ou supraconsciente, entremeando-se nos bojos do mistério e equivalente às vezes quase à reza - decerto se propõem mais essas manifestações”.
Rosa revela ter iniciado um romance (“A fazedora de velas”). Sua personagem enfermou, e só falava de sua doença grave, inconjurável, quase cósmica, e a tristeza a ele se transmitiu. Jogou as páginas na gaveta.
“Mas as coisas impalpáveis andavam já em movimento. Daí a meses, ano-e-meio, adoeci, e a doença imitava, ponto por ponto, a do narrador! Então? Más coincidências destas calam-se com cuidado, e claro não se comentam”.


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Por Web Outros - 25/5/2006 16:45:24
Ínvios caminhos

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 25/05/2006)

A imprensa tem goelas para as grandes notícias. Difícil, sem embargo, manter as manchetes, o público sempre ávido de novidades, do que lhe sacie o interesse e a fome de informação, em determinados momentos e circunstâncias o mais escandaloso, do mais sórdido.
Os fatos correntes não faltam às páginas, telas e rádios. Depois do pré-caos em que se viu o Brasil transformado pela falta de conservação de suas rodovias, sobreveio a operação tapa-buracos e conseqüentes acusações e denúncias sobre as condições em que se fazia a obra. Era um bom assunto para suceder ao escândalo do mensalão, que perdurava por meses na avalanche de falcatruas. Fatos novos surgiram, enquanto a questão levantada por Roberto Jefferson entrava em banho-maria, por força de normas legais e regimentais. Mas o estado das estradas de rodagem permaneceu no noticiário e na repulsa dos obrigados a deslocar-se no país por terra. No Norte de Minas, a estrada continua péssima, entre Engenheiro Navarro e Joaquim Felício. Segundo o experimentado homem de imprensa Paulo Narciso, aquele trecho é um campo lunar, um deboche absoluto à população produzido em várias esferas de Governo.
O jornalista comenta que, apesar da saudade e dos motivos muitos, ir a Belo Horizonte se tornou difícil como nos anos anteriores a 1970, mas sem o romantismo de então. A passagem aérea se mantém abusiva em preço, e não há concorrência para reduzí-lo. Fica, assim, restrita aos políticos, que não pagam do próprio bolso e estão dispensados dos ínvios caminhos, como resumiria Monzeca, o sagaz e lendário jornalista jamais esquecido. É algo para se pensar e para se agir, enquanto há tempo. Porque, na nossa democracia nominal, as crianças sequer podem brincar na porta de casa ou no pátio das escolas, ameaçados pelo trânsito perigoso ou pelos aliciadores de inocentes para as drogas.
Quanto a rodovias, sabe-se porque preferem muitas autoridades o transporte aéreo. Não por ser mais rápido ou corram menos risco. Desobrigam-se de encontrar manifestações de descontentamento, organizadas por quantos não mais se conformam com as más condições das pistas. Para fugir a críticas, melhor passar ao largo. Como também sofremos o viés de atirar a culpa dos males sobre o passado, Governos tiveram a desastrosa iniciativa de construir rodovias, que não teriam como conservar. Uma falta de perspectiva imperdoável, que repercute nocivamente nos administradores dos tempos seguintes.
Aconteceu o mesmo com as ferrovias, que constituíram durante séculos o sonho das populações interioranas. Construídas com o tributo de gerações, foram desativadas sumariamente, consideradas anti-econômicas. Não previram os antigos essa possibilidade?
Ocorre, agora, com as rodovias, inviabilizadas pela incúria, pela falta de planejamento, pelo desvio de recursos, gerando insatisfação que abrange outras áreas de Governo e influi perniciosamente no amolecimento da sociedade, no desânimo diante dos fatos e na falta de esperança.
Os mais idosos lembram a frase: Estamos indo para o buraco. Agora se tem a referência concreta: o buraco das estradas. Que reaviva o pessimismo de muitos: esta vida é um buraco.
Enfrentando estes caminhos, que já foram estradas modernas, lembramo-nos das antigas estradas com duro sacrifício em recônditas regiões. Terra e cascalho, que produziam poeira e morte. O brasileiro permanece desrespeitado pelo poder público.


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Por Web Outros - 17/1/2006 09:38:06
As águas passadas

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 17/01/2006)

No último dia 5, comentei aqui o Lua Nova, bar no edifício Maletta, que foi por muitos anos ponto de encontro de jornalistas, escritores, artistas, professores, em Belo Horizonte. Agora, saiu um livro sobre aquela gente que fez da capital mineira um núcleo intelectual importante.
Para Luiz de Paula Ferreira, advogado, escritor e empresário em Montes Claros, o café ou boteco pode ser considerado uma instituição nacional e indispensável à comunidade, como sobre o Lua Nova se expressaram várias personalidades. Ao da capital ocorria, por exemplo, o médico e hoje pintor consagrado Konstantin Christoff, como conta o volume recém-editado.
Mas Luiz de Paula recorda um estabelecimento de seu tempo em nossa cidade. Revolvendo velhos papéis, motivado pela minha crônica, encontrou anotações sobre o Bar do Norte, o Bar de `seu` Tito, por sinal irmão de Cyro dos Anjos, autor de livros inesquecíveis e cujo centenário de nascimento se comemora neste 2006.
Quantos passaram pela esquina da Rua Governador Valadares com Simeão Ribeiro, na noite de 18 de setembro de 1966, depois das 20 horas e até alta madrugada, se surpreenderam com uma inusitada aglomeração.
Vou simplesmente repetir o que diz Luiz de Paula: Escrevia-se naquele dia e naquela hora uma página da história de Montes Claros. Fechava-se o bar de `seu` Tito, depois de a casa, tradicional e amiga, cumprir destino igual ao que, um dia, cumpriu no Rio de Janeiro o Café Nice, tradicional ponto de reunião da intelectualidade e da boemia da terra carioca.
Ali pontificaram Olavo Bilac, Raul Pederneiras, Emílio de Menezes, José do Patrocínio e muitos outros. Ali tão notáveis brasileiros marcavam encontros e ali deixavam recados. Ali também florescia a poesia do Brasil, antes que os modernistas em 1922 viessem revolucionar o legado de gerações.
Ao Bar do Norte afluía a geração da mais sadia boemia da cidade, gente de vária formação e profissões, movidos pelo mesmo interesse de devanear, conversar, espairecer, desligar-se dos cotidianos problemas ou sobre eles esmiuçar.
Era mescla de pensamento e doce contemplar das cousas. Nunca faltou platéia. Que páginas, que segredos, que presença de vida em cada noite daquele bar. Benjamim dos Anjos, José Luís Barbosa, Nélson Versiani, Antônio de `seu` Basílio, João de Paula, Vírgilio Pereira, João Botelho, Joaquim Abreu, Domingos Lopes, Olímpio Abreu, Luiz de Paula, João Mió, João Estrelinha, Juquinha Catinga Limpa, Isidório das Vertentes, Augusto-Cadê-a-Chuva, Abdias Marceneiro, Dr. Olegário dos Anjos, Dr. Henrique Chaves, o poeta Geraldo Freire, João Capivara, José de Chico Doce, Domingos de Timóteo, Benedito Maciel, José Paraíso, Augusto Guimarães, Juca Barbosa, Telé Guimarães, Dr. Alfredo Coutinho, Demerval Pena, Ernesto Moles, Hermes Pimenta, Paraguayto, Odilon da Força e Luz, Quinca Malveira, Vavá Alfaiate e tantos e tantos outros.
Com tantos bares, cafés, confeitarias, botecos do Brasil, viu encerrada a carreira, descendo inexoravelmente as portas sobre um tempo que não volta mais; sobre gente que sabia e precisava passar sobranceiramente os dias, aproveitando a cálida presença dos amigos.
Assim como inúmeros estabelecimentos de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, de cidades espalhadas pelo imenso território, o Bar de seu Tito, depois de participar da vida de sua comunidade, pagou tributo à transitoriedade dos homens e de suas cousas. Cessou ali o ambiente propício ao debate franco das idéias da busca abstrata das soluções. Os que sobrevivem àquela época sabem-no perfeitamente.
Divido com Luiz de Paula as reminiscências deste escrito, tão marcado pelo calor humano. Sic transit gloria mundi.


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A fortaleza de pedra

Manoel Hygino (Jornal "Hoje em Dia")

Muito criança, fui uma vez, ou duas?, a festas em uma fazenda do Barrocão. Não guardo lembranças, senão do ambiente cálido da recepção, muita gente presente, foguetório, muitos pratos típicos, doces e salgados para dias de permanência de toda aquela gente.
Tantos anos decorridos, memoro a alegre convivência com pessoas cujo nome não mais sei, ao ler o registro de JJSantos, que tampouco ainda conheço. Ele foi a Grão-Mogol rever a cidade, que tem características semelhantes a Vila Rica, Tijuco e a amorável Serro Frio da Vila do Príncipe.
Construíram-se 50 quilômetros de asfalto, que - depois de distrito do Barrocão - ligam a BR 251 à formosa cidade alpestre nascida com o nome de Serra de Santo Antônio do Itacambiruçu, hoje Grão Mogol. Mas faltam ainda 17 quilômetros de asfalto, para demonstrar que no Brasil o poder público deixa sempre algo a concluir.
Essa é uma região belíssima, praticamente desconhecida do resto do Estado. Quando se pavimentarem suas estradas, seus acessos, implantando uma infra-estrutura adequada para o turista, ter-se-á instalado uma fonte notável de receita, ao possibilitar que os visitantes admirem belos trechos da terra mineira, cheios de história e de tradições.
Grão Mogol é terra de gente corajosa, que participou das lutas travadas na região num período turbulento, em que se conquistava a terra e sua riqueza ao custo de muitas vidas. Foi rica e é bela. Não me sai da cabeça que tive como madrinha uma senhora ali nascida, de sobrenome “Alcântara”. Só isso me suscitava a idéia de nobreza. Estudara em colégios distantes, aprendera e falava francês. Talvez por isso, gostasse dos tangos de Gardel, nascido em Marselha.
Grão-Mogol é uma das fascinantes cidades de Minas que não conheço e que precisa ingressar no roteiro turístico de brasileiros e estrangeiros, que não cingirão a ver de perto a grandeza de Ouro Preto, de Diamantina, de São João del-Rei, Tiradentes, já conquistados pelos visitantes que lhe apreciam ruas, igrejas, gentes.
Haroldo Lívio, escritor e advogado, é um dos empolgados com esta rústica cidade, que não feneceu com a escassez dos minerais nobres. Haroldo, enciclopédia viva de toda uma vasta região, ensina que Grão-Mogol foi a primeira cidadela de extensa zona geopolítica. No apogeu da mineração diamantifera, conseguiu registrar 12 mil almas, população expressiva para aquela época de fastígio, que abrangeu o Império e os primeiros anos da República.
O vigor diminuiu, quando a turba de caçadores de riquezas percebeu que telas escasseavam. Como velhas cidades do Oeste americano, algumas das quais ficaram inteiramente abandonadas quando o ouro minguou e desapareceu.
Dali partiam as tropas de muares carregados de ouro e pedras preciosas para enfeitar as cabeças de rainhas e princesas nas grandes cortes da Europa. De lá saíam as bandeiras, em direção à mística Serra Resplandescente, ou alimentando a ilusão de que todos, bem à frente, nos dias seguintes, encontrariam diamantes colossais brilhando à luz do sol, nas areias alvinitentes do Itacambiruçu.
Até Itacambira fui, com fotógrafo do Rio de Janeiro, com o poeta Cândido Canela (seus 100 anos serão em 2010), em busca de outro mistério. O das múmias sob o piso assoalhado da igreja.
Não mais há bandeiras, nem aventureiros famintos de riquezas, nem índios furibundos. Mas Grão-Mogol está viva, diante de nossos olhos, para quem conferir. Não o retrato na parede.
“A igreja paroquial, de pedra construída, os muros de pedra, as ladeiras cansadas, é tudo feito de pedra sobre pedra... Chega-se em Grão-Mogol por caminhos empedrados, de águas cantantes e ar puro de montanha...
A cidade alterosa é uma fortaleza de pedra”.

(N. da Redação - Na foto, assinalado, o escritor Haroldo Lívio, na sua última visita à celebrada igreja "de pedra construída", a que alude a presente crônica do escritor montesclarense Manoel Hygino)


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Um Ygino em Goiás

Manoel Hygino dos Santos - "Hoje em Dia"

Nasceu em Goiás, viveu em Uberaba, morou em São Paulo, capital, e encerrou seus dias em Franca.
Estou me referindo a um poeta, que a editora Migalhas acaba de reverenciar, por meio de uma biografia e antologia, organizada por Carlos Alberto Bastos de Matos.
"Ygino Rodrigues, o poeta da pinta preta" é um vate como tido nos velhos tempos. Desligado aparentemente dos problemas da vida, boêmio, despreocupado com exigências que a humana lida impõe, beberrão, inquieto, desiludido, mas bom poeta.
O biógrafo, falecido aos 57 anos, formou-se na conceituada Faculdade de Direito de São Francisco, em São Paulo, exerceu atividades como profissional do Direto, chegando a professor na Faculdade de Franca, ocupando também a Academia Francana de Letras, na cadeira nº 20, cujo patrono é exatamente Ygino Rodrigues.
Daí, suponho, seu interesse pelo pouco conhecido bardo goiano, batizado na "Capella de Nossa Senhora da Boa Morte da cidade de Goyas", como anotado no respectivo batistério, e nascido em 11 de janeiro de 1872.
Não mais os bons tempos antiga Villa Boa, às margens do Rio Vermelho. As condições da então capital eram desfavoráveis. Exauridos os veios auríferos que fizeram sua riqueza no século XVIII, isolara-se no sertão, nada oferecendo aos que não dispusessem de terras para plantar ou criar gado.
Couto de Magalhães, o mineiro que foi presidente do Estado de Goiás, fala que "uma apatia mortal parece dominar tudo", pois, "longe de prosperar, a cidade de Goiás tem decaído; quem passeia por seus arrabaldes sente-se constantemente entristecido pelo aspecto das ruínas que observa".
O presidente é mais enfático na descrição. Ele comenta o "caos trevoso" da capital e afirma:
"Em uma palavra, Goiás, não só não se reúne as condições necessárias para uma capital, como ainda reúne muitas para ser abandonada". É nesse ambiente, que Ygino passou a infância e começou a adolescência.
Mesmo assim, inteligência incomum, iniciou o primário e ingressou no Liceu, onde concluiu os estados.
Assentou praça no Exército e começou a colaborar em jornais de Goiás com seus poemas, mas já andava às turras com a polícia em decorrência de sua irascibilidade, de seu gênio turbulento.
Não permaneceu. Mudou-se para Uberaba, colaborando com o "Lavoura e Comércio", quando lançou o seu primeiro livro "Dinamites". O título dá ideia de sua disposição o de espírito. Também ali não fica. Transfere-se ao Rio de Janeiro, escrevendo para "O Nacional", quando publica "Pampeiros".
Tampouco está radicado. Dali parte para curta experiência em São Paulo, com o pequeno jornal "A Mogyana", que abandona para assentar-se de vez em Franca, em 1901. Ali aparecem seus escritos na "Tribuna de Franca", publicando "Faíscas" e "Flores do Deserto".
Tampouco se acomoda com a vida da cidade. Envolve-se em confusões e cria inimizades. Na cidade de Amparo, é preso, ébrio, porque o delegado de polícia, João Guedes, se negara a comprar um seu livro de poesias. Em telegrama do "Comércio de São Paulo", diz: "Ante-ontem, fui preso ilegalmente e despojado do dinheiro pelo escrivão de polícia. Edificante!"
Seu destempero prossegue. Abre dura campanha contra a Santa Casa, principalmente contra seu zelador Domingos, acusando-o de "esmurrar os doentes" e de "lhes negar água". Meses após, é surrado, a vassouradas, pela cozinheira Gregória, num restaurante da rua da Estação.
Corre a notícia de sua morte, que contesta em soneta, que assim começa: "Assim não morri! Não estou morto,/D`agouros maus dispenso a sombra escura;/ Embora viva doente e sem conforto,/ Ainda não desci à sepultura!".
Casado bem com rica viúva, separado da esposa, não tem sossego a alma. Na fria e chuvosa tarde de 4 de julho de 1907, falece. Deixou escrito:
"Quando, cansado da mundana lida/, Meus frios ossos entregar à terra,/ Na sepultura que meu corpo encerra/ Não quero pompas, ouroféis da vida!"Ainda assim, muitas foram as homenagens.


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Por Web Outros - 5/7/2009 11h47:05
De peso e medida

Manoel Hygino - Jornal "Hoje em Dia"

A Câmara Municipal de Francisco Sá, por iniciativa do vereador Joaquim Fernandes Soares, aprovou proposta de luto oficial no município de três dias pelo falecimento de Olinto Silveira.
No encaminhamento, ao apresentar a manifestação de pesar ao prefeito Marisvaldo Ferreira de Souza, o edital enalteceu o relevante papel de Olinto para a cultura norte-mineira.
Disse ainda: “Acabamos de perder uma das mais significativas e ilustres inteligências: o político, o poeta, o romancista, o historiador, que deixou uma extensa folha de serviços à coletividade, “exemplo de cidadão ilibado, de uma reserva moral a toda prova”.
Ora, ao deixar-nos após quase cem anos de labor, Olyntho – cm y e th – como assinava, provocou o surgimento de um vazio, num mundo e em uma época em que há vazios de seres humanos predestinados. Entre estes, está esse cidadão de Francisco Sá, cuja morte causou silêncio na região em que nasceu e viveu.
Ele não amava o ruído, não queria flores e encômios pelo que foi e fez.
Foi puro e feliz, em sua humildade, dedicado a seus livros – os que leu e os que escreveu, sempre ao lado de Yvonne – também como y e dois ns, como registrada e consta de sua certidão de batismo.
Típico fruto norte-mineiro: simples, correto em seus deveres, circunspecto, acima de tudo – sereno e íntegro. Escrevia, como a esposa; o irmão, os sobrinhos, intelectuais autênticos e devotados às boas causas e às boas letras.
A sobrinha, Maria Luíza, professora, autora de livros de alto nível, comentou: “A vida não tem misericórdia alguma com nossa dor, com nossa saudade. Ela continua, inclemente, com suas exigências. E, mesmo com o coração partido, o peito oprimido, as lágrimas contidas ou não, a caminhada prossegue. E, dentro de nós, a esperança do futuro reencontro”.
A hora da dor, a hora da meditação. Seu irmão, homem que percrustava a história e em torno dela se realizava, comentou outrora: “Assim somos todos nós.! As folhas todas vão caindo, pouco a pouco, para que a árvore se revista de folhas novas! Olyntho foi das últimas das velhas folhas, mas a árvore continuará de pé.
Esse sertanejo, avesso à publicidade, opositor às vanglórias pessoais, que fazia o que os deuses lhe facultaram, amou solenemente a terra em que nasceu e viveu; estudou-a, nela se encontrou. Foi homem da história, da poesia, da crônica.
De sua autoria é “Brejo das Almas”, o segundo livro com esse título. O primeiro fora de Carlos Drummond de Andrade, que se apaixonou com o topônimo. Em seu trabalho, com Yvonne, o autor se atém aos primitivos e remotos dados históricos do município, acrescentando acontecimentos e tipos locais.
Francisco Sá presentemente, antes Brejo das Almas, teve primeiramente o nome de Cruz das Almas das Caatingas do Rio Verde, extenso e belo, como costume dos antigos designar os lugares de nascença.
No seu livro, Olyntho recorda a época da passagem de Prestes e seus homens por todo o país, com sua famosa Coluna.
Para combatê-la o Governo central lançou mão de todos os elementos disponíveis, mesmo a escória, contando com apoio dos estados.
Certo dia, em fevereiro de 1926, a vila do Brejo foi tumultuada e sacudida por intensa fuzilaria, vinda de todos os lados. Balas zumbiam sobre as casas e as atingiam.
Um exército de homens sujos e maltrapilhos, armados de fuzis e metralhadoras, aparecia nas ruas. Eram mais de quatrocentos que exigiam alojamentos e alimentação, porque famintos.
Aparecera, sob comando de um suposto “maior” Honório Granjas, vindo da Bahia, para combater os soldados de Prestes. A maior parte dos moradores fugiu, embrenhado-se no mato a contrafortes das serras, mesmo para passar privações.
Reler estas páginas de Olyntho é voltar a um passado que não existe mais. Só ele, que agora virou memória, uma boa memória e exemplos, de quem quase completou cem anos de vida, pesados e medidos, como convém a um cidadão de peso e medida, como observou Haroldo Lívio.




Selecione o Cronista abaixo:
Avay Miranda
Iara Tribuzi
Iara Tribuzzi
Ivana Ferrante Rebello
Manoel Hygino
Afonso Cláudio
Alberto Sena
Augusto Vieira
Avay Miranda
Carmen Netto
Dário Cotrim
Dário Teixeira Cotrim
Davidson Caldeira
Edes Barbosa
Efemérides - Nelson Vianna
Enoque Alves
Flavio Pinto
Genival Tourinho
Gustavo Mameluque
Haroldo Lívio
Haroldo Santos
Haroldo Tourinho Filho
Hoje em Dia
Iara Tribuzzi
Isaías
Isaias Caldeira
Isaías Caldeira Brant
Isaías Caldeira Veloso
Ivana Rebello
João Carlos Sobreira
Jorge Silveira
José Ponciano Neto
José Prates
Luiz Cunha Ortiga
Luiz de Paula
Manoel Hygino
Marcelo Eduardo Freitas
Marden Carvalho
Maria Luiza Silveira Teles
Maria Ribeiro Pires
Mário Genival Tourinho
montesclaros.com
Oswaldo Antunes
Paulo Braga
Paulo Narciso
Petronio Braz
Raphael Reys
Raquel Chaves
Roberto Elísio
Ruth Tupinambá
Saulo
Ucho Ribeiro
Virginia de Paula
Waldyr Senna
Walter Abreu
Wanderlino Arruda
Web - Chorografia
Web Outros
Yvonne Silveira